Morreu Robert Evans, o produtor que ficou no filme
Um dos grandes arquitectos do cinema norte-americano dos anos 1970, trabalhou em moda e foi actor antes de se tornar chefe de produção da Paramount e depois produtor. Deu-nos O Padrinho, Chinatown ou A Semente do Diabo. Tinha 89 anos.
Era 1968 e era preciso alguém para fazer de meio-irmão de Barbra Streisand em Melinda, um musical de Vincente Minnelli. O chefe de produção da Paramount, Robert Evans, a ver o vídeo de uma audição, reparou num actor que não falava, que não era centro da cena e no qual ninguém queria apostar. O seu nome era Jack Nicholson. O filme foi um falhanço, mas Nicholson tornou-se uma estrela. Esta é uma das histórias que Evans, que morreu esta segunda-feira aos 89 anos em Beverly Hills, Califórnia, conta em The Kid Stays in the Picture, o seu livro de memórias de 1994, recheado de linguagem colorida e histórias auto-congratulatórias e exageradas com momentos de humildade e auto-condenação.
Evans, que nasceu Robert J. Shapera em Nova Iorque em 1930, trabalhou numa empresa de moda com o irmão até ter sido descoberto pela actriz Norma Shearer para fazer do produtor Irving Thalberg em O Homem das Mil Caras, de Joseph Pevney. A carreira como actor não durou, porém, e em 1962 decidiu virar-se para a produção. Chegaria a chefe da Paramount em 1967, tendo saído do cargo para se tornar, em 1974, produtor independente dentro do estúdio para o qual trabalhou até meses antes de morrer.
Durante os seus tempos à frente da Paramount, foi figura fulcral no avanço do cinema dos anos 1970. Foi ele quem, por exemplo, foi buscar Francis Ford Coppola para realização a adaptação de O Padrinho, de Mario Puzo. Para ele, filmes anteriores sobre a máfia não funcionavam porque tinham sido realizados por judeus, como era o caso de Evans, e não por italo-americanos, como era o caso de Coppola. Apesar dos confrontos entre os dois, viria a produzir o segundo O Padrinho e trabalharia com ele também em O Vigilante e no fracasso dos anos 1980 que foi Cotton Club, tendo sido chamado, mas recusado, a testemunhar no caso do assassinato de Roy Radin, financiador do filme. Uma testemunha negou posteriormente que ele estivesse envolvido no crime.
Também foi ele quem foi buscar Roman Polanski, para quem viria a produzir Chinatown, para A Semente do Mal, um filme que, contou no seu livro, terá levado Frank Sinatra a divorciar-se de Mia Farrow. Também trabalhou em várias adaptações de peças de Neil Simon, deu a Elaine May o seu primeiro trabalho como realizadora, A New Leaf, tendo ajudado a que filmes como Serpico, de Sidney Lumet, Harold and Maude, de Hal Ashby, Love Story, de Arthur Hiller (com a sua esposa da altura, Ali MacGraw), ou a adaptação que Jack Clayton fez de O Grande Gatsby em 1972, acontecessem. Alguns destes são dos filmes em que mais se pensa quando se pensa no cinema dos anos 1970.
Depois de 1974, teve também mão na produção de O Homem da Maratona, de John Schlesinger, O Cowboy da Noite, de James Bridges, ou na versão cinematográfica de Popeye realizada por Robert Altman, em 1980, o ano em que foi preso por tráfico de cocaína. O fracasso de Cotton Club levou a que a sua carreira parasse ao largo da década de 1980, voltando só a estar envolvido num filme quando se tornou produtor de The Two Jakes, conturbada sequela de Chinatown realizada e protagonizada por Jack Nicholson que originalmente iria marcar o seu regresso à representação.
Ainda esteve envolvido em produções bem menos notáveis e com menos sucesso junto tanto do público quanto da crítica do que o seu trabalho anterior. Nos anos 1990 fez filmes como Jade, de William Friedkin, O Fantasma, de Simon Wincer, O Santo, de Phillip Noyce, ou o remake de Forasteiros em Nova Iorque de Sam Weisman, baseado num guião de Neil Simon. O seu último filme como produtor acabaria por ser a comédia romântica Como Perder um Homem em 10 Dias, de Donald Petrie, lançada em 2003, ano em que foi criador, produtor executivo e protagonista, a fazer ele próprio, da série de televisão animada Kid Notorious.
Essa série explorava, de forma cómica, a personalidade de Evans, patente na versão áudio, lida pelo próprio, do seu livro The Kid Stays in the Picture, que serviu de base para o documentário homónimo de 2002 realizado por Brett Morgen e Nanette Burstein. O título era tirado da frase que Darryl F. Zanuck teria dito para contrariar os outros actores do filme E o Sol Também Brilha, de Henry King, que queriam que Evans abandonasse a produção por falta de talento.
O modo peculiar de falar de Evans enquanto contava histórias sobre os tempos da Paramount, os seus amores e desamores, a amizade com Henry Kissinger inspirou paródias. Por exemplo, Bob Odenkirk admite que Saul Goodman, o advogado de que faz em Breaking Bad e Better Call Saul, é baseado em parte na imitação que Odenkirk fazia de Evans no programa de sketches dos anos 1990 Mr. Show. Entre as incontáveis personagens inspiradas em Evans encontra-se também o produtor interpretado por Dustin Hoffman (que trabalhara com Evans em O Homem da Maraton) em Manobras na Casa Branca, o filme de Barry Levinson de 1997.