Copa América 1989: Exorcizar o fantasma do “Maracanazo”
O Brasil nunca perdeu uma Copa América em casa. Mas, entre os triunfos obtidos, nenhum teve o mesmo sabor do de 1989. A geração de Bebeto e Romário aquecia os motores para voltar a pôr o Brasil no pedestal.
A 16 de Julho de 1950, o Brasil sofreu a derrota mais dolorosa da sua história futebolística. Com 200 mil pessoas transformadas em pedra nas bancadas do Maracanã, o Uruguai venceu por 2-1 e conquistou o título mundial. Quem assistiu, diz que o silêncio era irreal. O “Maracanazo”, como ficou conhecido este episódio, ainda hoje atormenta a memória dos “torcedores” da “canarinha”. Mesmo que, exactamente 39 anos depois, a 16 de Julho de 1989, e no mesmo palco, a selecção brasileira tenha dado um pontapé na maldição e vencido o Uruguai por 1-0 na final da edição desse ano da Copa América.
Foi apenas o quarto triunfo do Brasil na prova, que já ia na sua 34ª edição. E todos eles conquistados em casa… Não era grande currículo para a nação futebolística que em 1970 tinha levado definitivamente para casa a Taça Jules Rimet, entregue ao primeiro tricampeão mundial da história. Foi preciso esperar por 1997, na Bolívia, para ver finalmente a “canarinha” triunfar fora de portas, feito que acabou por repetir na edição seguinte, no Paraguai, e depois em 2004 (no Peru) e 2007 (na Venezuela).
Ao todo, são oito títulos da Copa América, bem longe dos 15 do Uruguai e dos 14 da Argentina, que lideram a lista de vencedores da competição. O quadro de honra não tem paralelo em qualquer outra grande competição internacional de futebol: das 10 equipas que integram a CONMEBOL (a confederação continental da América do Sul), só duas, Equador e Venezuela, nunca ganharam. Mas essa até acaba por ser uma das idiossincrasias mais suaves da prova…
A Copa América é a prova disputada por selecções principais com vida mais longa do futebol mundial. A primeira edição jogou-se em 1916, oito anos depois do primeiro torneio olímpico (1908), que entretanto até viu reconhecidos como oficiais pelo Comité Olímpico Internacional os resultados de 1900 e 1904, jogados apenas a título de demonstração. Mas o torneio olímpico não acolhe as selecções principais… Outro candidato ao ceptro de mais antiga competição de selecções seria o British Home Championship, disputado pelas equipas das ilhas britânicas desde 1883-84 até 1983-84. Ao cabo de um século de história, contudo, a prova desapareceu.
Clima de indefinição
A antiguidade, no entanto, não garante à Copa América um estatuto internacional particularmente relevante. O poderio económico da Europa, que tantas vezes segurou os melhores jogadores sul-americanos, afastando-os da disputa do título continental da América do Sul, teve o seu papel nas últimas décadas. Mas grande parte das dificuldades de afirmação fica a dever-se a culpas próprias.
O exemplo mais básico desta indefinição é a periodicidade do torneio: primeiro era anual; a seguir assentou num intervalo de quatro anos; a partir de 1987 começou a jogar-se a cada dois anos; em 2001 entrou numa fase trianual; voltou a ser de quatro em quatro. Pelo meio registou várias interrupções, teve duas edições no mesmo ano (1959); acolheu um torneio extraordinário em 2016, comemorando o centenário da primeira edição. Agora, para acertar datas com o Europeu, a CONMEBOL marcou as próximas edições para 2020 (Argentina e Colômbia) e 2024 (Equador)…
Alguns dados da história da Copa América são verdadeiras curiosidades: Pelé e Maradona, por exemplo, nunca a ganharam; Messi também não – e, eleito melhor jogador do torneio em 2015, recusou o prémio. E também há episódios incríveis, como a final do torneio de 1919, entre o Brasil e o Uruguai: como na altura não havia decisão por marcação de pontapés da marca de grande penalidade, os infelizes jogadores de ambas as equipas viram o jogo prolongar-se por 150 minutos, até que o brasileiro Friedenreich fez o 1-0 e acabou com o suplício.
O resultado repetir-se-ia 70 anos depois, em 1989. A selecção brasileira não conquistava um troféu internacional desde o título mundial de 1970 (se não contarmos com a Minicopa de 1972) e a relação com os adeptos tinha piorado durante a fase de grupos, com vaias nas bancadas, enquanto o “escrete” fraquejava no ataque. Até que o seleccionador Sebastião Lazaroni decidiu apostar na dupla Bebeto/Romário. Os dois eram assumidos rivais e pouco se falavam fora de campo. Mas, lá dentro, transformaram-se na força motriz que devolveu, cinco anos depois, em 1994, o título mundial à selecção “canarinha”.
Naquele dia 16 de Julho de 1989, os brasileiros enfrentavam o fantasma do Maracanazo. Na mesma data, no mesmo local, perante o mesmo adversário. Mas desta vez não houve escândalo. Aos 49’, Romário marcou e o título ficou em casa. Afinal, essa parece ser uma das pouca regras imutáveis da Copa América: em casa, o Brasil vence. Veremos este ano.