Crónica de um envelhecimento anunciado
Ao nível das políticas públicas, falharam as respostas que poderiam ter prevenido os efeitos negativos do envelhecimento da população portuguesa para a realidade social e económica do país.
O envelhecimento da população portuguesa, que hoje tanto nos preocupa e ocupa, como se de um fenómeno súbito se tratasse, resulta de tendências demográficas e sociais claramente identificáveis e que constituem, em si mesmas, uma espécie de “dores de crescimento” de uma sociedade que, num período de menos de 50 anos, foi palco de mudanças estruturais nas suas condições de vida.
A entrada em massa das mulheres no mercado de emprego (a nível europeu, as mulheres portuguesas são das que apresentam maiores níveis de participação no emprego a tempo inteiro e ao longo da vida) conduziu ao predomínio daquilo que habitualmente se designa como “casais de duplo emprego”, numa realidade a que subjazem factores de natureza claramente positiva, em que se destacam a crescente escolarização, qualificação e autonomia da população feminina, mas também outros de natureza negativa, realçando-se, neste plano, uma tradição de baixos salários que obrigam à existência de dois rendimentos num agregado familiar, ao mesmo tempo que dificultam a opção pelo trabalho a tempo parcial.
As migrações internas e o processo de litoralização determinaram uma crescente impossibilidade de recurso àquela que, tradicionalmente, representava a principal estrutura de apoio em matéria de cuidados, ou seja, a rede familiar alargada, levando à nuclearização e ao isolamento das famílias, em claro contraste com o que sucedia no passado, designadamente nesse Portugal de matriz rural, entretanto deixado para trás, num interior empobrecido e sem expectativas de futuro.
O desenvolvimento de grandes áreas metropolitanas, em que a oferta habitacional se centrou, exclusivamente, no mercado de venda, e em que os recursos, em matéria de transportes, acessibilidades e equipamentos sociais, não compensam o crescente alargamento das distâncias entre o local de trabalho e o local de residência, traduziu-se não apenas num enorme esforço económico para as famílias (decorrente quer da aquisição de habitação própria, quer dos gastos com deslocações e serviços de apoio familiar), como numa efectiva escassez de tempo e de qualidade de vida.
A afirmação repentina de uma sociedade de consumo, deslumbrada e iludida por promessas de crédito fácil, carros de topo de gama e folhetos de agências de viagens, teve como consequência a emergência de um novo padrão de aspirações e desejos, cujo reverso foi a situação de precariedade económica e de sobre-endividamento, em que se viram envolvidas muitas famílias portuguesas.
As elevadas percentagens de desemprego jovem resultaram no adiamento da saída de casa dos pais – a famosa “geração-canguru” –, no adiamento da conjugalidade e, naturalmente, num aumento da idade à data do nascimento do primeiro filho.
Porque a verdade é que ter filhos representa uma decisão ponderada pelas famílias, sendo os principais factores dessa ponderação: 1) a estabilidade financeira percebida no agregado familiar; 2) os gastos expectáveis em cuidados, educação e saúde com cada filho; 3) os apoios monetários face a esses gastos; 4) o recurso a estruturas de apoio (formais e informais); 5) a disponibilidade de tempo; 6) a percepção de qualidade de vida; e 7) a esperança no futuro.
Este breve elenco de indicadores e a avaliação negativa, feita pelos portugueses, a estes diferentes itens nas últimas décadas (mesmo descontando os muito fugazes períodos de euforia) explicam que, em Portugal, a taxa de natalidade se tenha tornado tão consistentemente baixa, ficando sempre aquém daquelas que são as expectativas dos próprios portugueses em matéria de descendência (repare-se que, face ao manifesto ideal dos dois filhos, a realidade é a de uma geração de filhos únicos).
Se combinarmos estes factores, que se traduzem num estreitamento da base da pirâmide demográfica, com o alargamento das idades cimeiras dessa mesma pirâmide, resultante do aumento da longevidade e dos progressos ao nível da saúde, compreende-se facilmente que esta era, há muito, a crónica de um envelhecimento anunciado. Falharam, no entanto, as respostas que ao nível das políticas públicas poderiam ter prevenido os seus efeitos negativos para a realidade social e económica do país. E, também nesta matéria, a reparação dos prejuízos terá custos bem mais elevados do que aqueles que teriam sido os da sua prevenção.