Estatutos do Montepio: A bolha, a barricada e o golpe
1. A Bolha
A discussão ocorrida no Banco Portugal (BdP), em Março 2018, com os conselheiros a reconhecerem que o Montepio, sob a presidência de Tomás Correia (TC), passou a gerir um esquema de Ponzi, susceptível de “abrir um buraco de dois mil milhões de euros”, e Elisa Ferreira a questionar: se pretendiam que “picasse a bolha”, e “porque não nos ajudam… lendo o código do mutualismo (CAM) que está em discussão e fazendo contributos”, colocaram a “bolha” do Montepio na centralidade do novo CAM e dos Estatutos da Mutualista a serem aprovados na assembleia da próxima segunda-feira.
O novo CAM resulta de duas influências: a da necessidade de repor a confiança pública na Mutualista – através do reforço do controlo e da idoneidade dos seus gestores -, protagonizada pelo BdP; e da influência dos que não querem que “metam o nariz” na “democracia interna” das associações, defendida por TC e acolhida na tutela governativa.
Aquando da discussão pública do CAM antevi: “O CAM encerra nos gabinetes a realidade da mutualista, dificulta o escrutínio público e cristaliza corpos sociais monolíticos”. BINGO!
O CAM a duas influências, ficou a meio da ponte. Entreabriu portas que o “tomasismo” procura fechar na secretaria, com manhosices nos Estatutos e nos Regulamentos.
2. A Barricada
Tomás Correia, na patológica e patética carta da sua saída “voluntária”, por não querer “ser cúmplice do modelo de governo imposto pelo novo Código Mutualista (CAM)”, revela ter “trabalhado” para “minimizar as incoerências e as soluções literalmente erradas constantes no Código” nos novos estatutos, objectivo que considera atingido. Enleado nas suas contradições, admite que é o DDT do Montepio, e expôs a falta de autonomia e de independência dos diferentes Órgãos Sociais ou das Comissões eleitas pela sua “democracia interna”, marionetes da sua vontade. (Recorde-se que, em 2008, já tinha boicotado e impedido outra revisão dos Estatutos. A história repete-se.)
Nos novos Estatutos o “tomasismo” barrica-se e reforça o seu poder. Aumentam de cinco para sete elementos a composição do Conselho de Administração (CA). Alargam o mandato dos Corpos Sociais - convidados pelo CA - de três para quatro anos e continuam a ser eleitos em bloco. Consagram que não haverá limite de mandatos no CA, Conselho Fiscal e Mesa da Assembleia Geral – só o presidente do CA roda ao fim de três mandatos, sem sair da administração – e TODOS passam a auferir remuneração regular. Controladores sentados na mesa posta pelos controlados. Uma grande família.
Simultaneamente, dificulta a apresentação de candidaturas pelos associados: o número de candidatos passa de 26 para 68, e o de subscritores de 300 para 500, um processo que passa a envolver cerca de 600 pessoas, uma missão quase impossível para quem não tem acesso à base de dados associativa. E, com requinte, empurra o tempo de preparação duma candidatura para dentro do período estival antecipando o período de entrega das mesmas para 15 Setembro a 15 de Outubro. Ratices de ratos das lezírias.
3. O Golpe
O processo de revisão estatutária está viciado e obedece a uma gestão de “timings” com o propósito de TC levar a água ao seu moinho.
O processo fez “tábua rasa” dos prazos estatutários e dos do CAM - impunha a sua finalização até 2 Setembro - e vai ao arrepio dos propósitos anunciados no preâmbulo do Dec. Lei que o criou. E os associados são agora convocados para uma assembleia, numa segunda-feira a seguir a um fim-de-semana prolongado, para discutir um projecto já aprovado (???) pela Tutela e pelo supervisor. Assembleia em que os associados-trabalhadores subordinados aos dirigentes dominam.
É um golpe cuidadosamente planeado para a “democracia interna” funcionar, e visa quatro propósitos: o primeiro é o de manter o “tomasismo” no poder até ao final do mandato, até Dezembro de 2021, não obstante as alterações profundas na orgânica governativa; o segundo é o de definir as futuras regras do jogo eleitoral através da “sua” Comissão, a ser eleita na Assembleia, para elaborar o futuro Regulamento Eleitoral; o terceiro, é o de extinguir, imediatamente, o Conselho Geral - onde a oposição tem assento e algum acesso a informação – ainda antes de haver a Assembleia de Representantes (AR) que o substituirá não se sabe quando; por último, procura afastar a concorrência da próxima eleição para AR, estatuindo o máximo de 35 dias, após a aprovação do Regulamento Eleitoral, para que os associados apresentem candidaturas - com as dificuldades já acima enumeradas - e nos moldes a serem definidos pelo Regulamento . O “tomasismo”, que se movimentou a “passo de enterro” em todo este processo, impõe o “sprint” aos que se lhe opõem perseguindo a sua “falta de comparência”.
A revisão dos Estatutos - arrastada para depois das eleições legislativas (bem como a avaliação de idoneidade) para que a toxicidade do Montepio não contaminasse a campanha eleitoral – é o último golpe de Tomás Correia, com a cumplicidade de Vieira da Silva e a bênção de Vítor Melícias.
É no mínimo bizarro que matérias tão importantes como o processo eleitoral e o figurino governativo duma instituição, sejam lideradas por dirigentes não reconhecidos oficialmente, com o seu principal inspirador afastado por falta de idoneidade e outros a segui-lo na calha. É igualmente bizarro que os próximos dois anos da Mutualista, durante os quais serão tomadas decisões que condicionarão irremediavelmente o seu destino, sejam ditados na fantochada da próxima segunda-feira. É mau de mais para ser verdade.
Ao Estado compete proteger as Instituições dos desmandos dos seus dirigentes, e não o contrário.
Senhor Presidente da República, Senhores Deputados da Nação: alguém olhe para isto.
A instituição Montepio merece mais respeito e mais sentido de Estado.
O que se passa no Montepio é um escândalo a céu aberto.