MP acusa quatro moradores e um polícia nos confrontos no Bairro da Jamaica
Troca de agressões remonta ao mês de Janeiro. Vídeo da altercação foi amplamente divulgado nas redes sociais. Polícia acusado de um crime de ofensa à integridade física e mulher por resistência e coacção. Jovem de 32 anos acusado de nove crimes.
O Ministério Público (MP) deduziu acusação contra a família, mãe e três filhos, e um agente da PSP, no processo relativo aos confrontos entre moradores e polícias ocorridos em Janeiro, no Bairro da Jamaica, concelho do Seixal.
Segundo a acusação do MP, a que a agência Lusa teve acesso esta quarta-feira, o polícia, de 34 anos, foi acusado de um crime de ofensas à integridade física simples, enquanto a mulher, de 53, responde por um crime de resistência e coação.
Um dos filhos, de 32 anos, responde por nove crimes (dois de resistência e coação e sete de injúria agravada) e outro, de 34 anos, está acusado de oito crimes: dois de resistência e coação, dois de ofensa à integridade física qualificada, um de dano, um de introdução em lugar vedado ao público e dois crimes de ameaça agravada.
A filha, de 25 anos, foi acusada de seis crimes: dois de resistência e coação, um de dano, um de introdução em lugar vedado ao público e de dois de ameaça agravada.
Nas redes sociais foram colocados vídeos a circular em que são visíveis confrontos ocorridos em 20 de Janeiro entre agentes policiais e moradores do Bairro da Jamaica, no distrito de Setúbal, nesse dia. Por causa desta intervenção, dois agentes da PSP foram alvo de processo disciplinar pela Direcção Nacional da PSP - o processo está a ser monotorizado pela Inspecção Geral da Administração Interna (IGAI). Um dia depois, um grupo de jovens organizou uma manifestação espontânea na Avenida da Liberdade, em Lisboa, em solidariedade com a família, que acabou em detenções e acusações da PSP de agressão por parte de um grupo. Quatro jovens foram a julgamento e em Março três deles condenados a multa e um deles a pena suspensa.
O MP abriu um inquérito em seguida. Na sequência dos incidentes “foi efectuada uma detenção, por resistência e coação sobre funcionário”, acrescentando que o “detido foi sujeito a primeiro interrogatório não judicial”, o qual ficou com a medida de coação de termo de identidade e residência.
A família envolvida nos desacatos teve sempre uma versão diferente e acusou os agentes de uso excessivo e injustificado de força. Disse que os agentes não procuraram perceber o que passava nem tentaram acalmar os ânimos. “A polícia entrou a abrir. Vinha para bater”, disse na altura Vanusa Coxi, testemunha e familiar dos envolvidos.
PSP chamada por desacatos
Segundo o MP, pelas 7h de 20 de Janeiro de 2019 foi solicitada a comparência da polícia na Rua 25 de Abril, Vale de Chícharos, Bairro da Jamaica, freguesia de Amora, na sequência de um telefonema para o 112 a dar conta de desacatos, com agressões e mais de 20 pessoas presentes.
Entre 15 a 30 minutos depois chegaram ao local dois agentes da PSP da Esquadra da Cruz de Pau e uma Equipa de Intervenção Rápida composta por um chefe e seis polícias.
A moradora que fez o telefonema para o 112 dirigiu-se à carrinha da PSP e identificou um dos arguidos como o responsável pelas agressões. Com vista à sua identificação, o chefe da PSP e mais três polícias acompanharam-na até um café “onde tinha ocorrido a contenda”, mas o jovem recusou-se a acompanhar os polícias a fim de ser identificado.
“A arguida Higina Coxi, apercebendo-se que os agentes da PSP insistiram que Flávio Coxi os acompanhasse, intrometeu-se gritando “o meu irmão não” e, seguidamente, desferiu uma bofetada na face do chefe (da PSP), empurrou o agente Ádamo Santos e iniciou discussão com Leonella dos Santos, culpando-a pela presença da polícia no local”, descreve a acusação.
Ao “percepcionarem que os ânimos se tinham exaltado e que um dos agentes havia sido agredido”, os restantes polícias saíram das viaturas e formaram um perímetro de segurança.
O MP conta que, “nessas circunstâncias, o arguido Hortêncio Coxi, com o intuito de alcançar os irmãos, os arguidos Higina Coxi e Flávio Coxi, que se encontravam a ser abordados pelos agentes da PSP, investiu o seu corpo contra os corpos” de dois dos agentes, os quais o advertiram e o afastaram com as mãos.
A acusação acrescenta que, “determinado a atravessar o perímetro de segurança”, o arguido Hortêncio Coxi “muniu-se de pedras que se encontravam no chão e arremessou as mesmas na direcção dos agentes, acertando com uma pedra na perna direita” de um dos polícias, e “com uma outra na face do agente Tiago Trindade”, o único agente da PSP acusado pelo MP.
De seguida, o arguido Flávio Coxi e outras pessoas cujas identidades não foi possível apurar, “arremessaram pedras na direcção” dos polícias, uma das quais atingiu a perna de um polícia. “Perante as agressões a elementos da PSP e descontrolo da situação”, o chefe da PSP ordenou um tiro de advertência, de shotgun. Depois de tentar atingir dois polícias com um tijolo, Flávio Coxi e o irmão Hortêncio Coxi abandonaram o local: Flávio “refugiou-se” na casa dos pais (Julieta Luvunga, arguida, e Fernando Coxi) enquanto o irmão saiu do bairro.
O MP acrescenta que, minutos depois, “quando os ânimos já haviam serenado”, o arguido Hortêncio Coxi surge na Rua 25 de Abril a ofender verbalmente os polícias e é dada ordem para a sua detenção por agressões ao agente Tiago Andrade (arguido).
Ao aproximar-se de Hortêncio Coxi para o deter, o agente Tiago Andrade “depara-se com o pai do arguido à sua frente e desfere-lhe um murro, não lhe acertando na face, e uma joelhada na barriga”. E é por esta situação que este agente policial está acusado de um crime de ofensas à integridade física simples.
Apercebendo-se de que os agentes da PSP o pretendiam deter, Hortêncio Coxi, os irmãos Higina Coxi e Flávio Coxi e a mãe Julieta Luvunga, “unem esforços para impedir” a detenção. A acusação descreve empurrões, pontapés e socos na cara desferidos pelos arguidos aos elementos policiais, um dos quais, segundo o MP, atingido também por um tubo no peito.
O arguido Flávio Coxi, “com o intuito de escapar à detenção”, refugiou-se novamente na casa dos pais e “agarrou numa porta de um frigorifico, num micro-ondas e num carrinho de bebé e arremessou” contra um dos agentes. Momentos depois, ao verificar que outros dois polícias se aproximavam, voltou a arremessar o carrinho de bebé, fechou-se em casa mas acabou detido.
Após Hortêncio Coxi e a PSP abandonarem o bairro, os arguidos Higina Coxi e Flávio Coxi dirigiram-se à casa da irmã da moradora que fez o telefonema para o 112 e, “através de pontapés e empurrões”, partiram a porta da entrada e gritaram: “vou-te matar, se eu pego a tua irmã, eu mato a tua irmã, eu mato a Leonella”, refere a acusação.