Nos morangos, o tamanho importa?

É altura de as bancas dos mercados e as prateleiras dos supermercados se encherem-se de morangos, vermelhos, carnudos, muito grandes ou, em alguns casos, pequenos e menos lustrosos. O que é que o aspecto de um morango nos diz sobre o seu sabor? Falámos com dois produtores com opiniões totalmente opostas.

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Quando chegamos ao Ameal, Torres Vedras, para conhecer a produção da HortiArt, Artur Correia e a família estão a embalar os morangos, separando-os por caixas conforme as categorias, para de seguida os pesar e pôr em paletes. No ar sente-se um cheiro a morango e nas caixas estes exibem-se, orgulhosos, num vermelho vivo. 

A divisão faz-se entre morangos de primeira e morangos de segunda. O que é isso?, perguntamos. “Está à vista”, responde Artur, sorrindo perante a pergunta. Pega num dos morangos maiores. “Este é de primeira.” Depois segura um ligeiramente mais pequeno. “E este é de segunda.” A diferença tem a ver apenas com o tamanho? “Sim, o consumidor gosta de coisas bonitas, se não for bonito, não vale, não o querem.”

Não era assim antigamente, quando Artur começou a produzir morangos, na década de 80 do século passado. “Comecei em 84, mas o meu pai já fazia morangos antes”, conta. “A primeira zona a produzir foi Sobral da Abelheira, depois houve alguém que trouxe para o Ameal e começou-se a fazer aqui também. Mas não havia a indústria do morango que há agora, mesmo a nível europeu.”

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Hoje, na zona do Ameal serão “umas oito a dez pessoas” que se dedicam a este fruto. “O teu irmão, o teu sobrinho, tu…”, enumera a mulher de Artur. Mas há também alguns produtores que não pertencem à família. “O mercado mudou, mudou a maneira de fazer e a prática agrícola”, continua a contar Artur. Um exemplo: “Dantes, a mesma planta produzia durante três anos, presentemente só produz um ano. Isso obriga a replantar todos os anos, dá mais trabalho mas acaba por ser mais rentável.” A explicação é simples, a planta nova produz mais, enquanto as mais velhas vão dando menos frutos, e frutos mais pequenos, à medida que o tempo passa.

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Voltamos à questão do tamanho. “É que antigamente o mercado também não era tão exigente como é hoje.” Há, apesar de tudo, diferenças. “Lisboa ainda consome destes [de 2.ª categoria] mas os mercados do Porto ou de Madrid não querem nada disto, só procuram morangos de 1.ª.” Já na Europa, as coisas mudam de figura, foi-se apercebendo Artur. Os franceses, os ingleses e os alemães ainda mostram preferência pelos morangos mais pequenos.

Mas não são os espanhóis grandes produtores de morango, de tal forma que em determinadas alturas ameaçam mesmo inundar o mercado português? E, mesmo assim, os produtores portugueses exportam para Espanha? Artur dá uma gargalhada: “Eles mandam para cá e eu mando para lá. É tão simples como isso. Em 2018, quase metade da produção foi para Madrid. Este ano vamos ver, depende dos mercados. Daqui para a frente, os morangos espanhóis começam a perder qualidade porque eles iniciam a produção mais cedo e têm mais horas de sol no Inverno do que nós.”

Convida-nos a acompanhá-lo até ao campo para ficarmos a conhecer a produção. “Costumo plantar em Outubro e este ano comecei a colher em Janeiro”, explica. As plantas novas dão fruto geralmente até ao final de Junho, mas os chamados remontantes (plantas que florescem várias vezes durante o ano) continuam a produzir. Artur diz que nunca vai para além de Agosto por uma razão que se prende com a disponibilidade de mão-de-obra. “Nessa altura, aqui na zona começa a apanha de pera Rocha, o pessoal vai-se todo embora e começa a haver problemas. Por isso, eu corto. Acaba-se o morango.”

Em Abril, quando visitamos os campos, estamos em plena produção. Debaixo dos plásticos que os protegem da chuva, que nesta altura do ano pode cair sem aviso prévio, ou do excesso de sol, os morangos crescem, próximo da terra e muitas vezes escondidos debaixo das folhas. “Dizem os entendidos que até 25 graus é bom para a planta”, afirma Artur. “Eu costumo dizer que se o tempo está agradável para a pessoa, está agradável para a planta.”

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Os trabalhadores avançam ao longo das fileiras de morangueiros, atentos para não deixar ficar nenhum dos que já atingiram o estado de maturação ideal. Como os morangos vão sempre nascendo ao longo de vários meses, é preciso percorrer os carreiros diariamente para ver quais os que já estão prontos a ser colhidos. E, apesar dos camalhões (as elevações dos terrenos que evitam que os frutos fiquem em contacto directo com a terra), facilitarem um pouco o trabalho, a apanha do morango implica andar dobrado, o que é sempre um esforço.

Mesmo assim, recorda o produtor, não tem nada a ver com o que era antigamente. “Antes era tudo feito à mão, nem sequer havia a rega gota a gota. Quando começámos a fazer morangos aqui no Ameal a rega era por alagamento e não havia estes camalhões altos que facilitam a apanha.” Sempre de olho no trabalho dos funcionários, tarefa que hoje partilha também com o filho, vai explicando que “o primeiro cuidado é não amassar o morango”. E avisa: “Se os dedos ficarem marcados, é um desastre. Tem que se ter sensibilidade. E é preciso vir com a roseta e não deixar o pauzinho, porque pica os outros.”

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Cada trabalhador tem dois baldes diferentes onde vai colocando os morangos conforme a categoria – os maiores num, os mais pequenos noutro. Quando chegam ao armazém é só verificar se a separação no campo foi bem feita e corrigir um caso ou outro.

Artur continua a avançar, atento, verificando como estão a evoluir os morangueiros. Usa variedades diferentes, uma das quais é a Rociera, espanhola, e outra, o Splendor, americano. “A Rociera é robusta, e tem um bom calibre, que para o mercado português e espanhol é essencial. Uma boa variedade tem que dar frutos grandes, bonitos e que aguentem muito tempo, é o que o consumidor quer. É azedo? Mete-se açúcar, já fica doce.”. A prova de que isto é apenas “humano”? “Tenho netos pequenos que vêm para aqui às vezes e eles querem sempre os grandes, nunca vão para os pequenos.”

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Os morangos da Quinta do Poial, da variedade Mara des Bois, são mais pequenos do que os outros @fernandocardoso1492

"O sol é que os torna doces"

Joana Macedo, da Quinta do Poial, em Azeitão, onde faz agricultura biológica (e cujos produtos vende ao sábado no Mercado Biológico do Príncipe Real, em Lisboa), tem uma perspectiva completamente diferente do que os consumidores querem. “O que eu ouço as pessoas dizerem é que já não têm paciência para morangos muito grandes.” Ela aposta noutro tipo de variedades, como o francês Mara des Bois, que “é um cruzamento entre um Mara e um morango silvestre”. O Mara “dá-lhe uma textura mais carnuda”, que potencia assim o sabor do fruto silvestre.

O morango silvestre, explica Joana, “tem uma textura mais farinhenta”, daí que o cruzamento com o Mara (a planta foi feita em França) tenha grandes vantagens. São, contudo, morangos não só mais pequenos, mas também mais sensíveis. “Numa embalagem normal duram dois ou três dias, se forem muito bem acondicionados podem durar até uma semana.” Aconselha, no entanto, a que não fiquem muito encostados uns aos outros porque, precisamente por serem sensíveis, não resistem tão bem ao contacto.

No Poial, a produção está agora a começar, mas os morangueiros são remontantes, o que significa que vão produzir durante vários meses. “Enquanto estiver bom tempo vão estar sempre a dar, mas mesmo assim precisam de um período de hibernação para produzir melhor. A chuva não é boa para eles, porque se enchem de água e ficam com pouco sabor.” Já o sol é “o que os torna doces”, diz Joana, que fornece também alguns dos principais restaurantes da zona de Lisboa.

E é assim que, durante os próximos meses, os morangos vão chegar aos mercados, lojas, super e hipermercados portugueses. Grandes, pequenos, mais doces ou menos doces – no final, quem decide o que “o mercado quer” é quem compra e que pode acreditar que o tamanho não importa ou que, pelo contrário, importa e muito.

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