Com o Belenenses, os títulos nacionais são sempre um melodrama

O destino fez ao clube do Restelo algo que não fez a nenhum outro. E isso pode ter mudado a história dos “azuis” de Lisboa.

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A 26 de Maio de 1946, o Belenenses escreveu a página mais icónica do seu livro de memórias. O único título nacional do clube – pelo menos na convenção actual do que é o campeonato nacional de futebol – chegou num tremendo “nevoeiro” dramático.

A história explica-se facilmente. Chegado à última jornada, o Belenenses sabia que, vencendo em Elvas, seria campeão. Cedendo pontos, ficaria à mercê da provável vitória do Benfica frente ao V. Guimarães (que se verificou).

Problema: o Elvas era… Sport Lisboa e Elvas. A filial dos “encarnados” tinha, portanto, a possibilidade de entregar o título ao clube-mãe, caso conseguisse parar o Belenenses. Conta-se, até, que o Benfica enviou um treinador para a sua filial, na semana do jogo, para que a preparação dos alentejanos fosse perfeita. Em vão, porém.

O Elvas saiu na frente e o Belenenses precisava de dois golos. Manuel Andrade, melhor marcador dessa temporada, garante que, ao intervalo, pouco se disse no balneário azul. “Tenho a impressão de que nem falámos. Entrámos surdos e mudos, todos amuados”, disse, em 2016, ao Maisfutebol. Na segunda parte, foi precisamente Andrade a fazer o empate, antes de Rafael oferecer o título ao clube do Restelo. O Belenenses chegou ao convívio dos “grandes” e foi o primeiro campeão nacional além de Benfica, Sporting e FC Porto. Aquilo que parecia uma alavanca perfeita foi, no entanto, contrariado pela sina: com o Belenenses, os títulos nunca são uma história simples.

Nove anos depois, o Belenenses tinha na mão a possibilidade de ser campeão, mas tornou-se a única equipa, até hoje, a perder o título na última jornada. E a apenas quatro minutos do final.

Num episódio que pouco orgulhará os sportinguistas mais ferrenhos, os “leões” empataram com o Belenenses, a dois golos, um resultado que permitiu ao Benfica ser campeão nacional (o Sporting, para festejar, precisaria de vencer e esperar que o Benfica não batesse o Atlético). Com os “azuis” na frente por 2-1 (Matateu e Perez marcaram para o Belém e Albano para o Sporting), nas Salésias, o sportinguista Martins marcou aos 86 minutos. Aquele fim de tarde, a 24 de Abril, passou de uma festa anunciada e preparada a rigor – e a quatro minutos de ser efectivada – para a maior desilusão da história do clube.

Ao ditar um título perdido na última jornada, o destino fez ao Belenenses algo que, até hoje, não fez a nenhum outro clube. E o Belenenses, que poderia somar o segundo título nacional (contra 4 do Benfica, 9 do Sporting e 2 do FC Porto) – com todo o benefício desportivo, financeiro, mediático e popular que daí adviria – passou, pouco depois, para uma espiral de declínio: foi obrigado a deixar as Salésias, endividou-se para construir o Restelo e viria a descer de divisão pela primeira vez.

Teria a história sido diferente, com um segundo título nacional? Nunca se saberá. Mas que a história é traumática poucos se atreverão a negar.

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