Devo tomar um multivitamínico?

É hoje mais do que sabido que o consumo crónico de altas doses de antioxidantes quer por atletas, quer por sedentários é mais prejudicial do que benéfico.

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Louis Hansel/Unsplash

Praticamente todas as questões na área da nutrição e alimentação devem ser respondidas com um “depende”, e esta não é excepção.

Quando olhamos para as linhas orientadoras existentes a este nível, podemos constatar que as situações clássicas em que o consumo de multivitamínicos (ou suplementos de alguns nutrientes específicos) é recomendado são as seguintes:

– na preparação para gravidez (sobretudo ácido fólico e iodo);

– na osteoporose (quando não é possível atingir as quantidades de cálcio e vitamina D através da dieta);

– quando através de análises clínicas existe um défice diagnosticado de algum nutriente (zinco, magnésio, ferro, vitamina B12, vitamina D, etc.);

condições gastrointestinais que afectem a absorção de nutrientes ou cirurgia bariátrica;

dietas demasiado restritivas (ciclos cetogénicos de emagrecimento por exemplo).

Também em contexto desportivo existem momentos que podem eventualmente exigir um reforço na suplementação nutricional:

ciclos competitivos muito exigentes (voltas em bicicleta, torneios de desportos de equipa com curto tempo de recuperação, semanas com três jogos, etc.);

– viagens em que não seja possível ter uma alimentação mais equilibrada;

– dias em que por qualquer razão não seja possível atingir pelo menos três porções no conjunto de sopa, fruta e legumes;

É hoje mais do que sabido que o consumo crónico de altas doses de antioxidantes quer por atletas, quer por sedentários é mais prejudicial do que benéfico. Estamos a falar de grandes doses de vitamina C (acima de 1000mg), vitamina E (acima de 15mg) e também beta-caroteno (acima de 9mg). Ainda assim, no caso dos atletas, tendo em conta o maior gasto calórico e consumo de oxigénio (dependendo sempre do volume de treino de cada atleta), existem recomendações para que a ingestão de vitamina C e E possa ser o dobro da dose diária recomendada e chegar até às 200mg de vitamina C e 24 mg de vitamina E. Se é possível e até fácil chegar a estes valores com a alimentação? É, sem dúvida, sobretudo porque quem mais calorias gasta mais calorias tende a consumir na alimentação com o respectivo incremento na quantidade de vitaminas e minerais. Ainda assim, é preciso reconhecer que vitamina C, vitamina E, e os próprios beta-carotenos e selénio (outros nutrientes antioxidantes) estão principalmente presentes na fruta, legumes e frutos gordos (castanha-do-pará, avelã e amêndoa, principalmente). Basta utilizar uma base de dados nutricional e simular uma dieta com 3000-4000 kcal, mas muito pobre nestes alimentos para perceber que mesmo ingerindo muitas calorias podem existir alguns défices nutricionais (no caso da vitamina E pode não ser tão problemático, pois ela existe igualmente no azeite e óleos alimentares – daí que mesmo quem come muitos fritos dificilmente tem défice nesta vitamina).

A solução nestes casos é tomar um multivitamínico? Não, é comer mais fruta e legumes, mas logicamente que, em dias em que não o seja possível fazer, os multivitamínicos podem funcionar como um “S.O.S.” e fazer essa compensação, devendo sempre ser a excepção e não a regra. No contexto do fitness, todos nós conhecemos pessoas que baseiam a alimentação em frango com massa ou arroz com atum durante todo o dia e depois tentam compensar com um multivitamínico com megadoses de antioxidantes. Esta estratégia, para além de não trazer nenhum benefício, pode até impedir o ganho de massa muscular, uma vez que esses radicais livres gerados pelo treino e trauma induzido no músculo são necessários para gerar os mecanismos celulares de reparação e reconstrução desse mesmo músculo. O que é o mesmo que dizer que os radicais livres são necessários para a hipertrofia muscular e que do ponto de vista geral de saúde o próprio treino é antioxidante, pois aumenta igualmente as nossas enzimas endógenas que cumprem esse papel.

Como tal, o máximo que se pode fazer em relação aos multivitamínicos ou suplementos com nutrientes de carácter antioxidante é utilizá-los naqueles dias caóticos nos quais por qualquer razão não tenha sido possível ter uma alimentação mais rica, tendo sempre em conta que não convém ultrapassar os 100% da designada “dose diária recomendada”. É preciso lembrar que existem fitoquímicos presentes na fruta e legumes que não estão presentes nestes suplementos e a complexidade das interacções entre todos os constituintes não se consegue replicar num suplemento – daí terem de ser vistos única e exclusivamente como um último recurso.

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