Gravidez: permitem-me não gostar dela?

Bárbara e Joana não gostaram de estar grávidas. Então, sentiram que não podiam falar sobre o tema. Este domingo assinala-se o Dia da Mãe.

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Nuno Ferreira Santos

Quando descobriu que estava grávida, Bárbara Oliveira, vendedora de loja, hoje com 33 anos e mãe de uma menina de 4 anos, ficou surpreendida. Não estava à espera, mas aceitou a surpresa. No entanto, não foi um período bom na sua vida, confessa. Joana Marques, 30 anos, passou mal durante a gravidez e o parto também não foi fácil. Não são casos únicos. Em Portugal, 13% das mulheres afirma que a maternidade não foi o que esperavam. Contudo, apesar de não se sentirem felizes como mães, voltariam a ter filhos.

Os números são do estudo As mulheres em Portugal, hoje: quem são, o que pensam e como se sentem, que inquiriu 2428 mulheres. Destas há 9% que dizem que se arrependeram de terem tido filhos. 

Não é o caso de Bárbara Oliveira, o que lhe custou foi a falta de independência durante os meses de gestação, as oscilações de humor e o cansaço diário. “Acho que a maternidade nem sempre nos flui naturalmente. É algo que se aprende com o tempo”, avalia hoje, mas então decidiu esconder os seus sentimentos.

Segundo André Costa, psicólogo clínico na Associação Nacional de Intervenção Precoce (Anip)​, as mulheres estão sujeitas a muita pressão, o que, por consequência, influencia a gravidez. “Se tivessem à vontade para falar, seria mais fácil lidar com o processo da gravidez e isso talvez fosse visto de outra forma”, considera o psicólogo.

No início, para estas mães, pode haver um misto de alegria e dúvida. “São 40 semanas de constante turbulência. Com muitas dúvidas, que se vão respondendo ao longo do tempo”, contabiliza o especialista. Com a gravidez vêm as mudanças – as físicas são as mais visíveis e a questão da imagem é relevante para muitas mulheres. “Muitas olham ao espelho e dizem: ‘eu não era assim, eu não gosto disto e não consigo lidar comigo assim. Eu tinha uma imagem e neste momento tenho outra. Não me reconheço. É como se não fosse eu’”, exemplifica o psicólogo, natural de Coimbra.

Joana Marques, 30 anos, directora de loja, mãe de um menino de 14 meses, detestou os enjoos que teve até aos seis meses de gestação. Quando achou que o pior já tinha passado foi presenteada com azia ao sétimo mês. Mas o que mais a incomodou foi a relação que desenvolveu com o espelho e consigo mesma. “Sempre fui muito exigente com a minha imagem. Durante a gravidez a minha relação com o espelho não foi muito fácil porque me via a ficar maior. Engordei 23 quilos. Só no fim é que comecei a aceitar. Foi quando comecei a respirar fundo e a encarar-me melhor. Até lá evitava olhar-me ao espelho.”

Esta dificuldade pode levar a um afastamento do parceiro. Joana precisou desse espaço e, felizmente, o seu companheiro respeitou-a. “Pensava: se eu não me acho atraente, como é que ele vai achar?”

No caso de Bárbara Oliveira, o que teve mais impacto foi a perda de independência e autonomia.  Não gostou de ser privada das coisas que sempre gostou de fazer. Não gostou de não poder dormir como lhe apetecia. “Não podia deitar-me de barriga para cima. Não podia dormir de lado, porque a bebé não parava de se mexer. Dormi de barriga para baixo a gravidez toda. Eu precisava de descansar.”

Irritou-a ter de deixar o emprego e passar toda a gravidez em casa, sem poder fazer esforços ou as suas rotinas de todos os dias. “É frustrante”, resume. Também Joana passou a gravidez toda em casa. “Às vezes não comia nada com a ansiedade de pensar que a seguir ia vomitar. Não comia, mas acabava por vomitar na mesma”, recorda. Para evitar vomitar deixou de ir ao café e saía de casa apenas para ir às sessões de mindfulness na maternidade, em Coimbra. Aprendeu pequenas meditações e a controlar a respiração.

Depois da gravidez, o parto

As mães testemunham que durante a gravidez, é inevitável ouvir histórias de outras mulheres sobre como foi o parto. “Há toda uma pressão em cima desse momento. Nem sei o que é pior: as pessoas falarem muito ou não falarem de todo. Ouvi muitas experiências de parto, todas diferentes, mas cheguei a um ponto que disse: ‘Não quero ouvir mais. Quando tiver de ser, é’”, recorda Joana.

O dia em que o filho nasceu foi um dia confuso. Foi três vezes às urgências e só à terceira é que ficou. Estava com dificuldades na dilatação. Na maternidade, diziam-lhe: “‘Não pode gritar, respire’... e eu: ‘como é que não grito se estou cheia de dores?’. Diziam-me para respirar e só me apetecia dizer 500 asneiras... eu já estava a respirar! Tive a percepção de mo tirarem da barriga, como se fosse uma ventosa. Entretanto ouvi-o chorar e foi aí que relaxei. Pensei: ‘Ok, já está.’” Depois veio o processo de recuperação. Uma recuperação bastante complicada. O namorado foi o seu pilar

Já Bárbara Oliveira viveu o parto de forma diferente. Foi um momento estranho, partilha, custoso, mas suportável. Depois, ver a filha pela primeira vez também estranho. “Não senti logo aquela ligação de que toda a gente fala. Colocaram-ma no colo. Não senti essa ligação no primeiro instante mas, passado umas horas, já ninguém lhe podia tocar. Era minha”, conta bem-disposta.

“Não gostar de estar grávida não quer dizer que não se tente criar relação [com o bebé]. Uma coisa não elimina a outra. Uma coisa é eu não conseguir lidar com a minha impotência, perder autonomia, ter de deixar de trabalhar, estar cansada e distraída ou não conseguir lidar comigo. Outra coisa é eu ter isto tudo, mas ao mesmo tempo não conseguir lidar com a criança. Não fazer nada para criar uma relação”, explica o psicólogo.

Depois do parto, a amamentação

De volta a casa e ao fim de duas semanas, o leite de Joana secou e a mãe sentiu-se mal com isso. Tentou bombear, mas nada. Conta que se sentiu frustrada inicialmente. Estaria a falhar como mãe?, perguntou-se. Sentiu esse medo e essa pressão. “Na maternidade já tiveram que dar ao bebé suplementos e aí sentimos nova pressão da sociedade, porque a mãe tem de amamentar e se não amamentar é porque é má mãe. Isso foi complicado.” 

Para Bárbara, o nervoso miudinho não terminou depois do nascimento. “Cheguei a casa com ela e pensei… E agora?” André Costa reitera: “Todas as dúvidas que tinham vão-se esvaindo, mas depois surgem novas. ‘Tenho a criança aqui. E agora?’” As mães sentem que há uma nova prova de fogo. “Há mais um papel que surge para desempenhar. Tem de haver uma tentativa para conciliar [todos os papéis] mas, muitas vezes, focam-se mais num do que no outro. O desafio é encontrar o equilíbrio”, aconselha o especialista.

Por vezes, a relação do casal ressente-se. “Passado algum tempo de a nossa filha estar em casa, tive de falar com ele [o companheiro]. Explicar-lhe todas as mudanças a que estava sujeita, para  compreender o meu cansaço, o meu afastamento. Compreendo o porquê de muitas separações quando a criança é pequena. Chegamos a um ponto que vivemos tanto para a criança que o pai passa a ser um pouco esquecido. E isso cria conflito. Acho que, às vezes, é necessário ter esta conversa para conseguirmos estar em sintonia. A comunicação é fundamental”, defende Bárbara.

Mudam-se as rotinas. Mudam-se as disposições. Mudam-se as prioridades. Porém, Bárbara reforça a importância de continuar a fazer vida de casal, além de serem pais. “Quando vamos ao cinema ou passar um fim-de-semana fora, deixamos a nossa filha em casa da minha mãe ou da minha sogra. Ela adora ficar com as avós.”

 Para Joana, nada é igual, o filho passou a ser a sua prioridade. “É a melhor coisa da vida. Não se pensa em nada sem se pensar nele. A nossa rotina é adaptada a ele.” Os pais e sogros são pilares importantes nesta nova realidade. Mas a vida de casal não fica esquecida. “Pelo menos uma vez, de duas em duas semanas, tentamos sair os dois. É muito importante haver tempo para a nossa relação.”

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