Os primeiros parágrafos da lenda, escritos entre duas taças
No dia 16, há segunda mão dos quartos-de-final da Liga dos Campeões, no Camp Nou, entre Barcelona e Manchester United, mas em 1991, os tempos são outros. Os ingleses voltam pela segunda vez a não dar hipótese: batem um “Dream Team” de Cruyff em Roterdão, na final da Taça das Taças.
O hooliganismo tem consequências gravíssimas, em Heysel, na final da Taça dos Campeões entre Liverpool e Juventus: 39 mortos, mais de 600 feridos. O futebol inglês fica de castigo, sem poder sair da ilha. Vencedor de uma Taça que aguenta o contestado Alex Ferguson ao leme três anos após a chegada – começa com uma vitória por 1-0 em Nottingham, e passa por dois jogos de repetição, com o Oldham, nas meias-finais, e com o Crystal Palace, no jogo decisivo –, o Manchester United aproveita o levantamento da suspensão europeia. Cinco anos depois de ter sido eliminado nos penáltis, na Taça UEFA, pelo Videoton, regressa à Taça das Taças, troféu já ganho curiosamente por Fergie, ao serviço do Aberdeen, na final de Gotemburgo de 1983, frente ao Real Madrid.
Quatro triunfos afastam os húngaros do Pecsi e os galeses do Wrexham. Finalistas vencidos, os “dragons” ocupam o lugar do convidado fronteiriço Hereford, que vence a Taça de Gales, mas está impedido de se apurar para a Europa por ser inglês. Nos quartos de final, o Montpellier, com Laurent Blanc patrão na defesa e o colombiano Carlos Valderrama a puxar as rédeas do ataque, sobe o nível de exigência: os “red devils” só conseguem um empate a um golo em casa, com Lee Martin, herói da final da Taça, a introduzir a bola na própria baliza. A contas com uma lesão nas costas desde a pré-época, não volta a ser o mesmo, e a contratação de Dennis Irwin no ano seguinte significa o fim de linha do lateral-esquerdo em Old Trafford. Na segunda mão, Clayton Blackmore e Steve Bruce, este com o 9º penálti certeiro da temporada, expressam em golos uma noite memorável (0-2).
Mesmo sem o capitão Bryan Robson, suspenso e a testar-se aos microfones televisivos como comentador, segue-se magia, em Varsóvia, com um triunfo por 3-1 sobre o Legia. O 1-1 de Old Trafford, três dias depois de ter perdido a Taça da Liga para o Sheffield Wednesday, torna-se irrelevante.
O United está na final, e tem pela frente o Barcelona. O De Kuip, em Roterdão, é o palco da festa.
Favoritismo catalão, cenário britânico
Do lado dos espanhóis, são os turcos do Trabzonspor, os islandeses do Fram Reykjavyk, os russos do Dínamo de Kiev e os italianos da Juventus a ficar pelo caminho.
O Barcelona de Johan Cruyff, com Ronald Koeman e Michael Laudrup – Hristo Stoichkov não está disponível –, é favorito. Sete anos antes, em 1984, nos quartos-de-final da mesma competição, o primeiro confronto entre os dois gigantes tinha sido memorável. Depois de uma derrota por 2-0 no Camp Nou, os “red devils” venceram o Barça “romântico” de César Luis Menotti, com Schuster e Maradona, por 3-0.
Os adeptos acreditam. Mais 25 mil viajam em «ferries» pelo Mar do Norte. A chuva até dá mais conforto aos britânicos. O United, todo de branco, é um verdadeiro Reino Unido, com sete ingleses, dois galeses, um escocês e um irlandês.
Hughes e a vingança servida com golos
A meias entre Steve Bruce e Mark Hughes, o primeiro golo chega aos 67 minutos, com Busquets perdido entre os postes. Se o central fica a pensar que o golo é seu, o segundo não deixa dúvidas a ninguém, sete minutos depois. “Sparky” Hughes contorna o guarda-redes e emenda para a baliza de ângulo reduzido. Só que as certezas duram cinco minutos apenas, quando um livre de Koeman reduz para 2-1.
Seguem-se 10 minutos intensos, e Les Sealey no papel de herói, semanas depois de um corte profundo no joelho, que lhe expõe o osso – é o guarda-redes, com a perna fortemente ligada, quem se declara apto. Blackmore tira uma bola de cima da linha, e os catalães vêem um golo anulado por fora de jogo.
Nada a fazer. É a Robson quem cabe a honra de levantar o primeiro troféu europeu desde 1968. Hughes também se vinga: esteve uma época ao serviço dos catalães, acabou emprestado ao Bayern e depois vendido ao United, e agora rouba a Taça a quem nele não acreditou.
Alex Ferguson confirma-se em definitivo, faz-se lenda. O Barça “Dream Team” vencerá no ano seguinte a Taça dos Campeões, em Wembley, perante a Sampdoria, o que valoriza ainda mais a vitória britânica. Depois de ter quebrado o domínio do Old Firm com o Aberdeen, alargando o seu crescimento ao futebol europeu através do triunfo na Taça das Taças e na Supertaça Europeia, é a vez de o escocês elevar o Manchester United à força mais poderosa do futebol inglês. Em 1999, no Camp Nou, a sede do gigante é saciada com a Liga dos Campeões, arrebatada no Fergie Time frente ao Bayern.