Greve climática: é urgente colocar o clima na agenda
Este é um assunto de adultos, mas são os mais novos que lhe têm dado voz, organizando-se através das redes sociais. Dia 27, façamos-lhes companhia.
A Cimeira da Acção Climática, convocada pelo secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, arrancou no sábado com eventos dedicados à participação jovem e culmina nesta segunda-feira, em Nova Iorque, com uma reunião onde se encontrarão os líderes políticos de todo o mundo. Por cá, dá-se a feliz coincidência de tal ocorrer em vésperas de eleições legislativas, o que seria mais um motivo para colocar o tema na agenda e forçar os partidos a olhar para ele, com propostas sérias. Ainda que a especificidade das mesmas tenda a ser diferente consoante os partidos sejam de esquerda ou de direita, este é um assunto global que não pode, de maneira alguma, ficar cingindo a um espectro político. Trata-se, tão simplesmente, da nossa sobrevivência.
À parte declarações pretensamente sentidas, em fim de debate, sobre a preocupação com a já denominada “batalha das nossas vidas”, não se tem visto na campanha nem nos programas qualquer enfoque em propostas, nem um real compromisso político com a mesma (a começar, já agora, pela reflorestação do nosso próprio país).
Até certo ponto, é natural. Será natural enquanto os jornais estiverem mais preocupados em noticiar maiorias, em fazer previsões sobre o número de assentos parlamentares e em conjecturar quanto às dinâmicas que daí poderão resultar, em vez de comparar programas. E enquanto nos debates a questão climática continuar a ser colocada em tom de remate, sem perguntas concretas quanto às estratégias dos candidatos.
É natural, também, porque os líderes na verdade não lideram, são liderados: pelas preocupações de quem vota, por aquilo que lhes traz votos. Sendo que a emergência climática continua a ser, por cá, uma preocupação da minoria. Uma minoria crescente, é certo. Mas, ainda assim, bem aquém da mobilização geral que o tema exige.
Os pais, que tanto se preocupam (e bem) com a educação dos filhos e em garantir o seu lugar no Mundo, continuam insuficientemente preocupados em assegurar que esse mesmo Mundo subsiste. Talvez por verem essa como uma questão importante, mas não urgente. O pior é que é urgente, sim: 2030 é apontado pelos cientistas como o ano em que se atinge um ponto de não retorno, caso nos mantenhamos nesta trajectória. À escala do Planeta e perante a exigência dos compromissos políticos necessários, 2030 é amanhã. Felizmente, os filhos, a quem deixamos essa trágica herança, compreendem-no e começam a indignar-se. A eles se devem protestos à escala mundial e o tom de emergência que o tema, já tarde, adquiriu. E só por isso ainda resta esperança.
Não basta responder para fins estatísticos que nos preocupamos. É preciso perceber em que é que mudamos. De que é que estamos dispostos a abdicar. Do carro dia-sim-dia-sim em trajectos urbanos que são, tantas vezes, de 5 km apenas e que tão bem se fariam de transportes públicos ou de bicicleta? De parte da carne que consumimos? Das embalagens de plástico, quando na mesma estante há produtos com embalagens mais amigáveis (ou nenhumas, no caso da fruta/legumes, talho e charcutaria). Ou da roupa descartável, comprada em excesso e fabricada sem condições humanas nem ecológicas? Até que ponto cada um de nós se apercebe que lhe cabe, também a si, mudar? Não apenas pelo impacto das nossas escolhas em si, mas pela pressão que isso causa na indústria e no sector empresarial em geral.
Acabo como comecei: arrancou a 21 de Setembro a Cimeira da Acção Climática e por isso, por todo o Mundo, ocorrem greves, marchas e manifestações naquela que visa ser a maior manifestação mundial jamais organizada – a decorrer de 20 a 27 de Setembro. Neste dia 20, em que metade do Planeta saiu à rua, vi-me grega em Portugal, para encontrar online algo que se assemelhasse a um evento. Mais difícil ainda foi encontrar o evento em si, apesar de ter escolhido aquele que, em Lisboa, me parecia óbvio.
É verdade que os portugueses são pouco de se manifestar. Basta olhar para o país vizinho para notar o contraste. Os nossos brandos costumes têm aspectos bons, mas outros em que andam rés-vés a roçar a apatia. Porém, é também verdade que se manifestam quando sentem e que, nessas alturas, saem de casa e são solidários como poucos. Só que para sentir têm que estar informados – e aqui volta o papel fundamental dos media na tomada de consciência da sociedade civil.
Os portugueses saem à rua, se souberem que outros os acompanham. Que a sua ida terá significado, que manifestarem-se fará diferença. Se um evento for organizado e falado por todos – mesmo por aqueles que, tipicamente, não são dados a estas coisas.
No dia em que o Mundo está em greve pelo clima, pergunto-me onde estão as nossas instituições? Onde estão as mais relevantes ligas e organizações de protecção da natureza, as associações florestais e agrícolas, os partidos políticos, as escolas, as grandes empresas e, finalmente, onde estão as universidades? Onde estão aqueles que têm meios de divulgação e a quem caberia dar o pontapé de saída para que Portugal fizesse a sua parte num movimento que é massivo e mundial?
Este é um assunto de adultos, mas são os mais novos que lhe têm dado voz, organizando-se através das redes sociais. Dia 27, façamos-lhes companhia.