Para desbloquear impasse, Cabo Verde propõe “modelo flexível” de circulação na CPLP
Técnicos de três ministérios de oito Estados-membros da CPLP estão a analisar, em Lisboa, proposta sobre “mobilidade gradual” no espaço comunitário. A Guiné-Bissau não enviou ninguém.
Para desbloquear mais de 20 anos de impasse, Cabo Verde propôs um modelo de livre circulação de pessoas na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) que permite a cada país escolher o “tipo” e “espécie” de mobilidade, com quem a aplica e quando a adopta.
Desde 1996, quando nasceu, que a CPLP define a mobilidade no espaço comunitário como ideal, mas entre inércia, impasse, reservas, constrangimentos legais e geográficos, medos e desconfianças, pouco ou nada avançou.
A proposta do governo cabo-verdiano — a meio da sua presidência rotativa da CPLP — é que os Estados-membros adoptem um modelo “flexível e variável” de circulação de pessoas, seguindo um sistema de integração que prevê que cada um avance à velocidade e grau que quer ou consegue, disse esta segunda-feira, em Lisboa, o ministro da Administração Interna cabo-verdiano, Paulo Rocha.
A ideia de uma “mobilidade flexível” recebeu o apoio político dos governos da CPLP na 5.ª reunião dos ministros da Administração Interna da comunidade, na Praia, Cabo Verde, a 24 de Abril. Agora, durante dois dias, 40 técnicos estão a analisar os pormenores do texto, numa reunião na sede da CPLP, no Palácio Conde Penafiel, no centro histórico de Lisboa. A reunião inclui funcionários dos três ministérios com implicações directas na mobilidade: Justiça, Administração Interna e Negócios Estrangeiros.
Na sessão de abertura, esta segunda-feira, estavam funcionários de todos os nove Estados-membros, menos da Guiné-Bissau, que não enviou ninguém, nem da embaixada em Portugal. Este fim-de-semana, o ministério dos Negócios Estrangeiros português emitiu um comunicado a registar “preocupação” com o “atraso na nomeação de um governo na Guiné-Bissau”, cujas eleições foram em Março.
Apesar da flexibilidade da proposta cabo-verdiana, nenhum diplomata ouvido pelo PÚBLICO espera uma luz verde no fim da reunião de Lisboa. “A proposta ainda está crua”, disse um diplomata, e “houve poucos dias para a analisar”, disse outro. Mas o governo de Cabo Verde gostaria de fechar o acordo até 17 de Julho, quando os chefes da diplomacia da CPLP reúnem no Mindelo.
A livre circulação é uma aspiração antiga da CPLP, cujo primeiro passo foi a supressão dos passaportes diplomáticos em 2000, numa cimeira em Maputo. Mas esta “é a primeira vez em 16 anos que foi apresentada uma proposta concreta para a mobilidade”, disse Paulo Rocha.
Ao seu lado, o embaixador português Francisco Ribeiro Telles, actual secretário-executivo da CPLP, sublinhou que é obrigação dos Estados acordarem “medidas concretas” para avançar-se na mobilidade, porque foi esse “o mandato recebido” dos ministros da Administração Interna.
O “modelo de integração” proposto por Cabo Verde prevê o fim dos vistos para todos os cidadãos da CPLP que queiram fazer uma visita curta (até 30 dias) a outro país da CPLP e a criação de vistos de “estada temporária CPLP” (até um ano, com autorização administrativa prévia) e de “residência CPLP” (a ser decidido num prazo de 60 dias), cujo critério inicial para o pedido passa a ser a nacionalidade e não a razão para querer residir nesse país, disseram ao PÚBLICO diplomatas da comunidade. O acesso ao ensino, mercado de trabalho e cuidados de saúde dos titulares dessa autorização de residência seria igual aos nacionais do Estado de acolhimento.
No cenário de um sistema “flexível e variável”, a proposta é que os países escolham entre os mínimos (mobilidade para diplomatas) e os máximos (mobilidade para todos os cidadãos da CPLP). “Nem todos os países estão ao mesmo nível de desenvolvimento”, insistiu Paulo Rocha.
Propostas permite escolhas
Por causa das resistências de vários países — que invocam diferentes constrangimentos — a proposta permite aos Estados escolherem quem é abrangido pela livre circulação (categoria de pessoas e segmentos, como estudantes, académicos e empresários), quando começa a integração e com que Estados-membros cada país faz essa integração. A proposta é flexível ao ponto de prever que um Estado condicione a circulação a “requisitos para a salvaguarda do interesse público” e escolha “regimes específicos de parcerias” e “conteúdos diferenciados”, sabe o PÚBLICO.
Um artigo do projecto de acordo diz que cada país pode “condicionar” a entrada ou a permanência de cidadãos de outro Estado-membro se tiver “fundadas suspeitas” em relação à autenticidade dos documentos ou para “salvaguarda da ordem, segurança ou saúde pública”. Outro artigo diz que cada Estado decidirá se um cidadão representa uma ameaça com base nos “meios de prova” por si definidos.
Publicamente, Ribeiro Telles elogiou o “dinamismo” e “esforço” que Cabo Verde está a dedicar à mobilidade. Nos bastidores, diplomatas dizem que Cabo Verde não quer que as coisas fiquem “paradas”, após anos sem progressos tangíveis, mas que a livre circulação não vai acontecer tão cedo. Sobretudo, “Cabo Verde quer criar confiança entre os Estados”, disse um diplomata, “permitindo que cada um avance até onde se sente confortável”.