Presidente dos colégios GPS investigado por compra de ouro

Ordens de compra foram dadas por familiares de António Calvete e terão servido, segundo o DCIAP, para “subtrair à acção da justiça vantagens obtidas de forma ilícita”

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MP tem na mira transacções de compra de ouro no valor de 400 mil euros MICHAEL BUHOLZER /REUTERS

O administrador dos colégios GPS, o ex-deputado socialista António Calvete, está novamente a ser investigado pelo Ministério Público, desta vez por suspeitas de branqueamento de capitais ligadas à compra de ouro por familiares seus.

Este novo inquérito foi aberto no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, onde se investiga a criminalidade económico-financeira altamente organizada e diz respeito a ordens de compra de ouro no valor de pelo menos 400 mil euros dadas pelos titulares de várias contas do Novo Banco – dois filhos do administrador do grupo GPS e a sua companheira. Sucede que antes destas ordens terem sido dadas, há cerca de um ano, António Calvete tinha transferido avultadas quantias para as contas bancárias em causa.

Num requerimento que fez ao juiz de instrução criminal Ivo Rosa para que o magistrado lhe facultasse cópias da investigação patrimonial e financeira feita a este arguido, a procuradora encarregue deste segundo processo explicava quais eram as suas suspeitas: o antigo governante tinha tentado adquirir ouro com o objectivo de “subtrair à acção da justiça vantagens obtidas de forma ilícita”. A operação terá, porém, falhado: os elevados montantes transferidos, num total de perto de um milhão de euros, fizeram disparar os alertas bancários automáticos usados precisamente para prevenir o branqueamento de capitais e o Ministério Público pôs-se em campo. O PÚBLICO tentou apurar se neste inquérito estão ainda em causa os colégios, mas sucesso. “O inquérito encontra-se em investigação, com diligências em curso, e está em segredo de justiça”, limitou-se a responder a Procuradoria-Geral da República.

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Tanto António Calvete como outros quatro administradores dos colégios GPS têm julgamento marcado para 12 de Setembro. Responderão por burla qualificada, falsificação de documentos e peculato. O Ministério Público calcula que os administradores dos colégios se tenham apoderado para seu uso pessoal de 30 dos 300 milhões de euros que o GPS recebeu do Estado entre 2005 e 2013 por conta dos chamados contratos de associação, que são os apoios que o Estado concede ao ensino privado que faz as vezes do público nas localidades onde este último não existe, ou não chega para todas as crianças que estão na escolaridade obrigatória.

A um dos administradores do grupo foram apreendidas pelas autoridades seis dezenas de automóveis. Da frota de veículos faziam parte dois Porsches, e ainda vários Audis e Mercedes de topo de gama. Segundo a acusação, parte dos carros foram "posteriormente revendidos pelos arguidos, por preço inferior, a familiares ou pessoas da sua confiança”.

O Ministério Público apontava também o dedo a um antigo secretário de Estado, bem como a um ex-director regional de educação, tendo acusado ambos de corrupção (ver caixa). Apesar de o juiz de instrução Ivo Rosa ter ilibado estes dois arguidos, por considerar não existirem indícios suficientes para os levar a julgamento, a decisão ainda pode ser revertida, uma vez que o Ministério Público recorreu dela para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Até ter sido contactado pelo PÚBLICO, António Calvete ignorava estar a ser alvo de uma segunda investigação, garante o seu advogado, Mário Diogo. “A suposta imputação de uma infracção relacionada com branqueamento de capitais não tem sentido: não só não foi praticada qualquer conduta que possa ser considerada um acto de branqueamento ou de dissimulação de capitais, como tal crime exige uma conduta ilícita anterior que tenha produzido vantagens (o chamado crime precedente), conduta essa que de todo não ocorreu”, refere o defensor do antigo deputado, recordando que o prazo apertado dado aos arguidos para rebaterem a acusação fez com que estes só tivessem conseguido contestar os crimes mais graves na fase instrutória. “Será, pois, na fase de julgamento, que, seguramente, se comprovará que não existiu qualquer crime que possa ser válida e legitimamente imputado a António Calvete, o que implicará a sua absolvição”, diz ainda Mário Diogo.

O Ministério da Educação continua a financiar vários destes colégios através dos contratos de associação, muito embora o grupo GPS já não tenha existência formal.

A assinatura misteriosa que ninguém fez
Na origem das suspeitas de corrupção imputadas pelo Ministério Público ao ex-secretário de Estado da Educação José Manuel Canavarro e ao seu director regional de Educação de Lisboa estão os contratos de associação que ambos viabilizaram com colégios do grupo GPS, para o qual viriam depois a trabalhar. 

Ilibados entretanto pelo juiz Ivo Rosa, os dois arguidos sempre se escudaram nos pareceres dos serviços. Sucede que a técnica que aparece a assinar dois desses pareceres em Fevereiro de 2005 garantiu repetidamente, nas várias inquirições a que foi submetida pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público na qualidade de testemunha, que nunca os redigiu, muito embora reconheça ser sua a assinatura que deles consta. “Não tenho explicação para isso”, declara uma e outra vez, embora reconheça que passou demasiado tempo para se recordar com detalhe do que se terá passado. A trabalhar na altura no departamento da direcção regional que se dedica à organização da rede escolar, a professora invocou duas ordens de razões para nunca se ter pronunciado sobre a necessidade de abertura de dois colégios no concelho de Mafra (Santo André e Miramar), outros tantos no das Caldas da Rainha (Rainha D. Leonor e Frei Cristóvão) e ainda sobre a extensão da área de influência de um quinto estabelecimento do grupo GPS em Santarém, o Infante Santo, tudo com o objectivo de suprir a carência de escolas públicas. Por um lado não estava nas suas funções pronunciar-se sobre escolas privadas; por outro, a zona geográfica que lhe competia não era esta. Uma colega sua contou, porém, ao Ministério Público que a técnica em causa foi mesmo encarregue pelo director regional de emitir parecer sobre aqueles colégios, ainda que a contragosto.

Embora reconheça que os colégios faziam falta em Mafra e nas Caldas, o Ministério Público defende que o mesmo não sucedia no caso de Santarém. Um funcionário da direcção regional referiu-se mesmo a este estabelecimento, situado na zona rural do concelho, como “um disparate sem tempo num sítio sem população, um monstro arquitectónico que se vê a quilómetros de distância”.

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