Federação dos motoristas diz que Governo decretou “serviços máximos”
Fectrans critica abrangência dos serviços mínimos. Já o representante do sindicato das matérias perigosas acusa o Governo de esvaziar o direito à greve dos motoristas e de estar colado à Antram. As transportadoras sublinham que Governo foi “socialmente responsável”.
O anúncio de serviços mínimos decretados pelo Governo para enfrentar a greve convocada para o próximo dia 12 de Agosto foi recebido com muito desagrado por todos os sindicatos do sector, inclusive pela federação de sindicatos, a Fectrans, que continua sentada à mesa com a Antram a renegociar o contrato colectivo de trabalho. Depois deste anúncio, a federação entende ser necessário “salvaguardar o direito à greve”, após o Governo ter decretado o que, na prática, “são serviços máximos”.
“No contexto desta greve por tempo indeterminado e da campanha desenvolvida em torno dela, o Governo determinou o despacho de serviços mínimos, que na prática são serviços máximos, que pela sua dimensão limitam esse direito por parte dos trabalhadores do sector, com uma fundamentação que é susceptível de ser utilizada de forma mais geral”, escreve a Fectrans, que tem marcada para esta quinta feira de manhã mais uma reunião com a Antram. Um dos seus sindicatos, o STRUP, já se tinha juntado à greve decretada pelos motoristas de mercadorias e pelos de matérias perigosas, mas com data de término fixada para 20 de Agosto. A Fectrans diz que vai continuar a negociar, mas afirma que não poderia deixar de transmitir esta opinião “sobre as recentes decisões do Governo relativas aos serviços mínimos a garantir”.
O representante sindical que fez declarações mais fortes ao anúncio do Governo foi Pedro Pardal Henriques, porta-voz do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas, que reagiu de forma cáustica ao anúncio de serviços mínimos decretados pelo Governo, ironizando que “acima disto só os serviços mínimos decretados a 150%”. Em declarações à SIC Notícias, feitas mal acabou a longa conferência de imprensa em que estiveram presentes três membros do Governo, Pardal Henriques disse “ter vergonha de ser português”, num dia em que, acusa, viu o Governo do seu país a decretar “um verdadeiro atentado à democracia”.
Uma horas mais tarde recorreu ao Facebook para apelar aos motoristas para que compareçam no plenário marcado para sábado. “Apesar da pressão das empresas para que venham a realizar trabalho suplementar no próximo sábado e domingo, aconselho veementemente a que recusem essa prestação de trabalho”, escreveu. E acrescentou: “[Aquilo a] que assistimos hoje com a fixação dos serviços mínimos foi [a] um atentado ao mundo laboral. Temos estratégias para reagir.”
A lista de serviços mínimos divulgada esta tarde pelo Governo inclui um valor de 50% no abastecimento de postos de combustíveis não pertencentes à rede de emergência (nestes o valor estabelecido é de 100%) e no abastecimento de empresas de transportes de mercadorias; de 75% no abastecimento de empresas de transportes de passageiros, transportes de alimentos e animais, e de instituições de assistência social; e de 100% no abastecimento a portos, aeroportos e aeródromos, instalações militares, hospitais, centros de saúde, bombeiros, forças de segurança e de protecção civil.
Nas palavras do advogado, “decretar a obrigatoriedade de cumprir a 100% a quase tudo e 50% no pouco que resta” não é “levar a sério o direito à greve destes trabalhadores”. “O direito à greve é um direito constitucional e o Governo acaba de pô-lo em causa. Hoje devia ser decretado um feriado nacional, em oposição àquele 25 de Abril em que se comemora a democracia”, afirmou. Para Pedro Pardal Henriques, o Governo mostrou aos portugueses que “está do lado da Antram”.
Ao PÚBLICO o porta-voz da Antram diz que a “conduta do Governo foi socialmente responsável”. “Depois do que aconteceu há quatro meses e que ainda está tão presente na memória dos portugueses não poderia ser de outra forma”, refere André Matias de Almeida, que, parafraseando o Presidente da República, se limitou a repetir que esta “não é uma greve às empresas, é uma greve aos portugueses”.
Cargas e descargas
O representante dos patrões recorda que o Sindicato das Matérias Perigosas não deixou outra alternativa ao Governo, “depois de ter deixado em acta, em reunião ocorrida a 15 de Julho para discussão dos serviços mínimos, que não faria cargas e descargas – o que representa em si mesmo uma greve aos serviços mínimos – e depois de os ter incumprido em Abril”. “[O sindicato] não podia estar à espera de outra coisa quando ademais o Governo esteve na mesa das negociações e está bem consciente da má fé negocial que norteou este processo do lado destes sindicatos.”
Na conferência de imprensa, o ministro do Ambiente e da Transição Energética, Matos Fernandes, explicou que o Governo tentou assegurar por todos os meios que essas operações de cargas e descargas iriam ser feitas, “no caso dos senhores motoristas não estarem disponíveis para as fazer”. “Que não haja dúvidas que essas operações são feitas pelos senhores motoristas. É um trabalho usual”, começou por dizer Matos Fernandes. Mas, na dúvida, acrescentou, essas operações estão incluídas nos serviços mínimos. “E, em acréscimo, o Governo já tem garantias assinadas por parte das empresas de fornecimento de combustível de que há quem esteja apto a fazer essas operações, assim como nos postos de abastecimento também haverá gente apta a fazer essa operação”, garantiu.
Nas mesmas declarações em que reagiu ao anúncio do Governo, Pardal Henriques também frisou “o ridículo da situação” de o Governo “ter já anunciado a situação de emergência energética, quando a greve ainda não se iniciou sequer”. “Isto só mostra que o Governo está desde sempre mais preocupado com os patrões e com as petrolíferas, e não com estes trabalhadores”, acusou. Sobre se os motoristas vão cumprir os serviços mínimos Pedro Pardal Henriques ironizou que “é possível cumprir... se não houver greve”. O sindicato vai reflectir e conversar com os associados sobre o passo seguinte.
Também o Sindicato Nacional de Motoristas de Mercadorias afirmou que iria reunir-se com juristas antes de tomar posição sobre o despacho que decretou os serviços mínimos, revelou ao PÚBLICO Anacleto Rodrigues, líder desta estrutura sindical.