Facebook vai lançar a libra, uma criptomoeda para pagamentos que não passam pelos bancos

Rede social juntou-se a empresas como Mastercard, Visa, PayPal e Uber para criar um novo sistema de pagamentos assente na tecnologia da bitcoin.

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A carteira digital estará acessível através do WhatsApp e do Messenger Calibra

O Facebook anunciou planos para criar uma criptomoeda, a libra, e uma carteira electrónica para a guardar, a Calibra. Deverão estar prontas no próximo ano e o objectivo é processar pagamentos e transferências online a partir de aplicações como o Messenger e o WhatsApp, sem depender dos bancos tradicionais.

A rede social não vai gerir directamente a nova moeda digital: a responsabilidade vai para uma associação de 28 empresas e organizações não-governamentais, que inclui empresas de pagamentos como o PayPal, a Mastercard e a Visa. Fazem também parte da associação a Uber, o Spotify e a loja de roupa online Farfetch (que tem boa parte das operações em Portugal). Nenhum banco se juntou à iniciativa. A sede da associação fica em Genebra, na Suíça.

Este é o primeiro caso de colaboração entre vários gigantes empresariais para criar uma divisa que pode ser enviada electronicamente entre utilizadores em qualquer parte do mundo, sem necessidade de uma entidade central. O conceito nasceu e popularizou-se com a bitcoin, a primeira das criptomoedas, que foi apresentada pela primeira vez em 2008, e que desde então levantou várias preocupações de regulação.

A carteira electrónica das novas criptomoedas vai funcionar no Messenger (a aplicação de mensagens do Facebook), no WhatsApp (que o Facebook comprou em 2014), e numa aplicação própria – a Calibra. O plano passa por criar uma forma para milhares de pessoas sem acesso a uma conta bancária (mas com acesso à Internet e a um smartphone) transferirem e guardarem dinheiro a partir do telemóvel.

Iwa Salami, professora de lei e regulação financeira na Universidade de East London, alerta que a libra não terá a mesma independência que outras criptomoedas. “A libra seria uma divisa digital centralizada, cujas operações são controladas pelo Facebook – a autoridade central”, diz ao PÚBLICO Salami, que já publicou vários textos sobre a popularidade de criptomoedas nos últimos anos. A académica acrescenta, no entanto, que o maior potencial da moeda é a inclusão financeira, dada a rapidez e baixo custo de transferir dinheiro digital através das aplicações do Facebook, sem outro intermediário. “Isto podia facilmente ser uma divisa global. O potencial da libra é global visto que o Facebook chega a perto de 2,4 mil milhões de utilizadores todos os meses”, diz Salami. 

A maior barreira, argumenta Salami, é a história recente do Facebook com a gestão de dados pessoais: “Podemos confiar-lhes o dinheiro das pessoas, tendo em conta os casos de abuso de dados no passado recente?”

Em português, o nome da nova criptomoeda lembra a libra esterlina usada no Reino Unido (pound, em inglês). Tal como a bitcoin, a libra vai circular numa base de dados descentralizada (a blockchain da libra) e de código aberto. Mas, contrariamente à bitcoin, a libra começa por estar suportada por uma reserva de moedas fiduciárias, como o dólar norte-americano. Para garantir alguma estabilidade à nova moeda, cada membro fundador da associação deve contribuir com pelo menos dez milhões de dólares (perto de nove milhões de euros) durante a fase inicial.

“O objectivo desta reserva é mitigar a probabilidade e severidade de variações [no valor da libra], particularmente numa direcção negativa”, lê-se numa página sobre a nova moeda, onde se acrescenta que, “como o valor da libra estará efectivamente associado a um cabaz de divisas fiduciárias, existirão flutuações no valor.”

Um dos problemas com as divisas digitais mais conhecidas (como a bitcoin ou a ethereum) é a sua enorme volatilidade. Em 2018, por exemplo, a bitcoin (cujo valor ao final da tarde de terça-feira rondava os 8000 euros), passou de 17 mil dólares para quatro mil dólares, numa descida que arrastou consigo os fundos de muitos utilizadores

As causas das oscilações são difíceis de perceber, dada quase ausência de ligação destas moedas à economia real – são poucos os pagamentos que podem ser feitos em criptomoedas e muitos dos utilizadores transacionam-nas apenas de forma especulativa.

A volatilidade, bem como a ausência de regulação sobre muitas bolsas online para compra e venda, e a suspeita de esquemas fraudulentos para manipulação de preços motivou vários reguladores financeiros a avisarem contra o uso de criptomoedas. Alguns países (como a China e a Coreia do Sul) já proibiram a angariação de financiamento para novas empresas através do lançamento de novas moedas digitais – um processo que é conhecido pela sigla ICO (initial coin offering) – e em que as emissões das moedas se assemelham a uma emissão não regulada de acções. No ano passado, autoridades europeias de supervisão também alertaram para o uso de divisas digitais, descrevendo o sistema destas moedas como tendo “indícios claros de ser uma bolha”.

Facebook controla a carteira

Embora o Facebook não controle a libra, vai ser o responsável pela carteira digital Calibra, que, além de funcionar numa aplicação própria, irá funcionar em várias aplicações detidas pela rede social.

A Calibra também será uma das formas de a rede social gerar receita com a iniciativa. “Desde o começo, a Calibra vai permitir enviar libras a quase qualquer pessoa com um smartphone, de forma tão fácil como enviar um SMS e com um preço baixo ou inexistente”, lê-se num comunicado do Facebook. Mais tarde, será possível gerar um código electrónico para pagar compras em lojas, de forma semelhante às aplicações MBWay ou PayPal, sem ter de utilizar dinheiro físico.

A empresa diz que irá fornecer serviços de anti-fraude semelhante aos dos bancos para proteger os fundos dos clientes e que, em alguns casos, será necessário “um pequeno custo” para fazer transferências.

A rede social nota que há várias protecções para assegurar a privacidade dos utilizadores: “Tirando casos limitados, a Calibra não vai partilhar informação [das contas dos utilizadores] ou dados financeiros com o Facebook ou qualquer aplicação de terceiros.”. Isto significa que os movimentos financeiros dos utilizadores (por exemplo, o tipo de produtos ou serviços comprados e o dinheiro gasto) não vão ser utilizados para gerar anúncios na família de aplicações do Facebook que inclui a rede social, o WhatsApp e o Instagram.

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