Chegou a quarta vaga do feminismo, e veio para ficar
Há uma nova vaga feminista a afirmar-se, muito jovem, criativa e insubmissa, que não pede licença para reclamar o futuro agora.
Nada ficou como antes, desde o apelo à Greve Feminista Internacional lançado por Angela Davis e outras mulheres. A Greve Feminista do passado dia 8 de março foi um ponto de viragem, não apenas pelos milhões de mulheres que se mobilizaram em Espanha e noutros países, mas também por ter conseguido organizar manifestações históricas no nosso país.
A partir deste ano, o Dia das Mulheres deixou de estar capturado pelo mercado das flores e dos bombons e pelas preocupações com data de validade de 24 horas, para passar a ser um dia de luta, de resistência e de exigência de mudanças e reivindicação de direitos, que sentimos como urgentes e absolutamente necessários para a alteração dos nossos quotidianos e para o aprofundamento da democracia.
Fomos 30 000 a ocupar as ruas e as praças de 13 cidades do país, do continente às ilhas. Se 20 000 em Lisboa é espantoso, se 7000 no Porto é extraordinário, se 600 em Coimbra é brutal, não posso deixar de sublinhar que este processo de greve e manifestação fez aquilo que ninguém tem a ousadia de fazer: olhar o país nas suas diferenças e desigualdades e construir uma rede nacional ativista capaz de dar voz às mulheres dos seus quatro cantos.
E, por isso, nestes números avassaladores, o que é extraordinário é que tantas pessoas tenham vindo para as ruas em Braga, no Fundão, na Covilhã, Vila Real, Viseu, Aveiro, Amarante, Albufeira, Ponta Delgada e Chaves e tenham sido protagonistas das suas reivindicações. Juntas somos mais fortes não é apenas um slogan, é o retrato deste trovão que ecoou a 8 de março.
Ainda estamos a lavar os pincéis e os baldes de cola, a arrumar as agulhas com que cosemos os aventais que vestiram as estátuas, a recarregar as pilhas dos megafones, mas há compromissos que podemos assumir desde já: em 2020 haverá nova greve e manifestações feministas.
E porque a greve é um processo, não é um momento, procuraremos alargar ainda mais a sua abrangência territorial, assim como renovaremos o apelo ao movimento sindical para que se junte a ela. Foram cinco os sindicatos que este ano emitiram o pré-aviso de greve. Há quem diga apenas cinco, mas nós, que conhecemos as dificuldades do processo, dizemos já foram cinco. Sabemos que rompemos com o unanimismo, que várias foram as direções sindicais que discutiram a greve, que muitas outras foram confrontadas pelas suas associadas por não terem aderido e, por isso, temos muita confiança que em 2020 a greve ao trabalho remunerado possa ser muito mais expressiva.
O movimento feminista seguirá o seu caminho, diversificando agendas, renovando ação conjunta, articulando solidariedades. Do combate à justiça machista, de que Neto de Moura foi apenas o sinal de alerta, à exigência de respostas para a violência doméstica e de género, da denúncia do assédio sexual nos espaços públicos à discussão do trabalho sexual, da construção de alternativas às praxes machistas e autoritárias à reivindicação do direito aos nossos corpos e às nossas identidades não serem capturadas pela estereotipia, da defesa da partilha do trabalho doméstico à reivindicação de melhores serviços públicos e do estatuto do cuidador/cuidadora, seguiremos em frente, cada uma com a sua agenda, todas juntas na Greve. Sabemos que não estamos todas de acordo em tudo, que há diferenças e divergências, mas sabemos também, e provámo-lo este ano, que somos capazes das convergências necessárias e de todas as solidariedades.
O movimento feminista internacional tem na construção da greve o seu apelo global, exatamente porque ela é capaz de criar as interseções necessárias entre as várias formas de discriminação e exploração, de fundar resistências, de forjar respostas e construir solidariedades. Funcionamos em rede, articulando propostas, discutindo processos, tendo sempre em atenção os nossos diferentes contextos, para construirmos uma resposta global capaz de enfrentar os avanços do conservadorismo e dos novos fascismos.
Há uma nova vaga feminista a afirmar-se, muito jovem, criativa e insubmissa, que não pede licença para reclamar o futuro agora, que não tem paciência para o discurso encostado ao privilégio que diz que tudo se resolve com o tempo. O nosso tempo é agora e é para este tempo que exigimos mudanças, precisamente porque é das nossas vidas que se trata. Em defesa de direitos, à conquista do futuro, aqui estamos, as feministas. E viemos para ficar.