“Não há confusão entre família política e política familiar”, garante o Governo

A reacção de São Bento é também um ataque a outras relações “perigosas e não escrutináveis” que existem com “interesses, negócios e sectores privados” e que “não vêm publicadas em Diário da República”.

Foto
António Costa. Governo diz que não há qualquer novidade, a não ser a proximidade de eleições... Nuno Ferreira Santos

A polémica não é nova, mas só agora estalou verdadeiramente o verniz no Governo. A reacção de São Bento às notícias e considerações sobre as relações familiares e a referida endogamia no Governo surge no dia em que o PÚBLICO dedicou um editorial ao tema e em que Marcelo Rebelo de Sousa e Cavaco Silva se referiram ao assunto. “Não há confusão entre família política e política familiar. Isso não faz qualquer sentido e os números das nomeações dos membros do Governo demonstram isso mesmo”, assume ao PÚBLICO fonte próxima do primeiro-ministro. 

A fonte acrescenta que “perigosas e não escrutináveis, e essas sim graves e preocupantes, são as relações que existem com interesses, negócios e sectores privados e não vêm publicadas em Diário da República”. São Bento lembra que não há “rigorosamente nenhuma relação familiar nova desde a constituição do Governo”, pelo que não há qualquer novidade. “A única novidade é haver eleições”. 

Feitas as contas, refere o gabinete de António Costa, “o Governo tem 62 membros”, entre ministros e secretários de Estado, e apenas se tem falado de quatro pessoas. “Não houve nenhuma mudança no Conselho de Ministros. E ninguém pôs em causa a sua competência e mérito profissional. Ou seja, não é um ‘emaranhado’ de relações familiares”. A palavra está no editorial do PÚBLICO.

Desses governantes, segundo as mesmas contas, 26 são independentes, 49 não tinham experiência governativa anterior e 32 nunca tinham tido qualquer função política. “Dificilmente haverá um Governo com a quantidade tão expressiva de independentes, com quantidade tão expressiva de membros sem experiência governativa e com quantidade tão expressiva de elementos sem qualquer experiência política.

São Bento acrescenta ainda que “dificilmente haverá um Governo que tenha recrutado tantas pessoas para funções ministeriáveis sem pertencerem a um partido político: dos 17 ministros, sete não tinham experiência governamental anterior. Não há confusão entre família política e política familiar. Isso não faz qualquer sentido e os números das nomeações dos membros do Governo demonstram isso mesmo.”

Finalmente, conclui a fonte do PÚBLICO, “a individualidade de cada um dos membros do Governo não se dilui nas suas relações familiares. As relações são escrutináveis e ninguém pôs em causa o mérito profissional dos visados”.

Marcelo fala de fechamento

A reacção do Governo surgiu horas depois de o Presidente da República se dizer preocupado com a tendência dos partidos para se “fecharem”, em momentos difíceis, sobre o círculo íntimo do seu líder. Não são apenas as relações familiares no Governo que o incomodam, mas a escolha sistemática de pessoas do núcleo duro do líder, em particular os amigos de infância e juventude, ou aqueles com quem se partilham interesses económicos.

“O problema grave não é das famílias, mas o fechamento dos partidos no núcleo duro do líder, nos puros. Se é família ou não, é secundário”, disse fonte próxima de Marcelo Rebelo de Sousa ao PÚBLICO, sublinhando que essa tendência não é exclusiva do PS, pois também já aconteceu em alguns momentos do PSD.

No actual Governo, além das relações familiares, há amigos  do primeiro-ministro - como Pedro Siza Vieira ou Eduardo Cabrita, ambos contemporâneos de António Costa na faculdade. Na memória está ainda a contratação do “maior amigo” de Costa, Diogo Lacerda Machado, que não chegou a integrar o Governo, mas foi o representante do Estado em várias negociações, como a privatização da TAP, para a qual acabou por ser nomeado como administrador não executivo.

“O PS está a fechar-se, como o PSD nalguns momentos também se fechou”, acrescentou a mesma fonte, sublinhando que, entre os sociais-democratas, mais do que relações familiares, são identificáveis proximidades da máquina partidária, interesses económicos e relações de amizade.

A convicção em Belém é que Costa fará o mesmo, se formar um novo Governo. “Já fez as remodelações que tinha a fazer, vai manter os mesmos, à excepção de três ou quatro pastas: Educação, Ciência e talvez a Justiça”.

O Presidente da República tem desvalorizado a polémica desde a última remodelação, quando Mariana Vieira da Silva, filha do ministro do Trabalho, José Vieira da Silva, se tornou ministra da Presidência. Na altura, disse que o que estava em causa era “mérito próprio” e lembrou que a situação já existia na composição inicial do Governo.

Cavaco vem à liça

Esta semana, depois de serem conhecidas outras nomeações de familiares de membros do Governo, como a da mulher do ministro Pedro Nuno Santos para o gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Marcelo voltou a lembrar: “Aceitei a solução nomeada pelo Presidente Cavaco Silva”.

O antigo chefe de Estado não terá gostado de se ver envolvido na polémica. E ontem na Covilhã, disse aos jornalistas: “Não me recordo de ter conhecimento completo - já foi há muitos anos - entre relações familiares dentro do Governo, mas, por aquilo que li, não há comparação possível em relação ao Governo a que dei posse em 2015. E, segundo li também na comunicação social, parece que não há comparação em nenhum outro país democrático desenvolvido”, afirmou. com Lusa

Sugerir correcção
Ler 33 comentários