A tragédia do vinho do Porto é ser muito bom - mas quase ninguém sabe
Habituei-me ao longo da minha vida a surpreender pessoas que juram não gostar de vinho do Porto através do simples expediente de lhes apresentar um bom vinho do Porto.
Eis uma tragédia: só um em cada cem portugueses teve a sorte de provar um bom vinho do Porto. É por isso que os portugueses não bebem vinho do Porto. É preciso dizê-lo: porque o vinho do Porto que toda a gente conhece é uma merda doce. É sumo de uva com álcool de 70 graus.
Para beber um bom vinho do Porto é preciso beber no mínimo um Tawny de dez anos ou um Colheita com um mínimo de dez anos. Note-se que se fosse eu a mandar não permitiria um Tawny com uma média inferior a 20 anos. Quando um amigo me pergunta que vinho do Porto deve comprar respondo sempre um Porto vintage (envelhecido em garrafa) ou um Tawny de 20 anos (envelhecido em pipa).
Quem quisesse defender o sector do vinho do Porto deveria restringir a categoria Ruby aos LBV e a categoria Tawny aos tawnies de 20 anos, proibindo as aberrações xaroposas que são os rubis e os tawnies mais novos. Proibiria também os “reservas especiais” com sete ou oito anos. Conheço bem o vinho do Porto mais vendido do mundo - o Cockburns Special Reserve - e é horrível, incrivelmente doce e grosseiro.
O que as pessoas conhecem como sendo vinho do Porto é razão suficiente para fugir do vinho do Porto para toda a vida. A tragédia é que nunca conhecem a glória e o prazer dos bons vinhos do Porto, tão diferentes uns dos outros.
Como é uma bebida artificial - muito mais artificial e alcoolizado do que os vinhos de Jerez e Montilla -, o vinho do Porto precisa do envelhecimento e da oxidação.
Permitiria entre o Ruby (LBV e Vintage) e o Tawny (Tawny com uma média mínima de 20 anos) uma categoria Ruby-Tawny para os actuais tawnies de 10 anos e os colheitas com dez anos de idade. Uma alternativa seria usar Young Ruby para os LBV e Young Tawny para os Tawnies de dez anos.
Sendo filho de pai português e mãe inglesa dou comigo a achar ridículo estar a usar palavras inglesas e portuguesas. Por que raio de razão colonialista é que continuamos a usar palavras inglesas? Não será falta de consideração pelos ingleses? Não serão eles capazes de aprender tinto, retinto, alourado, tinto-alourado, etc.? Será mesmo necessário dizer single harvest em vez de colheita? Será até necessário dizer colheita? Não bastaria o ano, como se faz nos vinhos de mesa?
Porque é que os tawnies de 20 anos são tão bons? Porque são criações dos blenders das casas de vinho do Porto. Eles recorrem a todas as reservas que têm: podem usar vinhos com mais de cem anos e outros muito jovens, para dar acidez e brilho.
Escusado será dizer que um Tawny de 20 anos pode não ter um único pingo de vinho com 20 anos. Os tawnies de 20 anos são muito bons porque empregam os conhecimentos e os gostos das pessoas que percebem de vinho do Porto.
O Porto vintage - que só envelhece dois anos em pipa - é o contrário. A intervenção humana é mínima. Um grande vintage é uma celebração da natureza.
São as mesmas cabeças que fazem milagres com os rubis e tawnies mais novos - mas são forçados, por causa dos preços absurdamente baixos, a usar vinhos que são novos de mais, que ainda não estão prontos.
Em contrapartida, se os meus amigos me pedissem um Tawny de 20 anos que não prestasse eu não seria capaz de me lembrar de um único exemplo. Existirão, mas só para os profissionais que fazem provas. Para um consumidor normal como eu que confia numa dúzia de produtores e nunca foi desiludido é coisa que não conheço - felizmente.
Habituei-me ao longo da minha vida a surpreender pessoas que juram não gostar de vinho do Porto (ou vinho da Madeira ou Moscatel) através do simples expediente de lhes apresentar um bom vinho do Porto (ou vinho da Madeira ou Moscatel).
Há também quem tenha (como eu já tive) a mania que não gosta de vinhos doces. A razão é sempre a mesma: porque só conhece os vinhos doces maus e baratos.
São os consumidores que obrigam as casas de vinho do Porto a produzir quantidades imensas de mau vinho do Porto. Querem pagar 6 euros por uma garrafa que se abre no Natal para acompanhar o bolo-rei? Ei-lo, meu amigo, e que nunca lhe façam falta os 24 euros que poupou ao não comprar um vinho do Porto que prestasse.
Tenho mais para dizer - mas fica para a semana.