O que nos dizem 257 pegadas de neandertais sobre a sua vida há 80 mil anos?
Em França, na Normandia, descobriu-se um grande conjunto de pegadas de neandertais, que nos dão pistas sobre a sua vida.
Pegadas com milhares de anos podem permitir-nos uma espreitadela a outros tempos da história humana. A oportunidade dessa viagem acontece agora no sítio arqueológico de Le Rozel, na Normandia. Esta segunda-feira, um grupo de cientistas de França anuncia na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) que encontrou nesse sítio 257 pegadas de neandertais com cerca de 80 mil anos. Como as pegadas destes hominídeos são escassas, a equipa estudou-as e descobriu certos aspectos da sua vida em grupo.
Descoberto nos anos 60, o sítio de Le Rozel faz parte de um sistema de paleodunas do Pleistocénico Superior – no caso deste sítio, há entre 115 mil anos e 70 mil anos. Com uma praia e uma falésia ao lado, há escavações arqueológicas anuais neste sítio desde 2012.
Além de pegadas de hominídeos, foram descobertas em Le Rozel oito impressões de mãos e seis vestígios de animais. Provavelmente, todos estes vestígios ficaram preservados devido à areia transportada pela acção do vento quando o sítio fazia parte de um sistema dunar.
Quanto às 257 pegadas de neandertais, foram identificadas entre 2012 e 2017 e atribuídas a este grupo de humanos por diferentes motivos. Primeiro, e apesar de não terem sido descobertos vestígios de ossos em Le Rozel, estima-se que essas pegadas tenham cerca de 80 mil anos, porque os neandertais seriam os únicos humanos nesta parte da Europa nessa altura. Os neandertais surgiram há cerca de 400 mil anos e viveram na Europa e no Médio Oriente, tendo-se extinguido há cerca de 28 mil anos.
Depois, estas pegadas estão associadas a ferramentas de pedra encontradas no sítio, que são semelhantes às de outros sítios arqueológicos. Por último, a morfologia das pegadas é consistente com a anatomia dos neandertais. “As pegadas dos neandertais são relativamente mais amplas, sobretudo a meio do pé, do que as dos Homo sapiens [a nossa espécie], que têm um pé mais robusto e um arco menos pronunciado”, descreve ao PÚBLICO Jérémy Duveau, paleoantropólogo do Museu Nacional de História Natural (em França) e primeiro autor do artigo.
Para saber mais sobre estas pegadas, a equipa fez modelos a três dimensões de algumas delas. E o que nos mostram? “Estas pegadas dão-nos um ponto de vista único de momentos da vida dos neandertais e da composição dos seus grupos”, responde o paleoantropólogo.
Através da análise às pegadas, a equipa concluiu que há 80 mil anos esteve em Le Rozel um pequeno grupo de neandertais – teria entre dez e 14 indivíduos – composto sobretudo (90%) por crianças e adolescentes. O indivíduo mais novo deste grupo teria dois anos. Já outros estudos sugeriam que os grupos de neandertais eram pequenos, tendo em média entre dez a 30 indivíduos.
95% das pegadas de neandertais
De acordo com o artigo científico, “os vestígios de hominíneos descobertos em Le Rozel representam o maior conjunto icnológico atribuído a hominíneos arcaicos e, em particular, a neandertais, ao conter mais de 95% de todas as pegadas atribuídas a este táxon”. Afinal, os sítios com pegadas de hominíneos são bastante raros.
Por isso, para Jérémy Duveau as pegadas encontradas permitem-nos ter um retrato privilegiado da estrutura dos neandertais há 80 mil anos. De acordo com o paleoantropólogo, só na gruta de El Sidrón, em Espanha, se tinha conseguido obter informação fiável sobre a estrutura social dos neandertais. Lá, identificou-se um grupo com sete adultos e seis crianças e adolescentes – uma composição diferente da do grupo de Le Rozel, que tinha maioritariamente crianças e adolescentes. “Podemos apenas especular sobre esta diferença e dizer que é possível, por exemplo, que houvesse uma diversidade na composição dos grupos de neandertais.”