Herdámos um planeta quase morto. Por isso, saímos à rua

Assoberbados pela possibilidade de sofrermos a catástrofe climática à custa dos nossos líderes mundiais, faltamos à escola e paramos o planeta com uma mensagem muito clara: estamos em estado de emergência, entrem em pânico.

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LUSA/JEAN-CHRISTOPHE BOTT

A poucas horas da Greve Climática Estudantil que irá parar o mundo, o coração pulsa rápido e os calafrios percorrem o corpo. Após tanto tempo passado a debater, gerir correspondência, trocar contactos, afixar cartazes e organizar palestras, sempre num frenesim constante, é hora de reflectir: qual a verdadeira importância dos protestos que estão a marcar a nossa geração, ainda que tão nova?

Em Novembro, uma menina sueca, com duas tranças e uma coragem do tamanho do mundo, anuncia aos líderes mundiais que a mudança está aí ao virar da esquina, quer queiram quer não. Com palavras de fogo e uma tranquilidade no rosto, envergonha a classe política que durante décadas e décadas se propôs varrer a catástrofe do aquecimento global para debaixo do tapete. E começa o efeito bola de neve. Agora, estreamo-nos na greve mundial que, estima-se, irá mobilizar mais de nove milhões de estudantes por esse planeta fora. Uma geração inteira na rua. Porquê? Porque temos direito a exigir a quem está no poder que nos assegure um futuro sustentável para viver. Afinal, somos a geração sobre a qual caiu em cima o mais pesado dos fardos: herdar um planeta quase morto.

Não imaginaria que chegássemos onde chegámos quando, em meados de Janeiro, começámos a discutir a possibilidade de participarmos na convocatória mundial. 15 de Março era uma data longínqua. Sentadas na mesa do canto do Burger King, rabiscávamos um bloco de notas com o que era necessário: criar um site, redigir um manifesto, lançar um cartaz o quanto antes. Nervosas, consultávamos a agenda e contávamos quanto tempo tínhamos para fazer isto acontecer. Começámos a “testar as águas”. Ainda um pouco às escuras, fomos tacteando e, aos poucos, encontrando os moldes com que tentaríamos trazer a greve para Portugal. Entre chamadas e mensagens e apelos, foi com relativa facilidade que arranjámos um grupo de estudantes um pouco por todo o país interessados em fazer a greve ir para a frente.

Sem ter previsto sequer a hipótese de tantas localidades a quererem aderir, e numa tentativa de descentralizar o movimento, marcámos três concentrações: Lisboa, Coimbra e Porto. Foi o tiro de partida. A partir daí, as ideias fervilharam. Iniciou-se uma correria cujo barulho de fundo era o burburinho de nós, os jovens, a começarmos a compreender verdadeiramente o poder que temos. E não parou por aí.

O nosso impacto começava a escorrer por esse país fora. Com a greve a ganhar tracção e também a atenção do olho público, entendemos finalmente a tão célebre frase de que “nunca somos pequenos demais para fazer a diferença”. Observar como a luta pela justiça climática se alastrava e unia dezenas de grupos de estudantes que se mexiam todos pela mesma causa foi incrível. De cenários, distritos, opiniões, áreas e até ideologias diferentes, apercebemo-nos de que estamos todos no mesmo barco e é imperativo tomar acção. Se nós, jovens e estudantes, já entendemos isso, quão longe teremos de ir até que os ditos “adultos” façam o mesmo?

De momento, o mundo é 1ºC mais quente do que era em níveis pré-industriais. Segundo o mais recente relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (​IPCC, em ingês), temos cerca de 12 anos para evitar ultrapassar o aumento da temperatura global até 1,5º C. Esta meta representa um planeta já debilitado mas ainda habitável e salvaguardando condições preciosas para a sustentabilidade humana. É essa a meta mais ambiciosa que está em cima da mesa, e aquela que salvaguarda esta geração e as vindouras. A outra opção é o aumento de 2ºC, que já se desequilibra no limite de um planeta inabitável, levando à catástrofe ambiental drástica. Se o mundo continuar com o rumo que tem agora, aumentaremos pelo menos 3ºC. Nunca a vida humana conheceu um planeta com a temperatura tão alta quanto as projectadas já para meio deste século, se não agirmos.

Não, não somos apocalípticos ou alarmistas. São factos científicos, e se, nos últimos anos, a política se tem afastado deles, é hora de voltarem a ser aliados. É agora ou agora: não temos mais tempo para “talvez um dia”, “não há dinheiro”, “isso demora, as coisas não são assim”. Como disse a Greta, o tempo esgota enquanto os governos esgotam as suas desculpas. 1.5 é possível, mas exige compromisso governamental sério. Já temos toda a tecnologia necessária para conseguirmos cumprir esta meta. A única coisa que falta é vontade política.

Não queremos que louvem a nossa greve, se não irão tomar medidas sérias e urgentes. Não queremos que aplaudam, se planeiam continuar descontraidamente de braços cruzados. Vamos então deixar os combustíveis fósseis, incluindo o gás natural, no chão; rendermo-nos por completo às energias renováveis; criar melhores infra-estruturas de transportes públicos descarbonizados e honrar o compromisso sério de assegurar um futuro sustentável para nós no planeta Terra.

Milhões de estudantes de mais de 80 países saem à rua no dia 15 de Março de 2019. E não planeamos parar até que o aquecimento global seja tratado pelos governos como a crise dramática que é. Assoberbados pela possibilidade de sofrermos a catástrofe climática à custa dos nossos líderes mundiais, faltamos à escola e paramos o planeta com uma mensagem muito clara: estamos em estado de emergência, entrem em pânico.

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