Lisboa dá prédios e terrenos a cooperativas em troca de renda acessível
Novo plano de incentivos ao cooperativismo prevê quota de fogos afecta ao Programa de Renda Acessível. É a cooperativa que cobra as rendas mas é a câmara que selecciona os inquilinos.
A câmara de Lisboa está disposta a ceder terrenos e edifícios municipais a cooperativas de habitação desde que estas garantam que uma parte dos fogos é arrendada a custos controlados com as regras do Programa de Renda Acessível (PRA).
A vereadora da Habitação leva esta quarta-feira a votos uma proposta que visa dar “um novo fôlego à habitação cooperativa” e, pelo caminho, ajudar a autarquia a resolver um dos problemas mais bicudos que tem entre mãos: a escassez de casas a preços compatíveis com os rendimentos de uma grande parte da classe média.
Com a vertente público-privada do PRA ainda parada (o Tribunal de Contas rejeitou o visto prévio por ter dúvidas sobre o modelo) e a vertente exclusivamente pública a dar os primeiros passos, a câmara de Lisboa procura assim criar uma terceira via de acesso a habitação com preços inferiores aos actualmente praticados no mercado.
O negócio, segundo a proposta da vereadora Paula Marques a que o PÚBLICO teve acesso, é simples: o município cede o seu património para construir ou reabilitar e, em contrapartida, as cooperativas reservam algumas casas para o PRA. “A convocação do sector privado não especulativo é fundamental para se juntar aos instrumentos já em marcha”, escreve a vereadora. “Para ultrapassar esta crise habitacional é fundamental a regulação do mercado, o aumento da oferta pública e a convocação de vários parceiros que possam contribuir para suprimir as falhas que persistem.”
Nesta proposta não está definida que percentagem de fogos deve ser destinada ao PRA, mas a cedência é obrigatória em todas as operações promovidas por cooperativas que envolvam mais do que dez fogos. Só as obras que a autarquia considera de “pequena dimensão” (ou seja, com menos de dez casas) estão dispensadas deste imperativo.
Nas operações que envolvam fogos do PRA é a cooperativa que cobra as rendas mas é a câmara que selecciona os inquilinos segundo as regras do programa. Estas serão em tudo semelhantes às já usadas no Programa de Renda Convencionada, em que os interessados se submetem a um sorteio aleatório, todos em pé de igualdade. O único requisito para aceder ao concurso é o valor da renda não representar mais do que 40% do rendimento mensal do agregado.
Esta proposta da câmara lisboeta surge cerca de dois meses depois de o Governo ter aprovado uma alteração legal que permite às cooperativas de habitação estenderem a sua actividade à reabilitação de imóveis, beneficiando de apoios fiscais e financeiros do Estado se os fogos forem vendidos ou arrendados a custos controlados.
Paula Marques diz, no texto que leva à reunião pública desta quarta, que pretende “privilegiar a reabilitação e o uso de património edificado municipal”, “reintroduzir as cooperativas de inquilinos” e “privilegiar a propriedade colectiva ou co-propriedade”. Em todas as modalidades – venda individual, direito de uso, propriedade colectiva ou arrendamento –, a autarquia estabelece que cada casa construída segundo este modelo “deverá ser para habitação própria permanente dos cooperantes”.
A câmara quer evitar que os habitantes dos novos empreendimentos usem as casas para, por exemplo, fins turísticos, mas também pretende que as cooperativas não se vejam forçadas a vender património para se manterem. “Os princípios aqui enunciados visam defender o interesse público, acautelando que estes fogos construídos e ou reabilitados ao abrigo de um programa público de promoção de habitação não se transformam em produto financeiro ou venham a contribuir para a especulação imobiliária”, lê-se na proposta. “Deverá equacionar-se mecanismos que permitam às cooperativas meios de alavancar a gestão futura sem ter de colocar os fogos no mercado.”
A proposta é vaga quanto a estes mecanismos, até porque se trata de um documento com “princípios orientadores”, mas uma das soluções apontadas é a criação e arrendamento de lojas ou outros equipamentos. Paula Marques espera que, brevemente, avancem projectos-piloto “que tenham a possibilidade de ser replicados”.