Rangel defende que Marcelo devia alertar Costa para “promiscuidades familiares” no Governo
O Governo não preparou o país para o “Brexit”, acusa o cabeça de lista do PSD às europeias em entrevista à Lusa.
O cabeça de lista do PSD às europeias, Paulo Rangel, defende que o Presidente da República já devia ter avisado o primeiro-ministro para não repetir o que chama de “promiscuidades familiares” no Governo.
Em entrevista à agência Lusa, Rangel considerou que a existência de vários casos de ligações familiares em gabinetes de governantes de António Costa “não é normal e constitui um atentado gravíssimo ao princípio republicano”.
“No Conselho de Ministros, tem um marido e mulher, um pai e filha. Tem agora uma chefe de gabinete do sucessor do marido, cuja mulher também gere um fundo…”, criticou, referindo-se respectivamente aos ministros Eduardo Cabrita e Ana Paula Vitorino, José Vieira da Silva e Mariana Vieira da Silva, Pedro Nuno Santos e ao secretário de Estado Duarte Cordeiro.
Rangel elencou ainda a recente eleição de Francisco César para liderar a bancada socialista nos Açores, filho de Carlos César, que dirige o grupo parlamentar do PS na Assembleia da República, ou o facto de o irmão da secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, também integrar o Governo, como secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, entre outros casos “de primos e cunhados”.
“Que as pessoas em Portugal não rasguem as vestes e não se escandalizem com isto é sinal de uma certa doença e de um adormecimento da democracia”, afirmou, criticando o papel da comunicação social, mas também o do Presidente. “Eu acho que aqui o próprio Presidente da República, que desvalorizou o caso, não devia desvalorizar, não é salutar para a democracia”, defendeu. Questionado qual poderia ser o papel de Marcelo Rebelo de Sousa, Rangel começou por lembrar que foi o Presidente da República quem os nomeou, no caso dos ministros. Interrogado se poderia ter recusado a proposta do Governo, o eurodeputado respondeu: “Devia ter advertido o primeiro-ministro de que não deveria fazer isso”.
Depois de no discurso de 25 de Abril de 2007, quando era líder parlamentar do PSD, ter denunciado o ambiente de “claustrofobia democrática” que considerava viver-se no país no tempo do Governo de José Sócrates, Paulo Rangel defendeu que este tema merecia outra intervenção do género na sessão solene.
“Isto merece um discurso do 25 de Abril, nós fizemos o 25 de Abril para termos os titulares de cargos políticos a serem todos familiares uns dos outros? É essa a sociedade democrática e a República que queremos?”, questionou, apontando que tal nunca seria permitido ao anterior executivo de Passos Coelho. No entanto, o eurodeputado social-democrata considerou que a solução não passa pela legislação, salientando que “não há nenhum Governo na Europa que tenha esta situação”.
“Se se aplicasse o Código de Procedimento Administrativo nas reuniões de Governo levaria a impedimentos sistemáticos de votações no Conselho de Ministros”, defendeu, frisando que “se se tratasse de um caso isolado, não haveria qualquer problema”.
Depois de no último Conselho Nacional do PSD ter dito que, “em certos aspectos, António Costa era pior que José Sócrates”, Paulo Rangel apontou como outro exemplo “a operação de propaganda” com que o Governo apresentou a redução de preços dos passes sociais. “Não ponho em causa que haja benefícios, mas há uma grande discriminação do interior”, afirmou.
Com uma verba inferior à que foi anunciada, “era possível eliminar todas as portagens das auto-estradas do interior”. Para Paulo Rangel, “não é de espantar que a estratégia seja a mesma”, já que se repetem no actual Governo rostos do núcleo duro do executivo de Sócrates, como Vieira da Silva ou Santos Silva, além do próprio primeiro-ministro. “A manobra de propaganda que António Costa e Pedro Marques andaram a fazer, com inaugurações em Janeiro para depois lançar o ministro-candidato, candidato-comissário, insere-se também nesta perspectiva socrática”, acusou.
“Francamente mal” preparado
Paulo Rangel, acusa o governo de “falhar” na preparação para o ‘Brexit’ e estar “francamente mal” quanto à proteção de cidadãos e empresas e à salvaguarda dos interesses geopolíticos.“O ‘Brexit’ em Portugal tem sido muito maltratado. Não podemos falar no ‘Brexit’ sem olharmos para o que o governo português tem feito e há duas dimensões em que acho que estamos francamente mal”, afirmou em entrevista à Lusa o eurodeputado, candidato a um terceiro mandato no Parlamento Europeu (PE) nas eleições de 26 de Maio.
Para Rangel, a dimensão “mais importante” do impacto da saída do Reino Unido da União Europeia (UE) envolve os cerca de 400.000 portugueses residentes no Reino Unido e as muitas empresas que exportam para ou importam do país. “O referendo foi a 23 de Junho de 2016, já lá vão quase três anos. Será que os portugueses têm noção de que não há um estudo do Governo português, oficial, sobre o impacto do ‘Brexit’ nos cidadãos portugueses no Reino Unido, nas empresas que estão no Reino Unido, nas empresas que exportam ou importam do Reino Unido, no estatuto dos cidadãos britânicos?”, questionou.
“Não há um estudo oficial sobre isto. E o plano de contingência ainda não foi aprovado”, apontou, desvalorizando o alcance do plano de contingência, “sobretudo centrado nos cidadãos britânicos” e na expectativa “de reciprocidade” por parte de Londres.
Paulo Rangel deu como exemplo a assistência consular, em que o governo anunciou um aumento das permanências consulares, que envolvem a deslocação de funcionários a localidades distantes dos consulados, de 31 para 35 no Reino Unido, mas o resultado foi “tempos de espera maiores”.
“Num momento de ansiedade, de incerteza, de instabilidade, Portugal está a falhar no apoio aos cidadãos”, lamentou, defendendo que devia haver “um plano de emergência”, activo desde “Dezembro ou Janeiro”, “com uma deslocação de funcionários extra” para tranquilizar as pessoas.
Também em relação às empresas, o eurodeputado assegurou que “o resultado é zero”. “[O primeiro-ministro] António Costa anunciou a estratégia do PortugalIn, para trazer para Portugal oportunidades, especialmente empresariais, com interesses no Reino Unido. Onde é que estão os resultados?”, questionou. “A única coisa que conhecemos foi o desastre da questão da Agência Europeia do Medicamento e o folhetim do Infarmed que veio a seguir”, apontou.
Em matéria de defesa dos interesses geopolíticos de Portugal, Paulo Rangel acusou o governo de ter ignorado a necessidade de fazer uma aliança com os outros países atlânticos da UE, o que, a médio-longo prazo, “vai ter grandes consequências”.
“O Governo português não fez uma aliança com os pequenos e médios Estados atlânticos - Suécia, Dinamarca, Holanda, Bélgica, Irlanda - para uma estratégia comum. Se o Reino Unido sair da UE, como provavelmente sairá, vamos perder o grande parceiro atlântico, com uma visão extrovertida da Europa, e vamos ficar muito mais centrados no eixo franco-alemão”, explicou. E, enquanto Portugal falava noutros fóruns, “a Dinamarca, Noruega e Finlândia fizeram cimeiras várias sobre a questão do ‘Brexit’ para acertarem posições.
Quanto ao processo de saída do Reino Unido da União, Paulo Rangel considerou que a decisão tomada no Conselho Europeu desta semana foi a correcta no actual contexto, porque ela “é objectiva”, ao apontar duas datas – 12 de Abril e 22 de Maio – que “têm uma lógica” definida pelo processo das eleições europeias, e “não é formalista”, ao aceitar o adiamento da saída, marcado há dois anos para 29 de Março, de acordo com os prazos previsto nos tratados. “Sou favorável a que fôssemos um bocadinho mais abertos ao Reino Unido (…), mas concordo que com este tipo de decisão introduzimos objectividade, quer dizer, não se pode dizer que há um ressentimento ou uma má vontade ou vontade de dificultar”, explicou.
Críticas a Pedro Marques
Já sobre o cabeça de lista do PS às europeias, Pedro Marques, Paulo Rangel afirma que “não conhece pensamento europeu ou uma ideia para a Europa” ao seu adversário, ao contrário dos anteriores número um socialistas. Questionado qual o adversário mais fácil, entre os três cabeças de lista do PS que já enfrentou (Vital Moreira em 2009, Francisco Assis em 2014 e, agora, Pedro Marques), Paulo Rangel recusou entrar em rankings, mas deixou críticas ao actual cabeça de lista do PS. “Não se lhe conhece nenhum pensamento europeu, nenhuma ideia para a Europa”, apontou. “Há uma coisa que é certa: Vital Moreira e Francisco Assis tinham pensamento sobre a Europa, Pedro Marques não tem. Francisco Assis e Vital Moreira, discordando eu deles em muitos aspectos, sempre se notabilizaram por exercerem os seus cargos com competência”, afirmou.
Ao contrário, considerou, Pedro Marques foi ministro do Investimento, área que “está no grau mais baixo de sempre”, criticando também a execução dos fundos comunitários sob a sua alçada, bem como o discurso do PS nesta matéria. “Estávamos em primeiro em 2015, agora estamos em sétimo, apesar de Pedro Marques dizer o contrário”, referiu, citando um relatório da Comissão Europeia publicado em 11 de Março sobre a execução dos fundos.
Rangel, que tem acusado o seu adversário socialista de “fugir aos debates”, disse ainda ter “esperança” num frente a frente com Pedro Marques. “Eu tenho toda a esperança de ter um frente a frente com Pedro Marques e terei todo o gosto em tê-lo e não estou a dizer que seja fácil, debater é sempre difícil. Por comparação com os outros cabeças de lista, há pelo menos aqui défice europeu, mas aos 40 anos uma pessoa abraçar uma causa e vir a tornar-se competente nela não é impossível”, disse.
O eurodeputado social-democrata considerou “salutar” que - ao contrário do que aconteceu em 2014 - o PSD e o CDS-PP concorram agora em listas separadas e, questionado sobre o movimento 5.7, cujo manifesto é lançado hoje pelo seu companheiro de partido Miguel Morgado, Rangel saudou o seu aparecimento, mas deixou um alerta. “Como movimento da sociedade civil não vejo problema, agora se for excessivamente politizado, com excessivas figuras da direcção do CDS… Parece que há uma colonização do movimento pelo CDS, isso não me parece positivo, não me parece que isso ajude ao movimento e à sua aceitação pelos outros partidos”, alertou.
Por outro lado, apontou, “não havia projecto mais pró-europeu que a AD [Aliança Democrática] de Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Gonçalo Ribeiro Telles”, dizendo ver neste movimento – que considera ter a sua génese nessa Aliança Democrática – “alguns sinais de desconfiança em relação à União Europeia”.
Paulo Rangel recusou, por outro lado, antecipar cenários sobre as consequências internas de um eventual melhor resultado do PSD nas europeias do que nas legislativas, ou sobre o seu futuro político. “Estou absolutamente comprometido e com determinação inabalável de fazer tudo para ganhar as eleições europeias e fazer tudo para ganhar as eleições legislativas e acho que vamos ganhar”, vaticinou.
Questionado se pode garantir que cumprirá o mandato em Bruxelas até ao fim, Rangel disse estar “completamente comprometido” com o Parlamento Europeu. “Não vou aqui abrir a caixa de Pandora, como é evidente um deputado europeu tem o seu compromisso, mas também a sua liberdade futura, mas eu não vou abrir nenhuma especulação quanto aos resultados eleitorais ou quanto ao futuro do partido”, assegurou.
Sobre a última querela interna no PSD – em que ficou ao lado de Rui Rio, quando este foi sujeito a uma moção de confiança, depois de ser desafiado por Luís Montenegro para convocar eleições directas para a liderança do partido -, Paulo Rangel disse que “era uma questão de princípio não pôr a liderança em crise, quem queria ser líder teve oportunidade para o ser, se não se apresentou deve ter a coerência de deixar que o líder vá a eleições. Depois disso, se os resultados não fossem bons poderia discuti-los, mas como eu acho que vão ser bons essa questão nem se vai colocar.”