Do bullying

Apesar de se sublinhar o decréscimo do volume de episódios de bullying reportados, a natureza das relações entre os adolescentes continua com contornos que suscitam atenção de professores, técnicos e pais.

O relatório produzido pela OCDE, cuja edição relativa a 2018 foi recentemente divulgada, TALIS 2018 Results (Volume I) Teachers and School Leaders as Lifelong Learners, continha referências à percepção dos docentes sobre a ocorrência de episódios de bullying nas escolas portuguesas.

Tal como em outros estudos, constata-se uma diminuição do volume de ocorrências referidas pelas escolas. Em 2013, o número de escolas que registou pelo menos um incidente por semana era de 15,3% e em 2018 foi de 7,3%.

Como explicação provável para este decréscimo é sugerido o impacto positivo de campanhas e iniciativas desenvolvidas pelas escolas e por outras entidades com o apoio de técnicos diferenciados, caso dos profissionais de psicologia. No entanto, e sem desvalorizar a evolução, importa ter em consideração que, de acordo com o relatório A Saúde dos Adolescentes Portugueses, 2018 (integrado no estudo Health Behaviour in School-aged Children, da OMS, coordenado em Portugal por Margarida Gaspar de Matos), os episódios de violência física entre alunos têm aumentado: em 2018, 4,6% dos alunos inquiridos afirmou ter-se envolvido em algum episódio de violência física durante o último ano, enquanto em 2014 se registava 3,9%. Assim, apesar de se sublinhar o decréscimo do volume de episódios de bullying reportados, a natureza das relações entre os adolescentes continua com contornos que suscita atenção de professores, técnicos e pais.

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Neil Webb/Getty Images

Parece pertinente recordar que uma dimensão importante do fenómeno do bullying nas suas diferentes faces é o medo e a ameaça de represálias às vítimas e a quem assiste, o que, naturalmente, pode inibir a queixa. Assim sendo, torna-se ainda mais necessária uma atenção pró-activa e preventiva de adultos, pais, professores ou funcionários. Por outro lado, é também imprescindível ter presente o risco acrescido e sustentado pela evidência que se associa a alunos que fazem parte de grupos minoritários, com necessidades especiais ou com orientação sexual diversa, por exemplo.

É, pois, previsível que o volume de situações de bullying seja superior ao número reportado, tal como, aliás, se passa com outras áreas, a violência doméstica, por exemplo. Alguns estudos mostram que no emergente fenómeno do cyberbullying o número de episódios registado pode estar claramente subavaliado, com todas as implicações que daqui decorrerão, vítimas em grande sofrimento e agressores menos “expostos” sem que sejam objecto de algum tipo de intervenção mais directa.

O cyberbullying não tem espaço físico de ocorrência e, contrariamente ao bullying presencial, não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana, pois ocorre predominantemente nos espaços escolares. Além disso, não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infligido, que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo.

Assim, considerando a gravidade e frequência torna-se imprescindível que lhe dediquemos atenção ajustada: nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade; nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

O volume de episódios de bullying, como também a questão da indisciplina, mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio.

No seu quotidiano, muitas crianças e adolescentes podem revelar sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos a atenção que se justifica, seja em casa ou na escola, espaço onde passam parte significativa do seu tempo. Com a prudência que evite juízos apressados, alguns sinais observados em casa, sobretudo quando não são habituais e se tornam frequentes. Alguns exemplos, livros, materiais ou bens estragados ou escondidos, ferimentos ou rasgões na roupa, “perda” frequente de objectos ou dinheiro, isolamento e exclusão do grupo de pares na escola, receio ou recusa em ir para a escola, desmotivação escolar, tristeza, instabilidade, reactividade, alterações súbitas do comportamento ou ansiedade ao final do fim-de-semana (1).

Também a utilização desregulada de smartphones e a exposição descuidada nas redes sociais são factores de risco a que as famílias devem estar atentas.

De novo com prudência na interpretação, também na escola sinais como livros, materiais ou bens estragados ou escondidos, ferimentos ou rasgões na roupa, isolamento ou exclusão por parte dos colegas, alvo de brincadeiras abusivas frequentes, proximidade não habitual a adultos, sem intervenção nas aulas, insegurança ou ansiedade, desleixo e negligência não habituais ou absentismo (1) podem ter significado.

Sinais desta natureza, apesar de insistirmos no cuidado da avaliação, não devem ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode representar sofrimento e mal-estar.

1. Fernandes, L.; Seixas, S. (2012) Plano Bullying: Como Erradicar o Bullying da Escola. Plátano Editora. Lisboa

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