ADSE, mais uma oportunidade perdida
Pela minha parte, a solução que preconizo passa por entregar a responsabilidade da gestão aos quotizados. Essa gestão deveria contar com a participação da Ordem dos Médicos e de representantes dos prestadores de cuidados de saúde, quer dos públicos, quer dos privados.
Quem segue com interesse o que se passa na ADSE pergunta-se se a transferência da tutela da ADSE do Ministério da Saúde para o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública representa uma solução boa ou má.
É minha opinião que não é boa, porque não é solução. É, apenas e só, mais uma oportunidade perdida. Tentarei explicar porquê.
O Estado assumiu, em determinado momento, que a ADSE deveria deixar de receber fundos do Orçamento do Estado (OE) e passar a autofinanciar-se através das quotizações dos seus membros. Convém lembrar que a ADSE foi sofrendo várias modificações ao longo dos anos, a mais significativa das quais foi o aumento para 3,5% do valor sobre o ordenado que cada membro passaria a descontar. Este brutal aumento da contribuição fez com que muitos, sobretudo aqueles com idades mais baixas e vencimentos mais altos, resolvessem abandonar a ADSE por sentirem que poderiam ter um seguro de saúde mais barato e que cobria as suas actuais necessidades.
O resultado foi que a ADSE, que apresentava superavit, passou a ver o seu futuro ameaçado por falta de sustentabilidade. E houve uma decorrência lógica que não se verificou: tendo o Estado deixado de financiar a ADSE através do OE, seria expectável que saísse da gestão da instituição deixando essa responsabilidade aos seus “donos”, os cidadãos que todos os meses renovam a sua contribuição. Mas não: o Estado resolveu continuar a governar a ADSE, reservando para si uma espécie de “golden share”. Ou seja, construiu uma bizarria que lhe permite mandar numa instituição onde não tem qualquer responsabilidade financeira, já que administra o dinheiro dos outros.
Esta opção política, enquanto durar, compromete inapelavelmente o futuro da ADSE, uma vez que nem o Governo, nem o Conselho Directivo têm vocação ou legitimidade para tomarem medidas óbvias para construir o futuro sustentável da instituição. O que estou a afirmar é, aliás, defendido na recente auditoria do Tribunal de Contas à ADSE, a qual faz as seguintes recomendações:
- À tutela, para que pague através do OE os valores que a ADSE tem pago e que são obrigação do Estado; e que promova as alterações legislativas necessárias à mudança da governação da ADSE, num modelo que vise a efectiva participação dos quotizados.
- Ao Conselho Diretivo, para pugnar pelo crescimento da receita através do alargamento e do rejuvenescimento do universo de quotizados, bem como pela cobrança das dívidas do Estado e das regiões autónomas, ao mesmo tempo que deveria apostar na racionalização da despesa, nomeadamente através de estudos custo-benefício, “...o que atualmente não ocorre”, sublinha o Tribunal de Contas.
Pela minha parte, a solução que preconizo passa por entregar a responsabilidade da gestão aos quotizados. Essa gestão deveria contar com a participação da Ordem dos Médicos (para aconselhamento técnico-científico) e de representantes dos prestadores de cuidados de saúde, quer dos públicos, quer dos privados. Estes são, aliás, parceiros imprescindíveis, uma vez que a ADSE – para manter o foco na sua missão principal – não deve entrar directamente no sector da prestação de cuidados de saúde.
Por se tratar de uma actividade muito particular, sensível e que envolve muitos, muitos, milhões – o financiamento de cuidados de saúde – é indispensável, a meu ver, a existência de uma entidade externa de supervisão. Uma entidade verdadeiramente independente, com as necessárias competências inspectivas, a qual, pelo seu perfil, injectasse credibilidade no modelo e na sua sustentabilidade.
Isto, creio, seria uma mudança de fundo. Mudar de ministério não vai ao âmago do problema. E, por isso, não passa de uma operação de cosmética.
É uma oportunidade perdida, infelizmente. Uma perda de tempo cujo único efeito será manter o controlo sobre as reservas (ainda) positivas da ADSE.