Sete anos de Margarida Blasco na IGAI marcados por acusações de racismo à PSP e críticas dos polícias
Assumiu o cargo de Inspectora-geral em Fevereiro de 2012. Agora sai dois anos antes de terminar o terceiro mandato. Foi nomeada juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça. Toma posse já na próxima semana.
Margarida Blasco esteve sete anos à frente da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) - tomou posse em Fevereiro de 2012 - entidade que tem como missão assegurar as funções de auditoria, inspecção e fiscalização de todas as entidades, serviços e organismos tutelados pelo Ministério da Administração Interna.
Foi a primeira mulher a exercer este cargo. Sai dois anos antes de terminar o seu terceiro mandato. Supostamente apenas devia deixar o cargo em Fevereiro de 2021.
Segundo disse a própria à Agência Lusa sai porque foi promovida na carreira, tendo sido nomeada juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, onde toma posse já na próxima semana, na quinta-feira às 15h.
A passagem da magistrada pela IGAI fica marcada por vários casos relacionados com abusos policiais, nomeadamente por parte de agentes da PSP, que se tornaram mediáticos e que levantaram questões sobre excesso de violência e racismo na actuação das forças de segurança.
Foi o caso dos agentes da PSP, que em Janeiro de 2019, foram filmados durante a detenção de um jovem que os terá apedrejado, no Bairro da Jamaica, no Seixal. O vídeo mostra os agentes a agredir várias pessoas com socos, empurrões e cassetetes. O caso gerou a indignação das associações contra o racismo e motivou o debate politico e público. Está a decorrer um inquérito e foram alvo de processos disciplinares um agente e o chefe da equipa de Intervenção Rápida devido à actuação que tiveram.
O caso da esquadra de Alfragide também foi um dos mais polémicos. As alegadas agressões a seis jovens da Cova da Moura, que remontam a 5 de Fevereiro de 2015, na esquadra de Alfragide, acabaram em tribunal. Foram 17 os agentes constituídos arguidos por denúncia caluniosa, injúria, ofensa à integridade física e falsidade de testemunho, bem como por outros tratamentos cruéis e degradantes ou desumanos, de sequestro agravado e de falsificação de documento. A leitura da sentença foi marcada para o próximo 20 de Maio.
Numa entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, quando lhe falaram de outros casos para além destes como o do assaltante morto a tiro pelos Grupo de Operações Especiais da PSP, em Queluz, em Dezembro de 2017 e, no mês anterior, o da imigrante brasileira morta por engano pela polícia, e de como estas situações podiam acontecer, Margarida Blasco disse: “Por isso é que existimos. A IGAI tem tomado medidas para evitar estas situações. Quem pratica este tipo de actos e é condenado deve, como é evidente, ser erradicado. Queremos forças e serviços de segurança que cumpram intransigentemente os direitos humanos. E nisso somos intransigentes. Podemos compreender determinados fenómenos, mas não pactuamos com eles. E queremos ir a fundo”.
Agora que se prepara para deixar o cargo de inspectora-geral, dos policias recebe elogios, mas também algumas criticas.
Mais diálogo com as polícias
Todos consideram que houve mais diálogo entre a IGAI e as forças de segurança, mas no final o seu trabalho ficou aquém do esperado no que diz respeito a perceber as condições, as fragilidades ou mesmo as dificuldades que os polícias atravessam para poder responder com qualidade no seu trabalho. A IGAI dirigida por Margarida Blasco, disseram ao PÚBLICO vários sindicalistas afectos às polícias, olhou mais para o resultado do trabalho dos polícias e não para as condições em que o fazem.
Para Acácio Pereira, presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o balanço global da passagem da magistrada pelo cargo de inspectora-geral é positivo, mas podia ter feito melhor. “Podia ter ido mais além no que diz respeito às auditorias das condições de trabalho para melhorar a qualidade e a eficácia do serviço prestado e não centrar-se só nas inspecções aos funcionários.”
As condições de trabalho
Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP), indicou como muito positivo na actuação de Margarida Blasco o diálogo que houve. No entanto, refere que “houve processos” em que se ficou com a ideia de alguma parcialidade. “A relação da IGAI com a Direcção Nacional da PSP condicionou alguns resultados”, disse, sublinhando os casos em que opunham agentes a superiores. “Houve um caso de um colega que foi transferido de Faro para Lisboa porque fez um almoço onde denunciou algumas das condições de trabalho e a IGAI desvalorizou em benefício da decisão superior”, contou.
Também César Nogueira, presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG), apontou o dedo à falta de atenção da IGAI às condições de trabalho. “Fiscalizaram alguns postos mas só foram ver as condições das celas”, referiu, acrescentando que os antecessores de Margarida Blasco também fizeram o mesmo. “Não valorizaram a fiscalização para melhorar a qualidade dos serviços prestados”, disse.
Margarida Blasco foi directora-geral do Serviço de Informações de Segurança e enquanto juíza, passaram pelas suas mãos casos como o de Camarate, em que morreu o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, Dona Branca e ainda o do então director da Polícia Judiciária Fernando Negrão, demitido devido a uma fuga de informação sobre uma investigação à Universidade Moderna. Um caso que acabou por arquivar.
Para já, e segundo fonte do Ministério da Administração Interna, Margarida Blasco vai ser substituída provisoriamente pelo subinspector da IGAI Paulo Ferreira.