Bloco volta às “barrigas de aluguer” com prazo para a gestante desistir da entrega da criança até ao registo

Regra de a grávida poder desistir até ao registo da criança foi chumbada em Julho pelo PSD e levou Marcelo a recorrer pela primeira vez ao Tribunal Constitucional. Agora bastam Bloco e PS para aprovar a lei.

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Projecto de lei é entregue na Assembleia da República esta segunda-feira Nuno Ferreira Santos

Depois de a lei ter saído “coxa” do Parlamento em Julho, por o PSD ter chumbado o artigo da lei da gestação de substituição que permitia que a gestante pudesse desistir da entrega do bebé, como o Tribunal Constitucional (TC) considerou necessário em 2018 e de novo em Setembro passado, o Bloco de Esquerda volta agora à carga e apresenta a mesma proposta que defendeu no Verão, mas que agora deverá ter votos suficientes para ser plenamente aprovada.

Esta é a forma de os bloquistas contornarem o chumbo do Tribunal Constitucional que há dois meses considerou o diploma inconstitucional por não permitir a desistência da entrega da criança por parte da gestante. O TC foi chamado a pronunciar-se por Marcelo Rebelo de Sousa, que enviou o diploma para fiscalização preventiva ao Palácio Ratton.

O texto que os bloquistas agora propõem reintroduz a possibilidade de a grávida revogar o seu consentimento para entrega do bebé aos pais biológicos até ao momento do registo – esta regovação poderia ser feita logo na maternidade ou até 20 dias depois do nascimento em qualquer conservatória do registo civil. Ou seja, no fundo permitia-se que a grávida pudesse ter o direito de ficar com a criança. Esta solução deverá permitir que o Presidente da República promulgue o diploma e, mesmo que este seja levado ao Tribunal Constitucional por alguns deputados – o CDS e boa parte do PSD prometeram fazê-lo – que consiga passar pelo crivo dos juízes. É que o primeiro chumbo do TC foi já direccionado para a norma da revogação do consentimento, que na versão original era permitida apenas no início dos processos terapêuticos de procriação medicamente assistida.

A esta norma que o Bloco, designa como “fundamental”, somam-se outras propostas. É o caso da norma que propõe que a gestante de substituição seja “preferencialmente” uma mulher que já tenha sido mãe. Os bloquistas querem ainda que a aprovação do processo esteja dependente de um parecer positivo da Ordem de Psicólogos, uma novidade em relação à lei de 2016.

Ao PÚBLICO, um dos autores da proposta bloquista, o deputado Moisés Ferreira, explica que estas duas novidades pretendem "tentar limitar ao máximo hipóteses do chamado arrependimento”. “O parecer de um psicólogo da Ordem pretende aferir da capacidade e disponibilidade emocional da potencial gestante”.

Esta nova proposta elimina a alínea presente no artigo votado em Julho, que dava preferência à gestante de substituição “parente em linha recta até ao 2.º grau ou até ao 4.º grau na linha colateral, afim até ao 2.º grau ou adoptante de pelo menos um dos beneficiários”.

Só precisa de votos do PS e do Bloco

Agora que as bancadas do PS e do Bloco juntas conseguem maioria absoluta de deputados, esta versão completa tem aprovação quase garantida. O PSD deverá manter o voto contra, por causa da questão da revogação do consentimento; PCP e o CDS continuarão a votar contra por discordarem do princípio da gestação de substituição.

“Sabendo que existe um novo Parlamento e com ele uma nova relação de forças, acreditamos que vai ser possível aprovar este projecto de lei”, acredita o bloquista. “Queremos deixar claro que esta é uma proposta que pretende responder à incapacidade de estação de mulheres que não têm útero ou que têm uma doença grave que impede de forma definitiva a gravidez”, sublinha Moisés Ferreira.

Em Portugal, a gestão de substituição só é permitida a casais heterossexuais e casais de duas mulheres que não tenham útero ou apresentem lesões que impossibilitem gerar uma gravidez ou em situações clínicas que o justifiquem. Mas o processo envolve um contrato que não pode incluir qualquer tipo de pagamento ou doação à grávida nem permite a existência de alguma relação de subordinação económica entre a gestante e os futuros pais e mães (não há, portanto, “barrigas de aluguer”, em rigor). Sobre o material genético usado, a lei exige que que se recorra a gâmetas de pelo menos um dos futuros beneficiários (progenitores) e proíbe a utilização de ovócitos da gestante. Além disso, o contrato também tem de prever o que fazer em situações de malformação, doença fetal ou eventual interrupção voluntária da gravidez.

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