Marisa Benjamim quer parar o tempo com a efemeridade das flores
Artista plástica portuguesa, que vive em Berlim desde 2010, tem nas flores e nas plantas a sua principal forma de expressão. Marisa Benjamim vai estar no festival Roskilde, na Dinamarca, com “uma espécie de laboratório” ambulante, antes de expôr em Torres Vedras já em Setembro.
Marisa Benjamim tem 38 anos e quando lhe pedem para categorizar a sua actividade profissional, a hesitação não dura mais do que três segundos: “Apesar de usar a planta e a flor como matéria, continuo a ser artista plástica.” De facto, estes não são os materiais mais expectáveis e comuns nos ateliers dos artistas, mas Marisa procura esclarecer os mais cépticos: “Faço do acto de comer uma performance e um momento de fruição sensorial.”
As descrições do trabalho da portuguesa até podem conceptuais, mas os objectivos a que se propõe são concretos e um pouco ambiciosos: “alertar e chamar à atenção” para aspectos da sociedade actual com os quais não concorda, podendo estes ser o “hiperconsumo”, o ritmo excessivamente acelerado em que as pessoas vivem ou a necessidade que esses mesmas pessoas sentem de exibir todos os aspectos da sua vida. “Vivemos numa sociedade super movimentada em que uma pessoa tem que ser tudo, fazer mil coisas, estar activo nas redes sociais, fotografar e mostrar aos outros que teve um almoço maravilhoso no Instagram.” A solução para tudo isto? “Parar o tempo. É isso que eu tento com o meu trabalho”, simplifica Marisa, durante uma entrevista via Skype.
Parar o tempo pode ser um contraponto com a efemeridade da arte que pratica e que, por isso, já lhe deu alguns dissabores. O melhor exemplo, até à data, foi o que aconteceu na Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Riga, que Marisa recorda com amargura: “Estava num espaço onde tinha todas as condições, mas estavam muitas pessoas e o ambiente tornou-se demasiado abafado. Parte das coisas que eu tinha preparado não pude servir porque se tinham estragado. Tive de refazê-las e, por isso, demorei um pouco mais de tempo.” Na capital da Letónia, a artista plástica apresentava “Floristaurant”, uma instalação de arte comestível que, quando apresentada num mercado, utiliza as estruturas das próprias bancas. Os fregueses podiam provar a “arte comestível” que Marisa produz, ao mesmo tempo que aprendiam sobre a variedade de alimentos e plantas que apresentava.
O projecto foi pensado inicialmente para a La Boqueria, em Barcelona, onde Marisa esteve durante 2015, a convite de Antoni Miralda. “No mercado acontecem coisas muito peculiares e nele entram pessoas que estão relacionadas com arte e outros que não. O que existe é uma curiosidade acerca do meu trabalho e todas [as pessoas] o têm, o que acaba por ser um factor comum.” Apesar do forte aparato de turistas do mercado, Marisa recusa a ideia de que esse movimento a tenha atrapalhado ou prejudicado, defendendo que a “interacção pessoal” é algo que “faz parte” do trabalho.
A artista consegue mesmo estabelecer algumas diferenças nas reacções do público de acordo com os diferentes contextos em que expõe os seus trabalhos, podendo estes variar entre mercados municipais, bienais — como a de Riga — e até festivais.
De facto, é para um festival, o Roskilde — que acontece de 29 de Junho a 6 de Julho, na Dinamarca —, que a artista plástica se prepara neste momento. Nele, Marisa vai percorrer o recinto com uma bicicleta — “uma espécie de laboratório” ambulante — apetrechada de flores, bagas, ervas aromáticas e todos os restantes materiais que necessita para fazer a bebida que será servida a quem com ela se cruze: a “Eau Florale”. Trabalhar flores e plantas para as distribuir sob a forma de bebida num contexto de festival pode parecer, à partida, algo confuso — na verdade, até para a própria o foi —, pelo que a ideia que a artista propôs consiste numa adaptação do “Floristaurant”, uma “acção poética”: “Ofereço poemas digestivos sob a forma de água de flores.”
O processo de escolha das flores que Marisa utiliza orienta-se por um critério constante ao longo da sua carreira e que tem um carácter cívico e pedagógico: estas devem ser típicas da região em que o projecto está exposto. Tenta, sempre que possível, incluir plantas que estavam esquecidas, “reencontrá-las e trazê-las para que as pessoas voltem a consumi-las”. Esta opção constitui um esforço extra para a artista, que tem de se deslocar antecipadamente aos locais.
Dois projectos azuis em Torres Vedras, já em Setembro
As deslocações constantes são uma das dificuldades que Marisa enfrenta — mas não são as únicas. Foi em Berlim, cidade para onde se mudou há nove anos, que a artista encontrou as condições que em Portugal não conseguiu, essenciais e necessárias para o seu trabalho. “As maiores dificuldades, enquanto artista, são as condições que nos são dadas actualmente em Portugal e nos demais países do Sul da Europa. Aquilo que eu vejo, às vezes, em Portugal é que o artista não é pago. Vai fazer um trabalho e não tem o pagamento.” Segundo Marisa, na Alemanha e em muitos países nórdicos, os artistas dispõem de um “estatuto próprio” que lhes confere uma série de condições importantes.
As diferenças passam também pelas verbas destinadas à cultura e à própria organização do sistema. “Quando eu terminei o curso de Artes Visuais, nas Caldas da Rainha, saí muito mal preparada, no sentido em que não sabia fazer um projecto, não sabia onde é que devia ir buscar o dinheiro”, recorda. Todas estas dúvidas que assaltaram Marisa são um contraponto com o que encontrou na Universidade de Artes de Berlim: “Ensinam-nos a fazer um projecto, um orçamento, uma série de coisas que são muito práticas e fazem todo o sentido para conseguir o dinheiro necessário.”
No futuro, Marisa pretende viajar para “países com abundância de flores, em que as temperaturas no Inverno não sejam tão rigorosas”. Um dos destinos já marcado na agenda é Torres Vedras. Em Setembro de 2019, o concelho vai acolher uma das mostras da artista natural de São Sebastião, uma aldeia perto de Rio Maior — onde fica a sua maior fonte de inspiração: os jardins da mãe e das tias. Aos torrienses, Marisa vai apresentar dois projectos: o “Jardim Azul” e o “Banquete Azul”, ambos na Casa Azul, claro está. O primeiro prevê a intervenção num jardim “que está totalmente abandonado”, através de flores azuis, para que as pessoas da comunidade possam usufruir dele. “A ideia é que sejam as pessoas de Torres Vedras a plantarem e a desenvolverem esse projecto participativo”, conta. No caso do “Banquete Azul”, trata-se de uma performance que integra um dos projectos de Marisa — o “7 Weeks Color Diet”: em cada uma das sete semanas do , a artista só come alimentos de uma determinada cor por cada semana. Escusado será dizer qual a cor dos alimentos que Marisa vai consumir durante a estadia em Torres Vedras, certo?