Quatro reflexões para o debate da emergência ambiental
Sejamos claros: a “salvação” do Planeta não se fará com um herói nem um punhado de semideuses, mas sim com homens e mulheres comuns. E também não será com manifestações pontuais e “greves climáticas”, apaziguadoras de consciências, servindo ademais para recordações em forma de selfies.
1. Greta Thunberg pode, com razão, estar zangada com os líderes mundiais, mas não deve meter tudo no mesmo saco. Parece-me injusto – e errado, e também contraproducente – fazer generalizações. A jovem sueca não deveria incluir o Governo do seu país no lote daqueles que lhe roubaram a infância e os sonhos, como afirmou. Entre 1990 e 2017, a Suécia reduziu as emissões de CO2 em quase 37%, passando de 8,3 toneladas per capita para apenas 5,2. Actualmente, é o segundo país da União Europeia com valores mais baixos, apenas superado por Malta. Nesse período, o PIB per capita da Suécia subiu de 20.120 para 52.766 dólares. A Suécia e um punhado de outros países indicam-nos o caminho. Já a países como os de António Guterres, seu anfitrião em Nova Iorque, Greta Thunberg pode bem dirigir-lhes vários “how dare you?”. Também entre 1990 e 2017, Portugal registou um crescimento de 15,3% nas emissões de CO2, passando de 5,9 para 6,8 toneladas per capita. Ultrapassámos já os suecos, não em desenvolvimento económico (o PIB per capita é pouco mais de metade), mas em emissões de CO2. Nas últimas três décadas, fomos o país da actual União Europeia que, per capita, mais reforçou o contributo (negativo) para as alterações climáticas.
2. Alguns anos antes de Greta Thunberg ter nascido, António Guterres não era apenas um mero integrante da geração que “tem fracassado" (palavras dele) na preservação do Planeta. Esse anátema – que os políticos gostam de repartir, para assim a culpa ser de todos em geral, e de ninguém em particular – não pode ser suportado com bonomia. Mesmo sendo motivo de orgulho ter um concidadão em posição tão fulcral num organismo internacional como as Nações Unidas, a memória não se deve, por causa disso, eclipsar. Os mais esquecidos devem assim ser relembrados, e os mais jovens devem ficar a saber, incluindo Greta Thunberg, que Guterres já defendeu ser justificável “poluir” por razões de crescimento económico de curto prazo. Com efeito, em 1997, nas negociações para o Protocolo de Quioto, a recém-nomeada comissária europeia Elisa Ferreira, então ministra do Ambiente do Governo português liderado por Guterres, conseguiu “autorização” da União Europeia para aumentar as emissões nacionais em 27% até 2010 em relação a 1990. A justificação foi só uma: Portugal merecia crescer. Não se cumpriu muito no crescimento económico, cumpriu-se no crescimento das emissões de CO2. Em suma, pode Guterres culpar a sua/nossa geração, mas deveria relevar bastante mais o seu papel nesse desempenho negativo. Mesmo se se redimir agora como secretário-geral da ONU.
3. No período em que Guterres foi primeiro-ministro português entre 1995 e 2002, a economia cresceu, por força da conjuntura internacional, mas as emissões de CO2 também aumentaram em força: 24%! A crise financeira a partir de 2008 refreou a economia, e só por isso também as emissões de CO2. Depois da tempestade económica virá mesmo também a bonança ambiental? O Governo, secundado pelo Presidente da República, clama que sim. Marcelo Rebelo de Sousa, eterno optimista, já colocou Portugal em bicos dos pés, afirmando nas Nações Unidas que “fomos os primeiros a comprometer-nos a ser neutros em carbono até 2050, adoptando e implementando o Roteiro para a Neutralidade Carbónica (…), que apresentámos com um ano de avanço”. Se as boas intenções contassem, o Planeta estava salvo. O problema é a realidade ser chata: entre 2016 e 2017, as emissões de CO2 em Portugal voltaram a crescer – e logo 7%, enquanto o PIB aumentou metade desse valor. Ou seja, quando crescemos economicamente, crescemos de forma ambientalmente insustentável.
4. Num mundo mediático, que pulsa de emoções nas redes sociais, Greta Thunberg representa agora, para muitos, uma heroína, e para tantos outros uma jovem manipulada. Receio que se transforme numa mártir, e o seu efeito a médio prazo seja nulo. Na verdade, julgo que o papel da jovem sueca, e de muitos outros da sua geração, será apenas de agitar águas. Mas até pode ser contraproducente se se projectar nela toda a esperança e também toda a responsabilidade. Sejamos claros: a “salvação” do Planeta não se fará com um herói nem um punhado de semideuses, mas sim com homens e mulheres comuns. E também não será com manifestações pontuais e “greves climáticas", apaziguadoras de consciências, servindo ademais para recordações em forma de selfies. “Salvar” o Planeta exige uma participação mais activa e esforçada – e conhecimento (correcto), daí ser fundamental um esforço na formação em cidadania ambiental. “Salvar” o Planeta faz-se de comportamentos quotidianos, correctos e não demagógicos. “Salvar” o Planeta faz-se elegendo políticos com formação, sensibilização e conhecimento ambiental, que garantam novas atitudes, e não apenas promessas em campanha eleitoral, arrumadas rapidamente por um qualquer ministro das Finanças com visão de curto prazo. Em suma, “salvar” o Planeta está mais dependente das sociedades, do conjunto organizado dos indivíduos, do que da força de heróis a vencer vilões. Até porque, no caso das alterações climáticas, geralmente os vilões estão no poder. E basta olhar para as imagens recentes nas Nações Unidas, onde Donald Trump passou por Greta Thunberg como cão por vinha vindimada, para sabermos que o “vilão” está, até agora, a levar a melhor. Muito facilmente. E, a ser derrotado, não será pela jovem sueca, mas sim por escolha da sociedade norte-americana.