Um atraso de dois meses e um doente com cancro que morre sem tratamento. ERS aponta “deficiências graves”

O utente fez uma biópsia no Hospital de Portimão a 8 de Janeiro, mas unidade demorou 15 dias a enviar pedido para IPO, pedido esse que foi devolvido por falta de informação. Hospital demorou depois quase mais um mês a repetir a requisição.

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ffa Filipe Farinha/stills - colaborador

A Entidade Reguladora da Saúde concluiu que houve “deficiências graves na prestação de cuidados de saúde de qualidade e em tempo adequado” a um doente oncológico do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) que esperou dois meses pelo resultado de um exame. O homem acabou por morrer a 27 de Março sem fazer quimioterapia devido ao atraso de exames decisivos para definir o tratamento adequado.

A deliberação da ERS, datada de 18 de Julho de 2019, dá conta do caso de um utente em tratamento devido a um cancro no pulmão que esperou quase dois meses pelos resultados de um exame genético requerido pelo CHUA ao Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, necessário para definir a sua terapêutica. O regulador soube do caso pela comunicação social.

Dois meses à espera do resultado de um exame

O utente fez uma biópsia no Hospital de Portimão a 8 de Janeiro e o CHUA, na incapacidade de realizar o exame de detecção de mutações no gene EGRF, enviou a amostra para ser analisada no IPO, com os médicos a dizerem à família do utente que os resultados tardariam quatro a seis semanas e que, quando chegassem, seria definida a terapêutica a adoptar.

“Acontece, porém, que, conforme informaram os próprios prestadores, o pedido de realização de exame EGFR apenas foi enviado pelo CHUA ao IPO em 23 de Janeiro de 2019”, constatou a ERS, lamentando que, “durante 15 dias, entre 8 de Janeiro e 22 de Janeiro (inclusivamente), o processo do utente estivesse, injustificadamente, em suspenso” sem que os resultados da biópsia fossem, “pura e simplesmente”, enviados.

A ERS aponta incongruências de datas nas explicações dadas pelo CHUA sobre o envio do pedido de análise ao IPO, feito a 23 de Janeiro, e considera que houve “uma deficiente tramitação e agilização de processos” que causou “prejuízos graves para a definição prospectiva de uma estratégia terapêutica para o utente, sobretudo um doente de cariz oncológico como era o caso”.

O pedido de dia 23 também acabou por não ser aceite pelo IPO de Lisboa e foi devolvido “(em data que não foi possível apurar), por falta de informação suficiente”, só sendo “enviado novo pedido de exame ao IPO, segundo o CHUA, no dia 19 de Fevereiro de 2019 (21 de Fevereiro de 2019, de acordo com o IPO)”.

“Uma vez mais, mostra-se manifestamente irrazoável que, depois de um primeiro pedido (em 23 de Janeiro de 2019) que veio devolvido, o mesmo só tenha voltado a ser feito quase um mês depois. E, recorde-se, bem mais de um mês depois desde a data em que o utente fez a biópsia inicial (8 de Janeiro de 2019)”, sinalizou.

Há indícios de “mais casos” semelhantes

A deliberação da ERS considera haver indícios “fortes” que “mais casos como o do utente podem subsistir presentemente” e é necessária “uma agilização imediata, evitando-se os mesmos erros e deficiências graves supra identificados”, e ser “imperioso que o CHUA reveja os seus procedimentos e adopte medidas concretas, de forma a evitar, numa lógica preventiva, que novos episódios semelhantes possam ocorrer”.

Por isso, a ERS deliberou instruir o CHUA no sentido de “assegurar a implementação de todas as regras e procedimentos aptos a garantir, de forma permanente e em tempo útil, o acesso dos utentes (nomeadamente, os portadores de patologia oncológica) a todos os exames e MCDT [Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica] de que necessitem”.

Pede ainda ao CHUA para “assegurar, de forma ágil e diligente” a realização de exames junto de outros prestadores, “alargando a sua rede de entidade parceiras”, e para “rever procedimentos internos” para os pedidos serem feitos de “forma expedita, ágil e eficiente” e cumpram os Tempos Máximos de Resposta Garantidos estabelecidos.

Sobre este caso, a ministra da Saúde, Marta Temido, ouvida na comissão parlamentar de saúde em Julho disse que o atraso no exame não se deveu a razões financeiras.