Ex-jogador do Barcelona acusado por fraude fiscal com empresa da Zona Franca da Madeira

Futebolista foi investigado em Espanha. Transferência de direitos de imagem envolveu sociedade comprada a grupo de Andorra. Empresa teve 350 mil euros em benefícios de IRC.

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Adriano (à esquerda) num jogo contra o Arsenal em Março de 2011 Gustau Nacarino/Reuters

O futebolista brasileiro Adriano, ex-jogador do FC Barcelona, foi acusado em Espanha por fugir ao fisco daquele país em cerca de 650 mil euros, com movimentos que envolveram uma empresa sediada na Zona Franca da Madeira (ZFM), já extinta. Em causa está a sociedade Chacun à sa Place, comprada a uma empresa com ligações a Andorra. Desconhecem-se eventuais investigações em Portugal.

O caso começou a ser averiguado em Espanha quando as autoridades suspeitaram que Adriano Correia Claro, actual jogador do Besiktas (Turquia), ocultara rendimentos relacionados com a transferência de direitos de imagem em 2011 e 2012 a uma empresa instrumental presente na zona franca, praça que hoje está sob o radar da Comissão Europeia pela suspeita de Portugal ter atribuído ao longo de anos benefícios fiscais sem um controlo fiscal efectivo. A operação investigada coincide temporalmente com essa altura.

O processo conheceu um desfecho na terça-feira num tribunal catalão, em Barcelona, com um acordo entre o Ministério Público e o jogador. Perante uma condenação de 14 meses de prisão por fraude fiscal, Adriano preparava-se para reconhecer o delito e aceitar pagar uma multa de 369 mil euros de forma a conseguir uma suspensão da pena. Ao PÚBLICO, o gabinete de imprensa do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha confirmou a existência de um acordo entre as partes, sem adiantar qual foi o resultado final, por não haver ainda informação disponível para enviar à comunicação social.

Segundo a agência de notícias Europa Press, a autoridade tributária daquele país calcula que o Estado espanhol terá sido defraudado em 646.086,09 euros. O jogador chegou a Espanha em 2005. Até 2010 (no ano de chegada e nos cinco seguintes) pôde beneficiar do regime especial (em IRS espanhol) para ser tributado como não residente. O problema coloca-se imediatamente a seguir, quando já teria de ser tributado como residente em Espanha e pelos seus rendimentos globais, revela um resumo do tribunal divulgado ainda antes do acordo celebrado na terça-feira.

O pós-2010

Em 2010, quando estava no Sevilha, Adriano foi contratado pelo FC Barcelona, onde começou a jogar na época 2010/2011 e onde se manteve até à temporada de 2015/2016. Os factos investigados aconteceram naquele início, em 2011 e 2012. Foi nesses anos que, segundo o Ministério Público, o jogador conseguiu evitar tributação “ocultando alguns dos rendimentos obtidos e simulando a transferência de direitos de imagem para uma sociedade puramente instrumental”. A descrição consta da nota divulgada pelo Tribunal Superior de Justiça da Catalunha a anunciar a sessão que iria decorrer esta semana.

O PÚBLICO confirmou que a empresa de Adriano na Zona Franca foi comprada no início de 2011 pelo jogador a uma sociedade chamada Hernandez & Fernandez, com morada na praça de Andorra, mas registada no paraíso fiscal das Seychelles, cujo nome aparece referenciado nos Panama Papers, entre os 11 milhões de ficheiros confidenciais da eclipsada intermediária Mossack Fonseca.

A empresa chama-se Chacun à sa Place – Comércio Internacional e Serviços e fora criada em 2001, anos antes de passar para as mãos do antigo jogador blaugrana. Adriano passou a controlar a empresa ao assumir o todo o capital de cinco mil euros da sociedade – as duas quotas de 2500 euros cada que pertenciam à Hernandez & Fernandez.

A Chacun à sa Place tem no seu objecto social várias actividades. Cada uma é distinta da outra: pode exercer actividades de exploração de marcas registadas, patentes e direitos de autor, a administração de imóveis, prestação de serviços de arquitectura e prestação de serviços de marketing, publicidade ou mesmo pela consultoria contabilística.

Depois de a empresa começar a ser investigada em Espanha, o jogador acabou por a encerrar em 2016. A sociedade tinha a sua sede desde 2014 na Rua 31 de Janeiro, no Funchal, na mesma morada onde funciona a intermediária Igmasa Gestió – Management Company, uma sociedade presente noutras praças financeiras, desde Andorra à Madeira, passando por alguns dos centros que nos últimos anos têm estado sob os holofotes da opinião pública internacional pela triangulação de operações financeiras – Luxemburgo, Holanda, Malta, Curação, Uruguai, Singapura ou Miami.

De resto, as ligações da empresa a Andorra não desapareceram assim que Adriano comprou a Chacun à sa Place à Hernandez & Fernandez. Quando o atleta brasileiro já era o dono da empresa, uma das gerentes era Carolina Loque Frances, com morada no Principado, onde nasceu a Igmasa Gestió.

O PÚBLICO pediu esclarecimentos por email à Igmasa Gestió, para a empresa explicar se foi chamada a prestar esclarecimentos às autoridades espanholas no âmbito da investigação judicial, mas não foi possível obter uma resposta ate ao momento da publicação desta notícia.

A presença na Madeira

Da Procuradoria-Geral da República, o PÚBLICO aguarda igualmente um esclarecimento para saber se foi aberto em Portugal algum inquérito aos negócios do jogador na Madeira e se houve colaboração com as autoridades espanholas.

O caso da empresa de Adriano ganha relevância redobrada porque a Chacun à sa Place foi beneficiária de incentivos fiscais em sede de IRC nalguns dos anos que estão hoje a ser alvo de uma investigação aprofundada aberta pela Comissão Europeia.

Bruxelas avançou com uma investigação e decidiu de forma preliminar — ainda poderá mudar de posição — que Portugal aplicou o regime fiscal de 2007 a 2014 de uma forma que constitui “um auxílio ilegal que não pode ser considerado compatível com o mercado interno”, pois Bruxelas tem “sérias dúvidas” de que as isenções de impostos foram aplicadas apenas a rendimentos de actividades realizadas na região e suspeita que foram atribuídos benefícios sem haver um controlo efectivo sobre a criação de postos de trabalho, condições negociadas com Bruxelas relativamente ao regime dessa altura.

Por estar sediada na zona franca, a Chacun à sa Place foi beneficiária de incentivos fiscais em IRC de 352.591 euros de 2010 a 2013: 42,9 mil euros no primeiro; 70,29 mil euros em 2011; 94,9 mil em 2012; e 144,4 mil 17,96 em 2013. A partir de 2014 já não aparece como beneficiária — empresa registou um resultado líquido negativo na ordem dos 490 mil euros em 2015, depois de já ter registado um valor negativo de cerca de 917 mil euros.

No limite, se a posição final de Bruxelas se mantiver e de facto for declarada a existência de um “auxílio ilegal”, o Estado português terá de ir recuperar o valor do auxílio (despesa fiscal correspondente à redução de IRC) junto das empresas.

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