Acidente com soldado português causou “mossa psicológica” nos militares na República Centro-Africana

O acidente está a ser investigado em Portugal e nas Nações Unidas. O general Marco Serronha diz que “terão sido as más condições da estrada” que estiveram na origem do despiste.

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LUSA/CEMGFA

O general Marco Serronha reconheceu que o acidente com o soldado Aliu Camará na República Centro-Africana criou “mossa psicológica” nos militares portugueses em missão, adiantando que o despiste está a ser investigado em Portugal e nas Nações Unidas.

O militar português sofreu ferimentos graves no dia 13 de junho, na sequência do despiste e capotamento de uma viatura, quando as tropas nacionais realizavam um trajecto logístico junto à região de Bouar, situada a 350 quilómetros a noroeste da capital do país.

Do acidente resultou a amputação das duas pernas do militar.

Aliu Camará, que pertence aos Comandos, estava integrado na 5.ª Força Nacional Destacada (FND), que tinha a missão de Força de Reacção Rápida da missão da Organização das Nações Unidas na República Centro-Africana (MINUSCA, na sigla em inglês).

“Um acidente desta natureza é sempre algo que cria alguma mossa psicológica, passe a expressão, mesmo numa força com índice de rusticidade [resistência] psicológica como é o caso dos comandos. É evidente que cria sempre algum desconforto”, disse o general, em entrevista à agência Lusa.

O general Marco Serronha, actual Chefe do Estado-Maior do Comando Conjunto para as Operações Militares, foi durante 14 meses o segundo comandante da força militar da MINUSCA.

Marco Serronha considerou que se registou uma gestão eficaz do acidente, tendo em conta as dificuldades, lembrando que ocorreu no início da época das chuvas e numa zona de difíceis acessos.

“Foi derivado à chuva que o acidente se deu, com o despiste da viatura numa situação em que estavam a cerca de 50 quilómetros da base onde os portugueses estavam, num local onde o helicóptero não podia aterrar lá”, salientou.

O general português contou que os médicos deslocaram-se ao local, tendo o militar português sido depois transportado para Bucaranga, que era o local onde o helicóptero podia aterrar.

“Ainda esteve num hospital do Bangladesh, em Bouar, onde fizeram uma estabilização, porque se percebeu que a gravidade era de tal modo grande que ele teria de ser transportado para Portugal”, frisou.

De Bouar, o soldado Aliu Camará foi transportado para a capital da RCA, Bangui, onde foi atendido no hospital das forças militares sérvias.

“Foi analisada a sua situação mais em detalhe, já por especialistas em contacto com os nossos médicos do Hospital das Forças Armadas. Foi decidido avançar com a amputação porque poderia não aguentar até Lisboa ou depois a amputação ser ainda mais grave”, explicou, referindo que foi uma decisão conjunta.

Em menos de 24 horas, o soldado foi alvo da intervenção e depois transportado para Portugal.

Marco Serronha assegurou que saberem que o militar iria sobreviver e poderia ter uma vida normal, tendo em conta a gravidade da sua situação, ajudou os militares em missão na RCA a ultrapassar o acidente.

“Houve um empenhamento de muita gente, incluindo o ministro da Defesa e o Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, para que a sua situação futura ficasse assegurada e isso também ajudou a ganhar um bocadinho de moral”, afirmou.

Marco Serronha adiantou que o acidente está a ser investigado em Portugal e nas Nações Unidas, mas reiterou que, na sua perspectiva, terão sido as más condições da estrada, devido à chuva torrencial, que esteve na origem do despiste.

“Tudo indica que não foi excesso de velocidade, mas nem conseguiam, porque estava a chover torrencialmente. Neste momento, a informação que tenho é que já está a recuperar em casa e depois vai para a Alemanha para colocar as próteses”, salientou.

Para o futuro, o militar pode estudar e preparar-se para uma profissão, disse.

“Ele é que verá se quer continuar nas Forças Armadas ou sair, mas tem de ter as ferramentas para uma integração posterior. Se quiser, continuará com as Forças Armadas no serviço efectivo”, disse.

A RCA caiu no caos e na violência em 2013, depois do derrube do ex-Presidente François Bozizé por grupos armados juntos na Séléka, o que suscitou a oposição de outras milícias, agrupadas sob a designação anti-Balaka.

O Governo centro-africano controla um quinto do território e o resto é dividido por mais de 15 milícias que procuram obter dinheiro através de raptos, extorsão, bloqueio de vias de comunicação, recursos minerais (diamantes e ouro, entre outros), roubo de gado e abate de elefantes para venda de marfim.

Um acordo de paz foi assinado em Cartum, capital do Sudão, no início de Fevereiro pelo Governo e por 14 grupos armados, e um mês mais tarde, as partes entenderam-se sobre um governo inclusivo, no âmbito do processo de paz.

Portugal está presente na RCA desde o início de 2017, no quadro da MINUSCA, com a 6.ª Força Nacional Destacada (FND), e militares na Missão Europeia de Treino Militar-República Centro-Africana.

A 6.ª FND, que tem a função de Força de Reacção Rápida, integra 180 militares, na sua maioria Paraquedistas, pertencendo 177 ao Exército e três à Força Aérea.

Na RCA estão também 14 elementos da Polícia de Segurança Pública.