“Brexit” faz disparar pedidos de nacionalidade e tempos de espera pelo cartão de cidadão
Agendamentos electrónicos, criados para melhorar os tempos de espera, implicam esperas de alguns meses. Governo confirma procura “crescente” por parte de cidadãos com morada no Reino Unido.
Agendar electronicamente a renovação do cartão de cidadão do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) pode ser desmotivante. Na região de Lisboa, a maior parte dos pedidos de agendamento implicam um tempo de espera mínimo de dois meses. Em Odivelas, por exemplo, a espera pelo atendimento na Loja do Cidadão pode prolongar-se até aos cinco meses, com as primeiras vagas disponíveis apenas no final de Setembro. Ao PÚBLICO, o Ministério da Justiça justifica os números com o aumento de pedidos por parte de cidadãos do Reino Unido e lembra que os cidadãos com urgência podem dirigir-se directamente a um balcão, sem agendamento previamente.
O PÚBLICO decidiu testar os agendamentos electrónicos do Instituto dos Registos e do Notariado, uma funcionalidade introduzida há quatro meses para melhorar os tempos de espera. A simulação de um pedido feito esta sexta-feira devolve uma longa espera: para Lisboa, a próxima data disponível acontece apenas a 18 de Junho – um tempo de espera mínimo superior a dois meses. O mesmo acontece nos distritos de Oeiras e Setúbal. Caso queira pedir um novo passaporte, o agendamento só está disponível também a partir de Junho. Em Almada, só é possível fazer agendamentos a partir de 30 de Julho.
Já para o Porto, os resultados são mais animadores. Ainda assim, o agendamento disponível implica o tempo de espera mínimo de um mês. Fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, os tempos de espera são mais curtos. Para Vila Real, Viana do Castelo e Faro as primeiras entradas alternam entre uma semana e um mês de espera.
Três grandes motivos
“Tem sido crescente a procura por parte de cidadãos com morada no Reino Unido”, começa por contextualizar fonte do gabinete de comunicação do Ministério da Justiça.
“São cidadãos nacionais, instalados naquele país que por força dessa permanência podemos dizer que ‘esqueceram’ a sua documentação e que, agora, por força desta conjuntura de perspectiva de saída da União Europeia, a procuram renovar”, justifica. “Para termos uma ideia, e apenas no balcão do Campus da Justiça [em Lisboa], além da tendência crescente dos últimos meses, só de Dezembro para Fevereiro os pedidos duplicaram de 700 para 1400. Apenas este acréscimo de 700 cidadãos, com uma média de 35 pedidos por dia, só por si ultrapassa a capacidade equivalente de um balcão, que em média efectua quatro atendimentos de pedido por hora”, explica o Ministério da Justiça.
Dados mais recentes revelam que em Março foram realizados 216,4 mil pedidos de cartão de cidadão nos balcões com morada no território continental. Destes, cerca de 26% (o equivalente a 56,2 mil pedidos) foram efectuados nos 42 balcões de Lisboa e na respectiva área metropolitana. Na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, por exemplo, a média diária no último mês foi de 184 pedidos de cartão de cidadão. Durante o mesmo período foram entregues 152 cartões e registados 75 pedidos de passaporte.
Outra das explicações é a alteração à lei da nacionalidade que conduziu ao “aumento de cidadãos nacionais que, pela primeira vez, vêm requerer o seu cartão de cidadão”. Em 2017, o número de atribuições de nacionalidade foi de 74 mil. No último ano, o número subiu para 105 mil.
“Por último, temos também a opção da generalidade dos cidadãos em sistematicamente se dirigirem aos serviços à mesma hora, imediatamente antes da abertura dos serviços ao público, e a elevada concentração em simultâneo nos mesmos locais de atendimento”, aponta o Ministério da Justiça, que cita como exemplo o Balcão do Campus da Justiça que chega a ter, diariamente, uma fila de 150 pessoas antes do horário de abertura.
Alternativas
Mas Lisboa não é a única cidade com os agendamentos congestionados. Se aplicarmos a mesma simulação de agendamento electrónico para Vila Nova de Gaia, uma das cidades portuguesas com mais habitantes, o pedido ou renovação do cartão de cidadão está disponível para o próximo mês, mas apenas na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia. Para os restantes locais, como é o caso da Loja do Cidadão, terá de esperar até Julho para conseguir marcar.
O Ministério da Justiça garante que “muito tem sido feito para evitar esta situação e os constrangimentos identificados são restritos a Lisboa e à área metropolitana de Lisboa”.
Como alternativa, o gabinete lembra que “o cidadão não tem que esperar dois meses para fazer o seu cartão de cidadão” e que o pode fazer deslocando-se directamente e sem marcação a um balcão de atendimento e efectue o seu pedido. Além disso, “o IRN alerta o cidadão com uma antecedência de 60 dias de que deve planear a renovação do seu documento de identificação enviando um aviso e remetendo para o efeito o endereço onde pode realizar o agendamento do seu pedido e entrega”.
Existe ainda a possibilidade de pedir uma segunda via do cartão de cidadão online caso tenham mais de 25 anos (em caso de perda, roubo ou destruição do cartão) ou caso sejam cidadãos com mais de 60 anos.
Sindicato: faltam 1500 pessoas
O representante da Associação Sindical dos Conservadores dos Registos aponta responsabilidades à falta de investimento nos recursos humanos e no material informático.
Virgílio Machado afirma que a situação “é a prova provada que o agendamento que pretende reduzir as filas de espera não funciona”. “O primeiro agendamento é daqui a dois meses, alguns passam para três e quatro meses e até temos agendamentos disponíveis só para daqui a seis meses. Quer isto dizer que [o agendamento electrónico] não funciona e não resolve o problema de fundo que é a falta de trabalhadores nos serviços de registo e de notariado”, afirmou esta sexta-feira, em declarações à TSF.
“Calcula-se que faltem, pelo menos, 1500 pessoas”, estima o representante sindical. "Há 20 anos que não entra ninguém para os registos de notariado. Só saem [funcionários]. Está um pequeno caos. Ou um grande caos”, corrige. “O Governo tentou, através da marcação, diminuir as filas de espera que se verificam em todos os pontos do país. Não é só em Lisboa e no Porto que há espera, apesar de nestas cidades ser maior, por razões óbvias”.
“Parece que esta estratégia só vem provar aquilo que nós defendemos”, avalia. “A de que é preciso uma intervenção de fundo, não só nos recursos humanos mas também no parque informático, que tem 15 anos”, remata o porta-voz dos trabalhadores.
A escassez de recursos humanos é reconhecida pelo IRN, que estima, no entanto, um défice inferior ao sindicato, estimando que seja necessário contratar 840 funcionários. Para esse efeito, o instituto aguarda a publicação de uma portaria com o regulamento dos concursos.