Para a semana há festa. Celebra-se o Natal, de formas tão variadas que, apesar de não ser quando quisermos, pode ser como desejarmos. As escolhas são muitas, mas os padrões repetem-se para além dos que se usam nas toalhas e decorações. Alguns são tão fortes que dificilmente os mudaremos, ainda assim o mundo vai rodando. Vamos passar por dias longos de actividades físicas de ingestão e processamento de comes e bebes, numa aventura própria da nossa civilização consumista e hedonista. Vamos meter a nossa sensibilidade ambiental e dietas inconsistentes em pausa, porque afinal o Natal é só uma vez por ano. As nossas incoerências são parte do nosso património cultural, há que assumir. Não somos perfeitos, é a nossa natureza. Se o Pai Natal existisse só nos traria presentes se os comprássemos, é assim o capitalismo.
Mas não estaremos sozinhos à mesa. A maioria de nós estará com familiares, para o bem e para o mal. Vamos querer estar com eles, mesmo que a paciência se esgote rapidamente. A esperança é que a comida e bebida ajudem a suportar os silêncios ou as conversas que dispensávamos. Venha o diabo — que nunca é convidado para o Natal — e escolha. Que fazer, então, enquanto estamos à mesa? Precisamos de uma boa desculpa para retirar a comida da nossa frente e animar tão maravilhosas companhias. Eu sei o que vou fazer. Sei que vai custar de início, mas no final vão agradecer-me. Tenho de aproveitar que estão todos imbuídos do espírito natalício para aplicar a minha solução para alguns dos males de Natal: os jogos de tabuleiro.
Livrai-me dos monopólios e afins. Do Trivial também, porque já ninguém suporta a superioridade da cultural geral alheia – será politicamente correcto expressar uma cultura superior? Em oposição, a nossa salvação poderá estar para além das caixas dos grandes supermercados. Poderia aproveitar para me vingar e ir buscar um daqueles jogos de tabuleiro pesados que aprecio, daqueles em que a mera explicação do jogo é por si só um potente soporífero. Mas não, vou ser simpático porque tenho esperança de ganhar presentes. Vou levar uns jogos mais leves, assim do tipo “party game”. Afinal, isto é uma festa e não há lugar para mártires além dos pobres perus.
Pois é. Com um jogo de tabuleiro, daqueles que fazem milhões de jogadores desligar os ecrãs, podemos salvar o Natal. Libertamos a mesa dos excessos gastronómicos para a rechear de boa disposição. Evitamos a falta de assunto ou os assuntos indesejados, pois geramos novas narrativas e expressividades em exercícios colectivos. A vantagem é que estes jogos não se gastam. Lembra-se do ambiente? Nada de gastar mais energia nem de gerar resíduos. Estes jogos de tabuleiro não entram nas lógicas de obsolescência programada que alimentam o consumo desenfreado. Para o ano poderemos jogar novamente — e a única coisa que se acumula são as memórias partilhadas dos bons momentos que passamos a jogar com quem gostamos.
Apanharam-me. Sou obcecado por jogos de tabuleiro, mas neste caso é mesmo por uma boa causa. E nem sei se a minha família vai tolerar esta demanda pela emancipação das mesas. Mas vou tentar novamente. O pior que pode acontecer é a mesa escravizar-se pelo excesso de consumo, mais do que pela liberdade de outras actividades. Poderia tentar outras abordagens; no entanto, os jogos são imediatas ferramentas de socialização. Para quê inventar a roda? A contagem de histórias, a expressão criativa, o humor: tudo isso é amplificado em abordagens jogáveis. Não acreditam? Têm de experimentar. Sem jogar nunca vão perceber. E depois vão desejar recuperar o tempo perdido.