Os salários dos eurodeputados são “normais”, ou “inconcebíveis” e até “imorais”?

Rendimentos dos eurodeputados incluem muito mais do que o salário base, e podem chegar aos 20 mil euros por mês. Eleitos portugueses concordam que os valores são desajustados e “muito elevados”, sobretudo quando comparados com os salários nacionais.

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Parlamento Europeu

Para Marisa Matias, “é impossível olhar para o padrão salarial da grande maioria dos países europeus e achar que os salários dos eurodeputados não são elevados”. Pelas contas da representante do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu, bastaria um pagamento “na casa dos 4000 euros” por mês para os eurodeputados poderem ser remunerados “com dignidade” pelas suas funções, mas “sem excessos”, mesmo tendo em conta o custo de vida em Bruxelas e os encargos individuais e familiares nos respectivos países de origem. Um montante bastante inferior aos cerca de 20 mil euros mensais a que pode chegar a remuneração que o Parlamento Europeu paga aos seus membros eleitos, dependendo dos subsídios, despesas e reembolsos que acrescem ao vencimento base, conforme calculou o consórcio dos correspondentes em Bruxelas do PÚBLICO, Antena 1, Expresso, Lusa, RTP, SIC e TVI.

De acordo com a informação divulgada de forma transparente no próprio site do Parlamento, o vencimento dos eurodeputados é de 8757 euros brutos, que resultam em 6825 euros líquidos depois de subtraído o imposto comunitário e a contribuição para seguros e pensões. É a este montante que os eurodeputados habitualmente se referem quando falam do seu salário. Só que não é só isso que recebem todos os meses.

Têm, acima do salário base, um subsídio fixo de 320 euros para “cobrir despesas de alojamento e despesas conexas por cada dia que compareçam em reuniões oficiais, em Bruxelas ou Estrasburgo, desde que assinem um registo para atestar a sua presença”. Ou seja, se cada eurodeputado cumprir no Parlamento os mesmos 22 dias de trabalho por mês de qualquer funcionário, acrescenta mais 7040 euros à sua remuneração mensal.

Mas continua a não ser só isso. Cada um deles recebe ainda 4513 euros por mês para gastar em “despesas gerais” do seu gabinete. O Parlamento Europeu define-as como “despesas resultantes das actividades parlamentares dos deputados, como os custos de arrendamento e gestão do gabinete do deputado, despesas de telefone e assinaturas, actividades de representação, computadores, organização de conferências e exposições”. Porém, o eurodeputado não tem de fazer prova de como gastou esse dinheiro, nomeadamente através da apresentação de facturas.

Além deste dinheiro, os eurodeputados também têm direito ao reembolso dos seus voos — na maior parte dos casos semanais — para Portugal, mediante a apresentação dos respectivos recibos, até ao montante correspondente à tarifa aérea em classe executiva ou similar. As deslocações de comboio são reembolsadas à tarifa do bilhete em primeira classe, e se a viagem for efectuada em automóvel privado, dá direito ao pagamento de 0,53 euros por quilómetro (limitado a 1000 km). O Parlamento Europeu paga ainda subsídios fixos baseados na distância e duração do percurso para a cobertura de outras despesas de viagem, nomeadamente portagens de autoestrada, excesso de bagagem ou custos com reservas.

“É quase uma fraude política, porque a pretexto do reembolso das despesas efectuadas, acaba por se criar aqui outra remuneração, e sem impostos”, nota António Marinho e Pinto, para quem “deveria haver alguma moderação na forma como e remunera as funções políticas, e sobretudo deveria haver mais pudor na forma como se isentam de impostos essas remunerações”. “Os deputados ao Parlamento Europeu só pagam impostos em cerca de um terço daquilo que recebem. São cerca de dez mil, doze mil euros que ficam totalmente isentos de impostos”, assegura.

O que a lei prevê é que os eurodeputados eleitos depois de 2009 declarem no país de origem os rendimentos auferidos pelo seu trabalho, que serão taxados de acordo com a aplicação da tabela  prevista no Código do IRS (artigo 68.º). São sujeitos à retenção na fonte no Parlamento Europeu mas depois pagam o imposto em Portugal (com direito a descontar o que já pagaram na retenção, se for caso disso). No entanto, aqueles que foram eleitos antes da entrada em vigor desse regime que pôs fim aos privilégios dos eurodeputados em termos fiscais, puderam manter a sua isenção  de pagamento de impostos em Portugal.

Os cálculos finais não são simples de fazer, até porque os escalões fiscais, as despesas e os benefícios a reclamar em sede de IRS, bem como os descontos contributivos e outro tipo de pagamentos, serão diferentes caso a caso. Mas como só incidem sobre a componente do vencimento e não das restantes despesas pagas pelas suas funções, é possível estimar que, em traços gerais, cada eurodeputado arrecade entre 15 mil e 20 mil euros por mês — houve alguns que já admitiram ter conseguido compôr “um bom pé de meia” no desempenho das suas funções.

Valor de “síntese"

Em declarações ao consórcio de correspondentes portugueses, no Parlamento Europeu em Estrasburgo, Marisa Matias confirmou que não guarda para si a totalidade do seu salário de eurodeputada de 6825 euros, nem faz uso pessoal das outras retribuições pagas pelo Parlamento Europeu para o funcionamento do seu gabinete (“Esse é dinheiro que não me corresponde”, afirmou).  A representante do Bloco de Esquerda segue o princípio do seu partido de não haver enriquecimento pessoal à custa do exercício de cargos públicos. “Portanto, o que acontece é que recebo o que ganhava antes de ser eurodeputada, com mais um cálculo de equiparação do poder de compra, porque o custo de vida não é, nem de perto nem de longe, o mesmo em Bruxelas do que em Portugal”, diz.

Os três actuais membros do PCP continuam a respeitar a prática, iniciada pela antiga eurodeputada Ilda Figueiredo após a revisão do regime de vencimentos do PE, de manter a equiparação do seu salário ao dos deputados portugueses da Assembleia da República.

Como Marisa Matias, os eurodeputados do PCP também não guardam para si próprios a totalidade dos salários. A política interna do partido é que nenhum dos seus militantes seja favorecido por assumir cargos públicos e mandatos políticos: como se sabe, os comunistas excluem qualquer benefício financeiro que possa decorrer dessa situação, e por isso procuram que “uma parte do dinheiro [que recebem do PE] reverta para a sociedade”, confirmou Miguel Viegas.

O comunista, que durante o mandato foi autor de um relatório sobre rendimento mínimo onde levantava a questão da convergência do rendimento real dos europeus (aprovado por maioria), considera que o nível salarial dos membros do PE é “imoral”. “Não é concebível que haja estes vencimentos quando o salário mínimo em Portugal é de 600 euros, e para se aumentar uns cêntimos por dia é sempre o cabo dos trabalhos.”

O socialista Francisco Assis concorda com os seus colegas do PCP e do Bloco de Esquerda de que “em termos comparativos, e em relação ao que se passa em Portugal nas mais diversas áreas, estes salários são muito elevados”. Mas lembra que estes valores estão abaixo do que auferem os legisladores noutros Estados membros da União Europeia e que por isso o Parlamento sentiu necessidade de fazer uma “síntese” — que por causa do princípio da igualdade se aplica por naturalmente aos eleitos de todas as nacionalidades.

No entanto, garante Assis, não é a compensação financeira que motiva os candidatos ao Parlamento Europeu. “As pessoas vêm para aqui porque este é um local de grande realização política, até pelas próprias condições de trabalho. Não conheço ninguém, da esquerda à direita, que aqui esteja por causa da remuneração”, afirmou.

Esse não é o entendimento de António Marinho e Pinto, para quem os altos salários do PE têm o efeito nefasto de “aumentar a pressão das clientelas” dos partidos na construção das listas de candidatos. “No PS ou no PSD, os lugares não são para aqueles que melhor possam desempenhar a função parlamentar, mas para aqueles que mais fiéis foram às direcções dos partidos que os premeiam com um lugar bem remunerado”, criticou.

Subsídio de reinserção

Quando terminam o mandato, os eurodeputados tem ainda direito a receber — durante o prazo máximo de dois anos — um subsídio de reintegração igual ao seu vencimento, equivalente a um mês por cada ano de mandato exercido. Ao contrário dos comissários europeus, os membros do Parlamento Europeu não têm de cumprir um período de nojo no seu regresso à vida profissional, mas esta “benesse” foi pensada em jeito de “compensação, para evitar que pudessem lucrar da sua posição de legislador.

Se um ex-deputado ao PE tomar posse no seu parlamento nacional ou iniciar outras funções públicas enquanto estiver a receber o subsídio de reintegração, o valor do novo salário será deduzido no pagamento. E se tiver simultaneamente direito a uma pensão de velhice ou invalidez, terá de optar entre esta ou o subsídio parlamentar, não sendo possível acumular os dois.

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