UNITA gostava de enterrar Savimbi no Dia de África
Análise do ADN dos restos mortais pedido pelo Governo já chegou, falta só o resultado do estudo pedido pela UNITA e a família a um laboratório da África do Sul, que deve chegar até 30 de Abril. Partido fala em 25 de Maio para as exéquias.
Ainda há gente que hoje se pergunta se Jonas Savimbi morreu mesmo nesse dia 22 de Fevereiro de 2002, perto de Lucusse, na província do Moxico, no Leste de Angola. Apesar das peregrinações ao túmulo no aniversário da morte, apesar das cerimónias anuais organizadas pelo partido que fundou em 1966, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o mistério mantém-se.
“Fala-se tanto hoje em Angola do doutor Savimbi como alguém que estivesse vivo, que talvez esteja no Cuando Cubango ou esteja em Cabinda”, conta ao PÚBLICO Alcides Sakala, dirigente da UNITA, hoje instituído no papel de porta-voz do partido angolano.
Não admira, por isso, que a transladação dos seus restos mortais da campa onde está enterrado no cemitério do Luena, capital do Moxico, para a sua aldeia natal de Lopitanga, município do Andulo, província do Bié, no planalto central angolano, esteja envolvido em tantos cuidados.
Três equipas de médicos-legistas, uma angolana, outra portuguesa (do Instituto de Medicina Legal do Porto) e mais uma sul-africana, recolheram amostras em Janeiro no cemitério do Luena para garantir que se trata mesmo de Jonas Savimbi. Não é um processo fácil, nem rápido: para corpos enterrados há mais de 15 anos existem apenas três laboratórios no mundo capazes de analisar as amostras, explica Sakala, um na suíça e dois nos Estados Unidos da América.
O Governo angolano já tem nas mãos os resultados, falta chegar a conclusão do laboratório sul-africano ao pedido solicitado pela família e a UNITA. Dois dos testes usaram como referência filhos de Jonas Savimbi, o outro comparou os restos mortais com o ADN da irmã.
Apesar de notícias avançadas esta semana de que o partido do Galo Negro já teria recebido os resultados, tanto Alcides Sakala como Adalberto da Costa Júnior, líder da bancada parlamentar da UNITA, garantiram ao PÚBLICO que estes ainda não chegaram. Nem sequer estão atrasados, porque a data limite dada pelo laboratório é 30 de Abril.
Se nada acontecer em contrário. Se o resultado vindo da África do Sul não se atrasar. Se a conclusão a que chegar é de que se tratam mesmo dos restos mortais do fundador da UNITA. Então, é muito provável que a cerimónia das exéquias de Jonas Savimbi venha a acontecer no dia 25 de Maio. Data simbólica importante por ser o Dia de África.
No entanto, essa é, por agora, uma data de trabalho em cima da mesa, dependente de vários factores e a UNITA não se quer comprometer com a sua fixação, depois de a cerimónia já ter estado marcada para o dia 6 de Abril e depois ter sido adiada sine die.
“Continuamos a aguardar que nos cheguem os resultados destes exames para depois se fazer o cruzamento das informações. E a seguir tomar-se-ão as decisões apropriadas no âmbito deste programa das exéquias”, explicou Sakala. “Sempre dissemos isso, que eram datas indicativas”, acrescentou o porta-voz, “o importante agora é que cheguem os resultados, e que haja consensos em volta desta situação, para depois se darem os passos a seguir”.
Acessos em mau estado
Esta semana, a comissão executiva das exéquias, criada pelo partido para lidar com o epicentro daquilo a que chamou “o ano de Savimbi”, reuniu-se para analisar o andamento do programa, tendo chegado à conclusão que se os preparativos da cerimónia estão encaminhados. O mesmo não se poderá dizer dos acessos para chegar a Lopitanga, que se encontram muito danificados.
“Tem um troço com algumas dificuldades por causa da chuva e duas pontes que precisam de intervenção”, explicou o porta-voz do partido.
De acordo com o comunicado da reunião da comissão – orientada pelo presidente do partido, Isaías Samakuva – publicado na página da Internet da UNITA, se é “positivo o estado dos preparativos”, é “preocupante o estado das vias de acesso e das pontes sobre os rios que as atravessam, tendo solicitado a intervenção urgente dos órgãos da administração do Estado”.
Penúria financeira
O segundo maior partido angolano não abunda em dinheiro e para fazer face às despesas que acarreta este enterro oficial do seu fundador abriu uma petição para angariar fundos que ainda decorre. Alcides Sakala preferiu resguardar-se num “a seu tempo será divulgado” quando o PÚBLICO lhe perguntou sobre quanto é que já conseguiram angariar e quanto é que poderá custar o programa das cerimónias.
No entanto, tudo indica que a recolha de contribuições junto dos militantes da UNITA não está a funcionar tão bem como os dirigentes do partido anteciparam. E não é por Jonas Savimbi não continuar a gerar entusiasmo, mas porque a crise económica que Angola atravessa deixou as suas marcas no bolso dos apoiantes do partido do Galo Negro.
Junta-se a isso a penúria financeira do partido neste momento, porque a verba proveniente do Estado, principal fonte de financiamento, está atrasada. Definida a partir da quantidade de votos nas eleições, segundo o cálculo de 1000 kwanzas (2,80 euros) por cada voto, dá à UNITA o equivalente a cinco milhões de euros por ano (1,25 milhões por trimestre), tendo em conta que obteve 1.800.860 votos nas eleições de 2017.
Muita gente
O partido está a contar que a cerimónia das exéquias se transforme numa enorme peregrinação, um dia de demonstração da importância que hoje ainda tem a figura de Jonas Savimbi em Angola e de afirmação da UNITA como uma força política pujante.
No interior do partido fala-se na possibilidade de que dois milhões de pessoas possam rumar à aldeia de Lopitanga, localizada perto do Andulo, cidade da província do Bié com 235 mil habitantes (dados do Censos de 2014). Mesmo tendo em conta que nas províncias do Bié, Huambo e Benguela o partido tem muita implantação, o número parece exagerado – teriam de comparecer todos os que votaram no partido em 2017 e mais uns 200 mil que não votaram ou apoiaram outros partidos.
Mesmo assim, é muito provável que várias centenas de milhares de pessoas estejam presentes ou tenham intenção de lá chegar, algo que se tornará mais difícil se a antiga picada colonial continuar no mau estado que as chuvas a deixaram.