Manual de instruções para Tóquio: calor, humidade, madrugadas e medalhas
COP reuniu várias dezenas de atletas olímpicos durante dois dias para falar dos Jogos do próximo Verão. Entre estreantes e veteranos, há muita ambição mas também há dúvidas sobre como lidar com as condições que terão de enfrentar na capital japonesa.
Cada modalidade tem as suas especificidades e cada atleta tem os seus planos próprios, mas os atletas portugueses que vão estar (e aqueles que querem estar) nos Jogos Olímpicos de Tóquio no próximo Verão partilham ambições e dúvidas, e desejam estar ao melhor nível nuns Jogos que serão diferentes dos outros. Seja um veterano, como o canoísta Emanuel Silva (quinta participação), ou um estreante, como o atirador João Paulo Azevedo, todos terão de lidar, entre outras coisas, com um fuso horário completamente diferente (+9 horas na capital japonesa que em Portugal continental) e com temperaturas e níveis de humidade altíssimos.
Foi para responder a estas e a outras dúvidas que o Comité Olímpico de Portugal (COP) reuniu algumas dezenas de atletas, entre alguns que já têm lugar garantido na comitiva e outros que ainda procuram uma vaga. Um encontro de perguntas e respostas durante dois dias, mas também de partilha de experiências, expectativas e planos de trabalho. João Pereira, por exemplo, já sabe como será o seu dia quando participar na prova masculina do triatlo, a 27 de Julho do próximo ano, sendo que as listas finais dos 55 apurados só serão publicadas a 11 de Maio - João Pereira está em 22.º do ranking de qualificação e bem encaminhado para a sua segunda participação olímpica, depois de um quinto posto no Rio 2016.
“Eu vou ter de acordar às 3h30 da manhã para poder ter uma refeição três horas antes da prova [começa às 7h30, hora local] e para despertar. Toda essa logística será trabalhada este ano. Pode parecer ridículo, mas terei de me ir habituando a acordar às quatro, cinco da manhã, para às 6h30, 7h da manhã poder estar a dar tudo”, diz o triatleta português. A temperatura da água, acrescenta, será outro problema, e a preparação será diferente da que fez para o evento teste do triatlo olímpico, em que a água estava a 32 graus. “Fiz um estágio em altitude, estive 17 dias no Japão a treinar numa piscina com a água a 34 graus. Depois do evento teste, fiquei um bocado desiludido e acho que a abordagem vai ser outra”, referiu.
Um dos estreantes já com vaga garantida é João Paulo Azevedo, que vai competir na prova de fosso olímpico. Minhoto, de Vilaverde, Azevedo já conhece bem a concorrência que vai enfrentar em Tóquio. “Já ganhámos aos atletas que lá vão estar e, por isso, não há que ter medo. É a prova-rainha de tudo”, diz o atirador, que conta com a experiência do seu treinador, Custódio Ezequiel (duas participações em 2000 e 2004), para o ajudar a navegar na estreia olímpica: “Ele está lá para nos ajudar no que for preciso. Todo o medo que a gente possa ter na altura, ele vai lá estar de braços abertos.”
Outro estreante será o canoísta David Varela, mas vai pagaiar com “um velha guarda”. Foi assim que Varela se referiu a Emanuel Silva, seu colega no K4, que vai cumprir em Tóquio a sua quinta participação olímpica consecutiva. Silva foi medalha de prata em Londres 2012 em K2 1000 ao lado de Fernando Pimenta, falhando depois uma posição de pódio no Rio 2016, tanto no K2 (com João Ribeiro), como no K4. “É chegar lá e aniquilar, entre aspas, os adversários”, diz o canoísta português, confiante como sempre. Seria uma desilusão a canoagem, que é uma das modalidades com melhores resultados internacionais, ficar sem medalhas em Tóquio, tal como aconteceu no Brasil? “Posso dizer que sim”, admite Silva. “O foco está virado para medalhas na canoagem. Ninguém está mais empenhado que nós. O meu sonho enquanto atleta é ser campeão olímpico. Tudo farei para o ser.”
Mulheres nos 50km marcha?
Ainda está por tomar a decisão final de haver uma prova feminina de 50km marcha nos Jogos de Tóquio, que seria, em simultâneo, uma estreia e uma despedida – a prova mais longa do atletismo deixará de existir nas grandes competições a partir de 2022. Tudo isto condiciona os planos de Inês Henriques para a sua quarta participação nos Jogos. A marchadora de Santarém foi uma das pioneiras e das que mais lutou para que as mulheres fizessem 50km marcha e isso valeu-lhe um título mundial (com um recorde do mundo que já não é seu) e um título europeu, e ainda tem esperança de tentar chegar a uma medalha olímpica.
Há uma acção a correr no Tribunal Arbitral do Desporto para que a prova seja incluída no programa e, diz a marchadora portuguesa, a divulgação da decisão está prevista para 29 de Novembro. “O advogado tem estado sempre em contacto connosco. Eles estão sempre a adiar a resposta”, lamenta Inês Henriques, que não conseguiu defender com sucesso nos recentes Mundiais de Doha o inédito título conquistado em Londres (desistiu). Foi “um momento difícil” a que se seguiu um regresso ao treino “para perceber o que sentia e o que queria”. “Percebi que o meu corpo ainda responde e haja ou não 50km, quero estar nos Jogos de Tóquio. Se for nos 20km, óbvio que não teria as mesmas ambições que nos 50km”, frisou Inês Henriques.
A nove meses do início dos Jogos (abertura a 24 de Julho, encerramento a 9 de Agosto), já está garantida a presença de 28 atletas em 10 modalidades, mas ainda há muita qualificação, sobretudo em 2020, pela frente, entre Mundiais, Europeus e publicação de rankings que servem como referência para o apuramento. José Manuel Constantino, presidente do COP, espera uma “missão entre 70 a 80 atletas” e tem o desejo que se reeditem em Tóquio as seis posições de pódio que os atletas portugueses conseguiram em Mundiais neste ano - o ouro de Jorge Fonseca no judo, as pratas do marchador João Vieira e da judoca Bárbara Timo e os bronzes do canoísta Fernando Pimenta, do “skater” Gustavo Ribeiro e de Rui Bragança, no taekwondo. “Repetir esse quadro seria extraordinário”, reconheceu.