Álcool de volta aos estádios? Governo é “sensível” à ideia

Sporting diz que a venda de bebidas alcoólicas pode aumentar receitas e baixar riscos de segurança. Governo apresentou proposta de alteração à lei sobre a violência no desporto que "não toca" na questão da venda de bebidas alcoólicas.

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O regresso da cerveja aos estádios está a ser discutido na Liga Portuguesa de Futebol Reuters/Daniel Munoz

O Sporting quer que seja permitida a venda de bebidas alcoólicas nos estádios para aumentar receitas, melhorar a “experiência em dia de jogo” e baixar riscos de segurança, defendeu um administrador do clube leonino à Lusa. O Governo está “sensível” aos argumentos do Sporting.

Segundo Miguel Cal, o assunto está a ser discutido em grupos de trabalho na Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e uma proposta de “alteração à lei actual, para que num futuro próximo seja permitida a venda de bebidas fermentadas de baixo teor alcoólico nos recintos desportivos em Portugal”, está “em apreciação pelo Parlamento”.

O objectivo dos “leões” passa por aproximar Portugal das “melhores práticas internacionais”. O administrador indica quatro pontos fundamentais, um deles relacionado com a questão do patrocínio, uma vez que 14 dos 18 clubes da I Liga são patrocinados por uma marca de cerveja, enquanto um outro, o Tondela, é apoiado por uma marca de vinho.

Em Janeiro, a Super Bock foi anunciada como a cerveja oficial das competições profissionais de futebol, o que configura o segundo ponto para o clube lisboeta, que pretende que o campeonato siga as práticas de Inglaterra, Itália, Alemanha, Holanda ou Bélgica, países onde a venda de bebidas de baixo teor alcoólico nos recintos desportivos é permitida.

A alteração por parte da UEFA do regulamento de segurança para as competições europeias, realizada em Junho de 2018, já permite a venda de álcool nos jogos da Liga dos Campeões e da Liga Europa, desde que seja permitida pela lei de cada país.

Nessa linha, Cal apontou o exemplo do Chelsea, que obteve receitas mais elevadas após a autorização de venda de bebidas alcoólicas nos jogos europeus, permitindo um “aumento de receitas dos clubes”, porque as pessoas “gastam dinheiro dentro dos estádios”, mas também acabar “com a discriminação entre adeptos” da zona VIP, onde o consumo é permitido.

A alteração à lei permitiria também “melhorar a experiência em dia de jogo, com a entrada das pessoas a ser mais espaçada, evitando as tradicionais filas antes do apito inicial” e a acumulação de pessoas que estão em torno do estádio.

Segurança aumenta ou diminui?

Questionado sobre a possibilidade de a medida acarretar maiores riscos de insegurança dentro dos recintos, o administrador defendeu que se passa “precisamente o contrário”, referindo estudos que mostram que a entrada ordeira nos estádios, em vez de acontecer em cima da hora do jogo, permite maior rigor na revista de segurança.

Por outro lado, o controlo do teor máximo permitido dentro dos estádios contrasta com o que os adeptos podem beber nas imediações dos recintos, sendo que outro factor de insegurança é a possibilidade de confrontos pela concentração de fãs “fora do “anel de segurança” do estádio”.

Miguel Cal enfatizou que a pretensão não é só dos “verdes e brancos” e que está mesmo a ser liderada “pela própria Liga”, lembrando um texto da directora executiva, Helena Pires, que aborda o tema. O assunto tem sido discutido entre “todas as sociedades desportivas”, em vários grupos de trabalho, e o administrador aproveitou para lembrar a luta contra a “desigualdade de tratamento fiscal entre o desporto e outras formas de cultura e tempos livres”, uma vez que o futebol é taxado a 23% de IVA e outros espectáculos a 6%.

Governo: “É uma lei da Assembleia da República e que só mesmo a Assembleia pode alterar"

O secretário de Estado da Juventude e Desporto manifestou-se esta terça-feira “sensível a alguns argumentos” favoráveis à venda de bebidas alcoólicas nos estádios, realçando que a pretensão dos clubes de futebol é uma questão a debater na Assembleia da República.

“Sou sensível a alguns dos argumentos apresentados pela Liga e alguns clubes e também sei da iniciativa que o Sporting está a tomar. É uma lei da Assembleia da República e que só mesmo a AR pode alterar. Não há nada que se possa fazer através de uma qualquer iniciativa governamental”, afirmou João Paulo Rebelo à Lusa.

Apesar de sensível à questão, o secretário de Estado lembrou que “o próprio Governo apresentou uma proposta de alteração à lei 39 de 2009 [que regula o combate à violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espectáculos desportivos], que é justamente o enquadramento jurídico em que se encontram as possibilidades, ou não, da venda de bebidas alcoólicas” em recintos desportivos.

“O Governo conhece a reivindicação dos clubes que nos é regularmente apresentada pela Liga de clubes, mas a proposta que apresentamos de alteração à lei que está, neste momento, em discussão na AR não toca na questão de venda de bebidas alcoólicas, e, portanto, diria que o Governo não tem formalmente uma posição diferente da que hoje está consagrada na lei”, frisou.

Estando a proposta de alteração à lei em discussão na AR, João Paulo Rebelo disse desconhecer, contudo, as probabilidades de a mesma acontecer e os clubes verem as suas pretensões concretizadas, até porque “o Governo não considerou uma questão central” os argumentos da Liga de clubes, que se prendem com aumento de receita e segurança.

“Se achasse que essa era uma matéria prioritária, o Governo, com certeza, nas propostas de alteração que fez, teria enquadrado também essa questão. Não o fizemos, e por aqui se depreende que para o Governo não é uma matéria central”, referiu.

O governante reconheceu que o assunto vai ser controverso, apelando, por isso, a que seja alvo de reflexão, sobretudo no Parlamento.

“Sou sensível a alguns argumentos e não acho que o propósito seja descabido. Mas é uma matéria que deve ser reflectida, bem pensada e acho que a AR é o fórum ideal, porque é lá que estão as mais diversas sensibilidades políticas para se dirimirem argumentos e ter essa discussão, que, de alguma forma, levanta sempre uma certa controvérsia”, concluiu.

Jurista não vê inconvenientes

O jurista Alexandre Mestre, ex-secretário de Estado do Desporto e da Juventude, não vê qualquer inconveniente na pretensão dos clubes de futebol. 

“Sou favorável enquanto cidadão, e do ponto de vista jurídico é o inverter de uma evolução legislativa, já que em 1980, quando houve a primeira regulamentação sobre a Violência Associada ao Desporto, a venda e consumo de bebidas alcoólicas nos recintos desportivos foi proibida”, referiu o antigo secretário de Estado do Desporto e Juventude. 

“As pessoas entram mais cedo e até vão consumir menos lá dentro do que consumiriam lá fora [antes do início dos jogos]”, defende Alexandre Mestre.

O jurista exemplificou com o caso do Mundial2014, no Brasil, em que foi necessário alterar a legislação estadual brasileira para permitir a venda de cerveja, bem como a sua publicidade, e em que “não há registo de que tal tenha potenciado a violência associada ao desporto”.

“Face à redacção actual no sentido da proibição e de haver uma excepção, penso que terá que haver uma alteração, mas agora até estamos no decurso do processo de revisão da lei da Violência Associada ao Deporto e poderia ser uma boa altura para aproveitar essa oportunidade”, disse Alexandre Mestre.

“Nestas coisas de legislação, quando se muda, tem de haver um suporte para o efeito. Como tem sido dito pelas entidades que apoiam a alteração, há estudos que defendem que [a venda de bebidas nos recintos] não aumenta, mas reduz, a possibilidade de existirem fenómenos de violência no perímetro de segurança”, disse.