Separar o lixo não chega. Claire mostra como vive numa casa (quase) sem desperdício

Claire Sancelot abriu a “primeira loja desperdício zero” do Sudeste Asiático e é uma das porta-vozes do movimento que nos quer pôr a olhar para dentro do caixote do lixo. Um conselho? “Façam o que puderem, mas façam-no agora.”

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Claire Sancelot vive em Kuala Lumpur, na Malásia Inês Fernandes

Primeiro, trocaram as fraldas descartáveis por outras reutilizáveis. Antes, Claire Sancelot e o marido já tinham comportamentos que reflectiam “algumas preocupações ambientais” — gestos mecanizados c​omo não usar sacos plásticos para as compras e fazer a separação de lixo no apartamento que partilhavam em Hong Kong. Mas o nascimento da primeira filha quebrou um ciclo. Como? Com outra pergunta: “Que planeta estamos a deixar para as gerações futuras?”

Depois das fraldas e da primeira filha (já vão em três), mudaram quase tudo. Os carrinhos de bebé, berços, roupas e camas são em segunda mão — ou “pré-amados”, como Claire descreve. Fazem compostagem, recusam produtos embrulhados em plástico, reduziram o consumo de produtos de origem animal, trocaram os guardanapos de papel por outros de pano (para todas as refeições), os pensos higiénicos e os tampões por pensos laváveis e pelo copo menstrual. Compram muito menos coisas, e sempre a granel e em segunda mão. Aproveitam-nas muito mais. Tentam que nenhum lixo vá para aterros. Quando deixaram Hong Kong, a empresa de mudanças empacotou tudo só em caixas de cartão reciclado e jornal velho.

Em Kuala Lumpur, na Malásia, onde agora vivem, Claire Sancelot, uma das porta-vozes de um movimento crescente de pessoas que tentam reduzir a quantidade de lixo que produzem, fundou o projecto Zero Waste Malaysia, distinguido pelas Nações Unidas, em 2017. Foi lá que abriu “a primeira loja de desperdício zero no Sudeste Asiático”. Vendia “cerca de 50 produtos” e a abertura “gerou muita curiosidade”, mas a francesa não lhe chamaria um “sucesso”. Dois anos depois, a The Hive tem quatro espaços próprios e 20 pontos de venda, alguns em supermercados, em todo o país. “O movimento cresceu. As pessoas querem mesmo mudar a forma como estão a consumir. A frustração está lá, o que eu consegui fazer foi dar-lhes soluções”, conta, à conversa com o P3, esta segunda-feira, horas antes da palestra que deu no Porto na Conferência National Geographic. Nela “relembra coisas que nós nos esquecemos e pensamos que são impossíveis hoje": "Quebrar o ciclo de comprar, comprar, comprar é difícil, mas dás um pequeno passo atrás de um pequeno passo e vês a liberdade. É um sentimento óptimo.” Aqui ficam cinco ideias para começar.

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Uma loja de venda a granel, sem embalagens e sem plástico descartável Fabrizio Bensch/Reuters

Espreita para o teu caixote do lixo

“Estamos assoberbados — e eu sei que o problema é assustador. Estou só a propor a minha solução individual, que, na verdade, é 150% senso comum, o que a nossa avó costumava fazer. Começa por olhar para o teu lixo. Eu sei que vais ver que a maior parte são embalagens de plástico — que são muito difíceis de contornar.”

Como evitá-las? Descascar mais e desembalar menos é um dos lemas do movimento Lixo Zero. “Leva sempre que conseguires o teu próprio recipiente (consegues até poupar no preço da embalagem), leva os teus próprios sacos, escolhe alimentos não processados e sem embalagem, mas principalmente, e isto é o mais importante, pergunta ao teu supermercado: ‘podemos ter produtos sem plástico? Ou uma secção a granel?’ Afinal, tu é que estás a gastar o teu dinheiro lá.”

Não leves lixo para casa — e tira o que já lá entrou

“O primeiro passo é tirar todos os itens descartáveis de todas as divisões da casa.” E não comprar mais. Na casa de banho, por exemplo, Claire trocou os frascos de champô por barras sólidas, as escovas de plástico por alternativas feitas de bambu, regressou às lâminas de barbear não descartáveis e, depois de experimentar o copo menstrual, deixou de comprar pensos higiénicos e tampões descartáveis.

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Uma secção com produtos a granel. Fabrizio Bensch/Reuters

Na cozinha, reduziu o consumo de carne e de leites e derivados e estabeleceu relações com agricultores locais, a quem compra produtos frescos e dá o resultado do composto que faz. Claire não sai de casa sem uma colher, um copo, um saco, um lenço de pano. Quando viaja, deixa o sinal de “por favor não incomodar” na porta do quarto, mesmo quando não está lá, para que nada seja “substituído ou lavado desnecessariamente”. Deixou de comprar roupa nova e, quando precisa de alguma peça, procura por opções em segunda mão. “Vais sentir-te melhor porque a tua carteira vai estar melhor.”

Reduzir, reutilizar e reciclar só o que não se pode recusar

Recusa o que não precisas; reduz o consumo; privilegia o que podes reutilizar. Faz compostagem — um dos processos favoritos de Claire, que usa “um cesto para a roupa suja” que pertencia à sogra — e, só depois, separa para encaminhar para a reciclagem o que não podes recusar, reduzir ou reutilizar. São, aliás, estas as directrizes que Bea Johnson, a “guru do desperdício zero”, começou por divulgar

“O movimento desperdício zero não é sobre ser perfeito”, diz, lembrando que vive numa casa “com três crianças e um cão”. É uma forma de vida “ética, eficiente e económica" — cujos vestígios, muitas vezes, cabem num frasco de vidro.

Qual é o verdadeiro impacto das acções individuais?

“Enorme. É o teu ‘poder-dólar’”, evidencia Claire. “Qualquer empresa segue os hábitos dos consumidores. As empresas percebem o que os consumidores querem, por isso estão a apresentar soluções. É muito lento, deviam fazê-lo muito mais rápido. E têm de ter preços muito semelhantes.” Mas não há que desmoralizar: “No dia-a-dia, tu só fazes o que podes fazer — mas nós podemos fazer tanto. Isso é o que estou a tentar lembrar as pessoas. Agora tenho um negócio, mas o que estou a tentar dizer aos meus amigos desde 2010 é: façam o que puderem mas façam-no agora. Porque nós não temos mais tempo. Temos de agir agora.

Como sensibilizar (e inspirar) as crianças para a crise ambiental?

“Os meus filhos nasceram neste ambiente. Todas as roupas deles são em segunda mão, os berços, o carrinho, até as camas e as roupas de cama. As minhas filhas são muito sensíveis ao assunto do plástico e agora as escolas começam a falar muito do tema. Por exemplo, vamos à praia. O que fazemos antes? Limpeza de praia! E elas adoram.” Mas a verdade é que já são os mais novos a liderar a mudança: “As crianças são muito sensíveis porque para eles o que importa são os animais. Eles vêem a tartaruga com a palhinha no nariz e a imagem mexe com eles. Somos nós que temos de mudar, os pais. E quando ouço alguém dizer, a brincar: ‘O meu filho disse que não queria mais palhinhas de plástico’ eu digo ‘Yeah!': somos nós que temos de mudar. Estamos a dar-lhes um planeta de lixo.”

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