Há pouco tempo, publiquei nesta mesma rubrica um pequeno texto onde sucintamente falei do minimalismo como um modo de vida alternativo que vem ganhando espaço nos debates sobre felicidade, bem-estar, qualidade de vida, satisfação no trabalho e sustentabilidade. Não contava, porém, que o texto despertasse tanto interesse, tendo tido cerca de 13 mil partilhas. Achei o facto curioso, pois parece evidenciar uma espécie de zeitgeist (espírito dos tempos) emergente, caracterizado por um interesse geral em estratégias que, no quadro alienante das pressões para o consumo, possibilitem um maior controlo sobre as nossas vidas. Entendi, por isso, que o tema merecia um segundo texto, procurando agora identificar melhor os sentidos desse interesse no minimalismo, que penso ser uma vontade generalizada de mudança a três níveis: da nossa relação com as coisas, da nossa relação com os outros e da nossa relação com nós próprios.
Se “googlarmos” por minimalismo são-nos apresentados 18 milhões de resultados. Se pesquisarmos por “viver melhor com menos”, esse valor sobe para mais de 74 milhões. Entre estes resultados, os conteúdos mais populares parecem ser os que apresentam estratégias e dicas sobre como viver com menos stress, ser mais feliz e ter uma vida com mais sentido. A diversidade destas estratégias deixa logo claro que não há uma receita única para ser minimalista. Porém, todas elas implicam equacionar qual as coisas e as pessoas verdadeiramente importantes na nossa vida. Ao fazê-lo, o objectivo é sempre o mesmo: ajudar-nos a explorar e a conhecer os nossos limites. É justamente esse autoconhecimento que permite o desenvolvimento e a mudança pessoal. Assim, o minimalismo não pode ser entendido senão como uma caixa de ferramentas que dá forma à vontade de mudar de vida e é isso que torna as suas estratégias tão atraentes e interessantes.
As estratégias do minimalismo parecem estar divididas em três grandes tipos: das coisas, das relações e da mente. Cada uma deles corresponde, de resto, aos três níveis de vontade de mudança que já acima referi. Dentro destas tipologias, muitas das estratégias seguem o chamado “Princípio de Pareto”, também conhecido como Regra do 80/20, que diz que só 20% das coisas que fazemos são responsáveis por 80% dos resultados. No caso do minimalismo das coisas, a aplicação deste princípio é talvez a mais simples: dar mais valor às coisas que já temos, identificando o essencial, ao mesmo tempo que nos desprendemos das coisas acessórias e evitamos as que nos são impostas pelas modas. Estratégias como o roupeiro cápsula (ter um armário pequeno com 30 a 37 peças versáteis por estação) e a regra 3-3-3 (ter apenas três peças de cada) são alguns exemplos populares, mas o princípio tanto se aplica à organização da roupa como da casa, ou mesmo das tarefas do dia-a-dia e do trabalho.
O minimalismo das relações é já mais complexo, mas o princípio é o mesmo: quem sãos as pessoas realmente importantes na nossa vida? Quem interessa manter e quem nos faz mal? Em que grupos vale a pena estar? Nunca antes as pessoas estiveram tão ligadas entre si. Porém, as relações virtuais passaram a implicar um processo de gestão do self tão central e extenuante que deixamos de saber quem realmente importa ou gosta de nós. Entre o número de amigos no Facebook, os seguidores no Instagram e os encontros de fast sex no Tinder, os relacionamentos passaram a ser fugazes, isolados e vazios. Muitas das frustrações que sentimos resultam justamente das expectativas que criamos em torno de uma imagem idealizada de nós próprios e dos outros, quando no processo deixamos de ter tempo para saber e estar com quem interessa. Recorrer à regra dos 3-3-3 para fazer uma lista de quem nos gostaríamos de dedicar mais (amigos da infância e de vida adulta, familiares, colegas de trabalho, etc.) e limitar o tempo passado nas redes sociais, bloquear os pop ups dos smartphones e não receber emails fora da hora de trabalho são algumas estratégias que podem ajudar.
Por fim, o minimalismo da mente está relacionado com os anteriores e é ainda mais difícil de alcançar. Quantos de nós não se sentiu já prisioneiro daquilo que tem, ou pior, do que não tem? Quantas vezes nos sentimos culpados por gastar mais do que deveríamos? Quantas vezes não nos sentimos enclausurados pela inveja do que os outros têm/são ou alcançaram? Todo este stress para ser e ter passou a fazer parte integrante das nossas vidas. Temos dificuldade em ouvir e colocar-nos no lugar do outro. Estamos constantemente a pensar sobre o passado ou a antecipar o futuro e nessa tensão nunca desfrutamos do momento presente. O ioga, a meditação, o mindfulness e o coaching são algumas das estratégias cada vez mais procurados para sair desta espiral de insatisfação. Tendo presente estas três tipologias, o minimalismo pode ser uma caixa de ferramentas para sair do piloto automático, viver plenamente, intencionalmente e com propósito. Porém, cabe a cada um a vontade de mudar.