Museus nacionais: alguma coisa, com nuvens no horizonte

Agenda para que a “gerigonça” se possa manter depois de eleições, existe. Basta que se queira prosseguir, se corrijam os sinais de “asfixia democrática” e assim se dissipem as nuvens no horizonte.

Celebramos este ano o Dia Internacional de Museus debaixo da incerteza sobre o que poderá acontecer aos museus nacionais, depois da entrada em vigor do decreto-lei sobre autonomia de gestão. Com ressalva do desconhecimento da versão final, pode talvez dizer-se que do “pouco” do anterior ministro (ver PÚBLICO, 2.10.2018) fez a actual ministra “alguma coisa”, porém com sinais contraditórios.

Do lado positivo, as novas formas de contratualização e planeamento plurianuais, a consignação da receita debaixo do princípio da solidariedade, a limitação dos mandatos directivos e o seu preenchimento através de concursos universais (isto se estes não vierem a ser subvertidos como acaba escandalosamente de acontecer no MNAA e Jerónimos, a pretexto dessa figura obscena do chamado “regime de substituição”).

Em terreno neutro, a concessão de um “numerozinho” fiscal, sem correspondência em personalidade jurídica plena, e a criação de um conselho dos directores (que também sempre existiu e só o centralismo bacoco da actual DGPC dissolveu). Mas entramos aqui no lado do desacerto: um verdadeiro Conselho Geral de Museus deveria ser concebido para substituir a secção de museus do Conselho Nacional de Cultura. Lapso apenas? Antes fosse. Porém, a verdade é que se procedeu também à incompreensível regressão democrática de fechar as portas ao envolvimento cidadão nos museus e, no mesmo passo, diminuiu-se a autonomia dos júris para directores – no que os “lapsos” passam licitamente a poder ser entendidos como sintomas de reconstituição de tiques que má memória.

E noutros planos, poder-se-ia ir mais longe? Certamente que sim. Este governo terminará a legislatura sem cumprir a reversão das fusões acríticas, conducentes a monstros ingovernáveis, e sem rever a estrutura do Conselho Nacional de Cultura. Dir-se-á que criou à última hora um grupo de trabalho (mais um...). Mas tudo nele parece equívoco: um ano para reflectir sobre “museus do futuro”, todavia somente dentro do universo dos que dependem do MC (ou seja, menos de 5% dos museus portugueses). Uma composição estranha, entre o esdrúxulo e o bizarro, burocrática mais do que socialmente representativa, onde quem trabalha mesmo em museus nacionais não tem lugar e tresandam os vícios da endogamia académica e da chapelada dos corredores. É caso para dizer: curta perna para tão grande passo. Mas não espanta: é assim que a sociologia de todos os poderes e mormente do bloco central manda proceder, não faltando quem lhe faça o gosto, por “espírito de missão” ou mero deslumbramento.

De medidas avulsas, como seja a criação ou reinstalação de novos museus (excelente no caso de Peniche; aceitável, no caso de Mafra; péssima, no caso da Ajuda, se as jóias da coroa forem colocadas fora do âmbito do museu/palácio já existente), nem cumpriria falar, não fora a chocante política de dois pesos e duas medidas patente na afectação de recursos humanos significativos a essas novas entidades, recursos que de todo não existem nos museus nacionais, afundados como se encontram em precarização e despovoamento.

Importante mesmo é a Rede Portuguesa de Museus, onde o que se concretizou fica manifestamente a dever-se sobretudo à insistente reclamação do suporte parlamentar do governo e do PCP em especial. Recorde-se que foi em 2010 (vivia-se o consulado de Sócrates, com Summavielle nesta área da Cultura e Brigola nos museus) que ficou congelado o ProMuseus, após “cena” inimaginável em Coimbra, quando se verificou não haver dinheiro para novos contratos (v. PÚBLICO 23.11.2010). Ressurge ele agora com um regulamento bem feito (ainda que com lacunas) e verba credível. Tudo bom, portanto. Resta apenas esperar que a própria RPM seja realmente revivificada na sua essencial condição de estrutura cooperativa interpares; que sejam retomadas as missões técnicas de assistência aos museus integrados (156 actualmente); e que sejam verificados os requisitos mínimos impostos pela Lei-Quadro dos Museus Portugueses (inclusive nos museus do MC, onde em alguns é pelo menos duvidoso que o estejam a ser).

Ou seja, agenda para que na área dos museus a “gerigonça” se possa manter depois de eleições, existe. Basta que se queira prossegui-la, se corrijam os sinais emergentes de alguma arrogância ou até “asfixia democrática” e assim se dissipem as nuvens no horizonte.

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