UE tem três milhões de trabalhadores destacados. E novas regras para eles

Se for abordado(a) pela empresa com vista a trabalhar no estrangeiro, consulte um especialista. Em 2020, entra em vigor uma nova directiva europeia.

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REUTERS/Francois Lenoir/Arquivo

O ministro da Economia disse esta semana no Parlamento que o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) vai divulgar no estrangeiro ofertas de trabalho em Portugal. Siza Vieira não deu mais detalhes sobre esta medida, como refere a notícia da Lusa, reproduzida por toda a imprensa nacional. E por isso não se sabe se o governante tem um trunfo novo na manga para atrair mão-de-obra em falta ou se foi à comissão de Economia apresentar como novidade algo que o IEFP já vem fazendo através da rede Eures, criada em 1993. Certo é que as declarações de Siza Vieira apontam para uma necessidade europeia – a mobilidade laboral. Dentro da União Europeia (UE), aplica-se a livre circulação de trabalhadores – que é uma obrigação do mercado comum e um direito de todos. Mas essa liberdade tem regras – e estas vão mudar para os chamados trabalhadores destacados.

Na União Europeia há 17 milhões de cidadãos a viverem noutro Estado-membro. Deste universo, 12,4 milhões fazem parte da população activa e neste subconjunto há 11,8 milhões que estão efectivamente a trabalhar noutro país da UE. Além destes, há ainda 1,4 milhões de europeus que, nos dias de trabalho, atravessam fronteiras entre casa e o emprego, aos quais se somam ainda 2,8 milhões de trabalhadores destacados. Foi a pensar neste último conjunto de quase três milhões de cidadãos que, nesta legislatura que está a terminar, o Parlamento Europeu reviu as regras de uma directiva que datava de 1996. Era preciso clarificar o estatuto dos trabalhadores destacados. E protegê-los contra abusos.

Três eurodeputados portugueses estiveram envolvidos na Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais, de onde saiu esta legislação. No início, havia expectativas elevadas, anota o eurodeputado João Pimenta Lopes (CDU)​, com a fixação da regra “salário igual para trabalho igual”. Mas o texto final, aprovado no Verão de 2018, “deixou cair essa referência explícita”, sublinha. Mesmo assim, há alterações com impacto positivo na vida dos trabalhadores destacados, acredita a eurodeputada Sofia Ribeiro (PSD), que está de saída do Parlamento Europeu. “Tentou-se criar condições de equidade nos Estados-membros de acolhimento, para um maior equilíbrio no que toca às condições de trabalho dos residentes e dos que lá estão destacados”, observa. O PÚBLICO também tentou ouvir a terceira eurodeputada portuguesa que participou naquela comissão, Maria João Rodrigues, mas esta eleita socialista não se mostrou disponível.

Limite de 12 meses

Segundo a directiva europeia, que terá de ser transposta para a legislação nacional até 30 de Julho de 2020, um trabalhador destacado é aquele que é enviado para trabalhar temporariamente noutro Estado-membro. Este prazo, que antes não era claro, passa a a estar limitado a 12 meses, como regra. Porém, há excepções que permitem alargar esse prazo para 18 meses. E como esta renovada directiva também abre a porta às empresas de trabalho temporário, este prazo pode até tornar-se muito mais longo, sustenta o deputado comunista Pimenta Lopes. “No limite, um trabalhador pode ser substituído por ele mesmo. Basta que para isso esteja lá colocado por via de um contrato com uma empresa de trabalho temporário e que, findo o prazo, seja lá de novo colocado com base noutro contrato de outra empresa de trabalho temporário”, justifica. 

Para Pimenta Lopes, a revisão ficou por isso aquém do necessário. O deputado comunista diz mesmo que a nova directiva não garante um mercado laboral comum mais justo, antes “permite que se legitime a exportação da precariedade”.

Sofia Ribeiro, do PSD, reconhece que não se conseguiu mudar tudo, porque tanto no Conselho Europeu como no Parlamento se formaram coligações de bloqueio que impediram que se fosse mais longe e que também se reformasse por exemplo as regras das prestações familiares, em que se continua a prejudicar os trabalhadores em mobilidade. Mas destaca melhorias significativas como o facto de a directiva proteger especificamente o direito dos destacados a “todas as remunerações complementares e subsídios que existam no país de acolhimento”.

Pimenta Lopes contrapõe que a proposta da CDU – um trabalhador destacado ganharia o mesmo que se pagaria a um cidadão do país de acolhimento que fizesse o mesmo trabalho – era a única que garantia total equidade. Mas como o texto final não inclui essa referência explícita, os comunistas entendem que há um “alçapão legal” que pode prejudicar um trabalhador destacado. Exemplificando: um engenheiro português que tenha estatuto sénior em Portugal, e que seja destacado para um país estrangeiro, pode ver o salário subir se no destino a remuneração base for superior, mas pode perder o estatuto de sénior e ficar a ganhar menos do que um profissional com esse estatuto no país de acolhimento.

Contra o dumping social

Apenas 4,1% da população activa europeia está em mobilidade. Ainda que sejam 17 milhões de pessoas, é uma fatia muito pequena. Portugal envia quase quatro vezes mais trabalhadores do que os que recebe – mas o número de trabalhadores destacados para Portugal tem vindo a crescer a um ritmo mais acentuado. O PÚBLICO pediu dados diversos sobre esta realidade à Autoridade para as Condições do Trabalho – que ainda este ano vai passar a ter uma congénere transnacional, a Autoridade Europeia do Trabalho –, mas não recebeu dados em tempo útil. 

Países como a França e outros da Europa do Norte e do Centro defendiam uma revisão para combater o chamado dumping social (a substituição de trabalhadores nacionais por estrangeiros “mais baratos” acolhidos no país). Eram conhecidos muitos casos desses, não porque se cometessem ilegalidades, mas porque não há harmonização da legislação laboral, aponta Sofia Ribeiro.

A revisão da directiva era uma oportunidade, mas no momento decisivo, sustenta Pimenta Lopes, as decisões tomadas favorecem mais as grandes empresas do que os trabalhadores. Uma coisa é certa: se for abordado(a) pela empresa com vista a um destacamento na UE, o melhor é consultar-se primeiro com um especialista sobre os direitos. Porque a directiva renovada, que só estará em vigor no próximo ano, presta-se a diferentes leituras, como se vê.

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