A literatura pensa que está viva, “mas não está”. Palavra do Jovem Conservador de Direita

Humor e provocação fizeram de uma das últimas sessões do Livros a Oeste um ponto alto deste festival na Lourinhã. “Literatura, hoje, faz sentido?”, era a pergunta. “Não!”, respondeu o Jovem Conservador de Direita. Sem hesitar

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O Jovem Conservador de Direita (Bruno Henriques) diz que “a literatura morreu por sua própria culpa” José Cruz/Cortesia Livros a Oeste

Personagem sinistra, engomadinha e que se faz acompanhar por um estagiário, o Jovem Conservador de Direita esteve na 8.ª edição do Festival Livros a Oeste para falar do “haraquiri da literatura”. Depois de explicar que “a literatura morreu por sua própria culpa”, já que não se “rendeu aos mercados como deveria”, sugeriu caminhos para o sucesso literário. “E nem é preciso saber escrever.” Disse ainda que estes encontros servem para a literatura pensar que está viva, “mas não está”.

Com ironia, eloquência e inteligência, o Doutor (Bruno Henriques) e o Estagiário (Sérgio Duarte), falando a uma só voz, propuseram aos “autores” começarem por ser “figuras públicas”. Depois, “basta arranjar um ghost writer [escritor-fantasma]”. Deu exemplos como “Cristina Ferreira ou Daniel Oliveira”. Sobre Miguel Sousa Tavares e a acusação de plágio, resumiu-a a um caso de “benchmarking aplicado à literatura”. Traduzindo: procura das melhores práticas em determinado domínio.

José Rodrigues dos Santos também não escapou a um comentário mordaz, sendo-lhe atribuída a ideia de criar “uma fábrica no Paquistão”, em que crianças “especializadas em Dan Brown” adaptam e redigem incessantemente as obras para o escritor e jornalista português.

Crimes nórdicos vendem mais

Outras das sugestões para o êxito passaram pela alteração da latitude em que ocorrem os crimes nos livros policiais e até pela mudança do apelido dos autores. Assim, Moita Flores passaria a “Zlatan Moita Flores” e a Avenida dos Aliados a “Aliados Strasse”.

Pôr “Auschwitz num título” e fazê-lo acompanhar-se “de uma profissão” também são garantias de bom desempenho. Mais ainda se forem actividades profissionais actuais, como “consultor financeiro” ou “gestor de redes sociais”, pois já se escreveu sobre uma “bibliotecária”, um “tatuador” ou uma “bailarina”.

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O Jovem Conservador até aos cães da colecção Uma Aventura tratou por “doutores”: o pastor alemão “dr. Faial” e o caniche “dr. Caracol” José Cruz/Cortesia do Livros a Oeste

Também a literatura infantil foi analisada pelo Conservador, que até aos cães da colecção Uma Aventura tratou por “doutores”: o pastor alemão “dr. Faial” e o caniche “dr. Caracol”. Pretexto ainda para induzir os escritores a reproduzirem fórmulas em série. Descrição da colecção de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada: “Criogenaram cinco crianças e dois cães, que têm mais de 40 anos, mas continuam no sétimo ano porque estão sempre a resolver crimes.”

Nos clássicos, foi igualmente implacável. Resumos da Branca de Neve e os Sete Anões: “Se for bonita, pode invadir propriedade privada, desde que faça a lida da casa.” E de A Bela e o Monstro: “Se ela não gostar de vocês, fechem-na em casa que ela aprende num instante.” Para terminar no facto de as crianças de hoje lerem livros dos “youtubers”, ou seja, “de pessoas que são analfabetas”. E exemplificou com Experiências Loucas e Factos Bizarros, do Doutor Darkframe.

O Jovem Conservador de Direita e o Estagiário falaram ainda de ficção científica, “o único mundo onde a esquerda funciona”, de livros de auto-ajuda, “que já nem acreditam nas pessoas”, e também na família de cantores Carreira, “há Carreiras para vários targets, ou de livros como As 50 Sombras de Grey, “se forem homens de sucesso, já vale usar o chicote”.

Ali se culpou os “esquerdalhos” pelo “período das trevas da literatura”. O problema foi quererem considerá-la “uma arte”. Na opinião do Conservador, dever-se-ia ter mantido a ideia primordial, na Suméria, onde a escrita terá nascido “pelo nobre princípio das finanças e da contabilidade”, através de um simples registo comercial. A subversão veio dos “esquerdalhos”, que “fumavam ganzas e se esqueciam das coisas”, e abandonaram a missão mercantilista da escrita.

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Laborinho Lúcio, António Tavares, Arlindo Oliveira, João Rasteiro e Pedro Vieira, moderados por João Morales, debateram o “homem e a sua circunstância” José Cruz/Cortesia do Livros a Oeste

O “elogio” a Nuno Melo, candidato do CDS às eleições europeias e que em muitas ocasiões parece mimetizar, ficou para o final: “Anda a passar vergonha desde que me bloqueou no Facebook, mas tem um cabelo que lhe vale 70% dos votos, apesar da pouca memória. É a Dory do [À Procura de] Nemo mas com um cabelo sensual.” Mais uma gargalhada no Auditório do Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira, numa plateia entre o perplexo e o bem-disposto.

A imaginação aumenta o mundo

O programa prosseguiria com uma discussão sobre o “homem e a sua circunstância”. Como a entender, aceitar e integrar no percurso individual, mas também como a trabalhar e até fintar. Protagonistas: o ex-ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, António Tavares (vencedor do Prémio Leya em 2015), Arlindo Oliveira (presidente do Instituto Superior Técnico), o poeta João Rasteiro e o escritor Pedro Vieira (que já havia apresentado o seu mais recente romance, Maré Alta).

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Sandro William Junqueira apresentou o seu livro As Palavras Que Fugiram do Dicionário, ilustrado por Richard Câmara, a alunos da EB1 da Lourinhã. Uma das várias sessões com autores que alcançaram 1015 estudantes do concelho José Cruz/Cortesia do Livros a Oeste

Nessa manhã, Sandro William Junqueira deu a conhecer aos alunos da  EB1 da Lourinhã As Palavras Que Fugiram do Dicionário. Terá levado mais ideias para um próximo volume, já que, entre várias sugestões das crianças para palavras inventadas, houve duas que ficaram na memória: “bacalheiro” e “livo”. Traduções: “árvore que dá bacalhaus” e “livro vivo”.

Confirmou-se assim o que escritor e actor tinha dito aos miúdos no início da sessão: “A imaginação aumenta o mundo.”

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Conta-me Histórias... com Carlão encerrou com casa cheia a 8.ª edição de Livros a Oeste José Cruz/Cortesia do Livros a Oeste

Novos públicos

O festival Livros a Oeste realizou-se de 14 a 18 de Maio, tendo encerrado com uma conversa-concerto com Carlão.

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Corações em Concerto homenagearam Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena em dois comoventes apontamentos musicais e poéticos José Cruz/Cortesia do Livros a Oeste

Em dois dias do festival, houve lugar a homenagens a Sophia de Mello Breyner Andresen e a Jorge de Sena. Foram dois comoventes apontamentos musicais e poéticos pelo grupo Corações em Concerto.

O encontro literário é organizado anualmente pela Câmara Municipal da Lourinhã, que conta com uma equipa de oito pessoas recrutadas entre o município e a Biblioteca Municipal. Programado pelo jornalista João Morales, Livros a Oeste teve como mote “Palavras Que nos Unem”, voltou a incluir formação de professores e educadores e chegou a 1015 alunos do concelho, de vários níveis de ensino. Criar novos públicos é um dos objectivos do encontro. Está a ser cumprido.

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