PCP lamenta “radicalismo que dá pretextos” para limitar direito à greve
UGT admite serviços mínimos “maximalistas” para responder a “radicalismo”. Já o PCP considera que o Governo está a “introduzir limitações no direito à greve”. CGTP concorda que se está a limitar esse direito.
O PCP já se pronunciou sobre a greve dos motoristas de matérias perigosas e de mercadorias e sobre a decisão do Governo de decretar uns serviços mínimos “robustos” e não poupa nas críticas aos promotores do protesto, considerando que neste processo se está a instrumentalizar um conjunto de “reais problemas” dos motoristas, que há “exercícios de protagonismo”, e falando numa “argumentação” que “procura atingir mais a população que o patronato”. No fundo, escreve o PCP, os “promotores” estão a permitir que o protesto seja instrumentalizado e limitado. Ângelo Alves, do comité central, deixou mesmo o aviso de que "alguns” adeptos do “radicalismo” podem prejudicar as negociações e o direito à greve.
Na nota enviada às redacções pelo gabinete de imprensa, o PCP recorda o “contexto” em que a greve é convocada “por tempo indeterminado e com uma argumentação que, instrumentalizando reais problemas e descontentamento dos motoristas, é impulsionada por exercícios de protagonismo e por obscuros objectivos políticos e procura atingir mais a população que o patronato”. Os comunistas acrescentam: “Uma acção cujos promotores se dispõem para que seja instrumentalizada para a limitação do direito à greve.”
Os comunistas admitem, a seguir, que o Governo se está a aproveitar destes “factos” para “introduzir limitações” à greve: “A decisão anunciada pelo Governo quanto aos serviços mínimos e outros desenvolvimentos, aproveita estes factos, e a condução que tem sido imprimida, para introduzir limitações no direito à greve, susceptíveis de serem invocadas de uma forma mais ampla.”
Por isso, os comunistas apelam aos trabalhadores: “Impõe-se uma atitude firme dos motoristas, unindo-se na defesa dos seus interesses e não se deixando arrastar para situações que os podem conduzir à derrota num momento em que estão garantidos progressos e podem ser assegurados novos avanços. Impõe-se combater os propósitos daqueles que pretendem aproveitar a convocação desta acção para limitar o direito à greve.”
Apesar das críticas, o PCP não deixa de se colocar ao lado dos trabalhadores: “Aos motoristas de mercadorias – sujeitos a salários baixos, ao prolongamento de horários, a exigências de cumprimento de funções que não lhes competem – assistem fortes razões para fazer valer as suas justas reivindicações”, lê-se no comunicado no qual o partido defende que “o aumento geral dos salários é uma emergência nacional” e que “os motoristas de mercadorias podem continuar a contar com a solidariedade do PCP para a defesa dos seus direitos e a melhoria das suas condições de vida e de trabalho”.
Aliás, na nota, os comunistas também fazem questão de deixar claro que defendem o “efectivo” direito à greve: “Independentemente da evolução verificada, o PCP salienta que a resposta aos problemas, que se mantêm, exige o desenvolvimento da luta consequente, acompanhada de uma negociação colectiva que resolva os problemas e reafirma a defesa do efectivo exercício do direito à greve.”
O PCP defende, assim, “o cumprimento do contrato colectivo de trabalho em vigor, o prosseguimento das negociações este ano, melhorando os salários e os direitos dos motoristas, para a sua entrada em vigor em Janeiro de 2020, sem prejuízo da negociação a prosseguir para os anos seguintes”.
O partido apela também à intervenção do Governo para resolver os problemas dos motoristas: “Impõe-se que o Governo intervenha com os meios ao seu dispor para a defesa dos direitos dos motoristas face ao comportamento ilegal do patronato, sendo lamentável que não o tenha feito e que mantenha a Autoridade para as Condições Trabalho inactiva e mesmo cúmplice.”
No comunicado, o PCP faz questão de recordar que, “em 2018, a Fectrans e a Antram fizeram uma negociação do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical, aplicado em 2019, que deu resposta” a algumas das “justas aspirações quer com o aumento do salário base, quer com a integração na sua remuneração de parte significativa das prestações pecuniárias com as vantagens respectivas para os trabalhadores, em situação de doença, desemprego e para o cálculo da reforma”. E lamentam que, após essas negociações, se tivesse assistido “por parte de entidades patronais à violação dos seus termos, gerando descontentamento dos trabalhadores”.
“Radicalismo”
Os mesmos pontos de vista foram defendidos por Ângelo Alves, do comité central, numa conferência de imprensa na sede do partido. Apesar de ter garantido que o PCP está solidário com os motoristas, o comunista deixou o aviso de que "alguns” adeptos do “radicalismo” podem prejudicar as negociações em curso e o próprio direito à greve.
“O PCP tem uma grande experiência em formas de luta, os seus ritmos... são determinantes para alcançar vitórias. Quando alguns põem em cima da mesa um radicalismo que dá pretextos para pôr em causa o direito à greve estão, de facto, a criar dificuldades ao desenvolvimento da luta consequente, porque a luta não termina na segunda, terça-feira nem passado uma semana”, disse, em declarações registadas pela agência Lusa. Ângelo Alves acrescentou: “É uma luta prolongada e não é apenas dos motoristas das matérias perigosas. Em termos gerais, é uma luta dos trabalhadores porque a politização que está a ser feita deste processo tem muito a ver com aquilo que é o presente e o futuro da luta de todos os trabalhadores portugueses.”
Na mesma conferência, o comunista sublinhou que “aquilo que o PCP entende é que parece haver alguns que querem pôr para cima da mesa pretextos, quer para criar dificuldades a um processo negocial e a uma luta consequente dos trabalhadores motoristas, quer para pôr em causa o direito à greve”.
E considerou que o Governo tem “meios” para pacificar o conflito: “O Governo tem meios para fazer com que as empresas cumpram o contrato colectivo, nomeadamente por via da Autoridade para as Condições do Trabalho. Aquilo que se impõe é o Governo usar os meios de que dispõe. Há um processo de negociação em curso e um acordo de contrato colectivo alcançado após 20 anos em que essa foi uma das grandes lutas dos trabalhadores motoristas neste país.” Ângelo Alves acrescentou ainda: “Consideramos que é positivo, é necessário avançar mais e prosseguir este quadro de negociação e de luta consequente para que os trabalhadores possam alcançar vitórias naquilo que são direitos perfeitamente legítimos.”
CGTP acusa Governo de limitar direito à greve
A CGTP também já enviou um comunicado às redacções no qual deixa claro que “discorda do despacho do Governo sobre os serviços mínimos, nomeadamente os fundamentos que são susceptíveis de ser utilizados de forma mais geral para pôr em causa um direito que é conquista do 25 de Abril e que a Constituição da República consagra como fundamental”.
No documento, acusa o Governo do PS de convergir com o PSD e CDS “nas questões do trabalho e dos trabalhadores” e de contar “sempre com o apoio dos patrões e da UGT” e insiste que os serviços mínimos decretados são, na prática, “máximos” e “limitam o exercício desse direito pelos trabalhadores do sector”.
Refere ainda que “tem observado que, nos últimos tempos, têm-se multiplicado as intervenções na comunicação social, mas também no Conselho Económico e Social, defendendo o alargamento do conceito de serviços sociais impreteríveis e dos serviços mínimos a garantir durante as greves”.
“Independentemente da justeza das reivindicações dos trabalhadores, a greve de alguns grupos de enfermeiros nos blocos operatórios, ironicamente chamada de ‘cirúrgica’ e, mais recentemente, a greve dos ‘motoristas de matérias perigosas’, alimentaram uma intensa campanha para atacar e limitar o direito do exercício de greve”, lamenta a CGTP no comunicado.
UGT “solidária” com Governo
O secretário-geral da UGT, Carlos Silva, admite que os serviços mínimos decretados pelo Governo para a greve dos sindicatos independentes de motoristas de matérias perigosas e de mercadorias são, na realidade, “maximalistas, mas acabam por responder a um comportamento maximalista ou excessivo, a um radicalismo, por parte dos sindicatos de motoristas de matérias perigosas”.
Nas declarações que fez ao PÚBLICO, Carlos Silva ressalvou, porém, que, “ao longo da história, a UGT sempre rejeitou serviços mínimos maximalistas, mas entre serviços mínimos maximalistas ou requisição civil”, prefere o primeiro cenário.
“A situação traz grandes prejuízos para o país e o que o Governo fez foi responder a essa situação. Os sindicatos têm de perceber se a sua luta é ou não compreendida pela opinião pública. Nós estamos de acordo com os fins que esta greve tem, mas não com os meios excessivos. É isto que nos separa dos sindicatos”, defende ainda.
Carlos Silva considera que a greve “prejudica milhões de portugueses, que são penalizados de forma excessiva por uma greve muito sectorial”. Por isso, coloca-se do lado do executivo de António Costa: “O Governo decidiu, e bem, minimizar os prejuízos dos portugueses sem pôr em causa o direito à greve. Há que ter o devido bom senso quanto se trata de revendições, deve haver equílibrio de todas as partes envolvidas. A UGT está solidária com o Governo que fez o que devia fazer para responder aos prejuízos dos portugueses”, insiste.
O Governo decretou serviços mínimos, que começam nos 50% e vão até aos 100%, e preparou alternativas para o transporte de mercadorias caso os serviços não sejam cumpridos. O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, admitiu que os serviços que têm de ser prestados são “exigentes” e “robustos”, mas “equilibrados e necessários”.
Na lista de serviços mínimos inclui-se um valor de 50% no abastecimento de postos de combustíveis não pertencentes à rede de emergência e no abastecimento de empresas de transportes de mercadorias; de 75% no abastecimento de empresas de transportes de passageiros, transportes de alimentos e animais, e de instituições de assistência social; e de 100% no abastecimento a portos, aeroportos e aeródromos, instalações militares, hospitais, centros de saúde, bombeiros, forças de segurança e de protecção civil.