Ex-presidente do INEM acusado de corrupção e outros 11 crimes no caso da venda de plasma
O empresário Paulo Lalanda e Castro, ex-administrador da Octapharma em Portugal, também foi acusado de 21 crimes, incluindo três de corrupção activa. Do rol de acusados fazem ainda parte uma médica e um advogado da PMLJ.
O médico Luís Cunha Ribeiro, ex-presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, foi acusado de um crime de corrupção passiva e de mais outros 11 ilícitos no âmbito do caso conhecido como O Negativo — relacionado com o monopólio da venda de plasma inactivado (componente do sangue) aos hospitais públicos portugueses atribuído por concurso público em 2000 à multinacional suíça Octapharma. O Ministério Público pede que o médico, que foi júri naquele concurso, seja condenado a uma pena acessória de proibição do exercício de funções.
No centro da acusação está o empresário Paulo Lalanda e Castro, ex-administrador da Octapharma em Portugal, que foi acusado de 21 crimes, incluindo três de corrupção activa, segundo o despacho final da investigação, que tem 1059 páginas. Era ele o ponto de ligação entre os seis arguidos individuais e a empresa que integra a lista de acusados e de que é proprietário, a Convida – Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A.
O Ministério Público concluiu que o empresário, que foi patrão do ex-primeiro-ministro José Sócrates após este perder as eleições, construiu uma rede de influências através de relações pessoais e familiares, com o objectivo de obter benefícios próprios. É também esta a razão pela qual o Ministério Público não chegou a deduzir acusação contra a Octapharma, já que, como se lê no despacho de acusação, entendeu-se que Lalanda e Castro “actuou sempre em função do seu próprio interesse e ambição de negócio": quanto mais vendesse dos produtos da multinacional suíça “proporcionalmente mais elevadas seriam as comissões e bónus que receberia”.
Do rol de seis pessoas singulares acusadas neste caso fazem ainda parte uma médica imuno-hemoterapeuta, que foi subordinada de Cunha Ribeiro no Hospital de São João, no Porto, onde ambos ainda trabalham, e uma farmacêutica, que fazia parte da Associação Portuguesa de Hemofilia. Ambas estão acusadas de um crime de corrupção passiva. À médica o Ministério Público imputa igualmente dois crimes de recebimento indevido de vantagem, pedindo igualmente que seja condenada a uma pena acessória de proibição do exercício de funções.
Um advogado da sociedade PLMJ, Paulo Farinha Alves, também foi acusado de dois crimes, um de falsificação e outro de branqueamento de capitais, ambos na forma tentada. A irmã de Lalanda e Castro, que assumiu funções de responsabilidade em várias das empresas offshore criadas pelo empresário e na Convida, também está acusada de cinco crimes: três de falsificação e dois de branqueamento. Dois deles são na forma tentada. Já esta empresa imobiliária controlada por Lalanda e Castro foi igualmente acusada por 11 crimes, seis de falsificação e cinco de branqueamento.
Segundo o Ministério Público, foi através da Convida que Lalanda e Castro se prontificou a comprar um apartamento a Cunha Ribeiro, quando este integrava o concurso lançado no ano 2000 para o “fornecimento de produtos derivados do plasma humano e PHI [Plasma Humano Inactivado]”. O então director clínico do S. João tinha-se divorciado e manifestou junto do amigo de longa data a vontade de começar uma nova vida. Este, “prontificou-se” a adquirir, através da Convida, um apartamento duplex na zona das Antas, no Porto, escolhido por Cunha Ribeiro. O médico ainda solicitou, posteriormente, a aquisição de duas fracções de garagem, o que foi feito.
A acusação diz que Cunha Ribeiro começou a utilizar o apartamento enquanto ainda decorria o concurso que envolvia a Octapharma, mas que acordou com Lalanda e Castro que a escritura de compra do imóvel só seria feita depois da conclusão do mesmo. O documento viria a ser assinado em 2003, embora o Ministério Público conclua que o médico “nada tivesse pago pela sua aquisição”.
Apesar de indicar a existência de várias incompatibilidades – nomeadamente a relação pessoal de vários anos – tanto Cunha Ribeiro como a farmacêutica acusada neste processo integraram o júri de dois concursos em que a Octapharma saiu vencedora – o do ano 2000 e um outro de 1998 para “aquisição de produtos derivados do plasma humano e PHI”. A farmacêutica, que além de amiga de Lalanda e Castro era sócia dele numa das suas empresas, foi indicada pela Associação Portuguesa de Hemofilia como sua representante, algo que, diz a acusação, Lalanda e Castro antecipara, pela sua formação e grande influência junto da então presidente da associação.
Já a médica imuno-hemoterapeuta que também está acusada neste processo, terá sido apresentada ao empresário por Cunha Ribeiro, a pedido do primeiro, e além de ter substituído o clínico como júri de concursos depois de este assumir a presidência do INEM, terá participado pelo menos num estudo a convite da Octapharma e auxiliado a empresa na realização de estudos clínicos que esta patrocinou no hospital de S. João. Conhecedora da reputação da especialista, a Octapharma chegou mesmo a propor-lhe um cargo, como “Medical Advisor”, refere-se na acusação, que esta terá declinado “por não lhe interessar um lugar de consultora a tempo parcial e por não lhe garantir um vínculo laboral nem dividendos equivalentes aos que auferia enquanto médica da especialidade integrada no SNS”.
A médica terá ainda beneficiado de viagens pagas – algumas das quais para se deslocar entre o Porto e Lisboa, para participar no júri de concursos que envolviam a empresa – , fosse para ir a eventos de carácter mais lúdico, como a festa do 25.º aniversário do Grupo Octapharma, em Heilderbeg, na Alemanha, em 2008, onde também esteve Luís Cunha Ribeiro. Ambos fizeram-se acompanhar dos respectivos companheiros, cujas despesas também foram pagas pela empresa.
Contactados pelo PÚBLICO, nem o advogado de Cunha Ribeiro, nem o de Lalanda e Castro quiseram fazer comentários à acusação.
Notícia corrigida 12 de Novembro: Número total de crimes imputados ao ex-presidente do INEM é de 12 e não onze como erradamente se escreveu.