Dez perguntas e respostas para perceber a primeira greve feminista em Portugal

“Se as mulheres param, o mundo pára” é o mote da greve feminista nacional convocada para o dia 8 de Março. Mas quem é que pára? E onde? E Porquê? Perceba a greve que vai marcar o dia internacional da mulher em 10 perguntas.

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PAULO PIMENTA

O que reclama a greve feminista?

A greve feminista nacional, organizada pela rede 8 de Março, é desde logo — mas não só — uma greve laboral. No manifesto é criticada a desigualdade salarial — as mulheres recebem menos 225 euros por mês do que os homens — e a precariedade que afecta as mulheres no mundo do trabalho. O colectivo assume uma visão transversal sobre as formas de discriminação e apela à paralisação em três outros eixos: estudantil, à prestação de cuidados e tarefas domésticas e ao consumo de bens e serviços.

O foco na greve estudantil reivindica o fim “da reprodução das desigualdades e do preconceito nas escolas”, que persiste, por exemplo, nas praxes, “onde se reproduz violência machista”, explica o manifesto. Outro desafio é o de as mulheres neste dia dizerem não às tarefas de casa: não cozinhar, não limpar, não passar a ferro nem lavar a roupa. Apesar de ser impossível contabilizar quantas mulheres o farão, trata-se de uma “forma simbólica” de luta contra o trabalho que continua a ser “gratuito, desvalorizado e invisibilizando” e atribuído, na maioria, a mulheres, lê-se no manifesto.

A greve feminista nacional apela ainda à paralisação no consumo, nomeadamente nas grandes superfícies, onde são as mulheres que ainda gastam mais tempo a fazer as compras de casa. Apesar de dividida em quatro eixos, a greve é circunscrita a um objectivo: mostra que se as mulheres param, o mundo pára.

O que é a rede 8 de Março?

A rede 8 de Março, que convocou a greve feminista nacional, nasce da organização da Marcha pelo Fim das Violências contra as Mulheres, em Novembro de 2011. A Rede junta várias pessoas, associações feministas e sindicatos. Apesar de ter nascido no Porto, a rede já está presente em Amarante, Aveiro, Braga, Coimbra, Cova da Beira, Lisboa, Vila Real e Viseu.

Uma associação pode convocar uma greve?

Não. O recurso à greve é decidido por associações sindicais — mas pode ser deliberada por uma assembleia de trabalhadores da empresa. A associação 8 de Março pode apelar a uma greve simbólica — na paralisação de trabalho doméstico ou de consumo — e pedir aos sindicatos que declarem greve laboral no dia 8 de Março e que dirijam o aviso prévio ao empregador, associações de empregadores e ao ministério responsável pela área laboral.

Que sindicatos estão envolvidos?

Já existem pré-avisos de greve oficiais do Sindicato das Indústrias, Energia, Serviços e Águas de Portugal (SIEAP), do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNEsup), do Sindicato dos Trabalhadores de Saúde, Solidariedade e Segurança Social (STSSS), o Sindicato dos Trabalhadores de Call-Center (STCC ) e o Sindicato de todos os Professores (S.TO.P). 

O que dizem os pré-avisos dos sindicatos?

O Sindicato Nacional do Ensino Superior critica, no pré-aviso da greve, as assimetrias entre homens e mulheres na área do ensino e investigação, que tendem a ser maiores quando se trata de categorias mais elevadas nas carreiras do ensino superior. Já o Sindicato das Indústrias, Energia, Serviços e Águas de Portugal defende, no comunicado da greve, “o salário igual para trabalho igual” entre homens e mulheres e condena “a subvalorização do trabalho e das competências das mulheres” que faz com que recebam salários mais baixos, que tenham vínculos de trabalho precários, menos oportunidades no acesso e evolução na carreira e que sejam vítimas de “discriminação com origem em estereótipos sociais”.

Também o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Solidariedade e Segurança Social reivindica, entre as várias alíneas partilhadas no pré-aviso de greve, a eliminação de todas as discriminações salariais e o fim da penalização patronal nos direitos de maternidade, assistência à família e de conciliação.

O Sindicato dos Trabalhadores de Call Center adere à greve feminista defendendo que são as mulheres quem mais sofre no trabalho. Além do assédio moral “brutal” que acontece nos call centers e que é “causador de depressões”, os ritmos e horários de trabalho e os cortes na remuneração variável quando são dadas faltas por apoio à família “tornam a vida de milhares de operadores de call center penosas”, lê-se no comunicado. O sindicato acrescenta ainda que as trabalhadoras têm receio de engravidar, por medo do despedimento. Nesta greve, o sindicato dos Trabalhadores de Call Center reclama, por exemplo, por formação para chefias e trabalhadores sobre assédio moral e sexual e por creches e cantinas junto ao local de trabalho quando se trata de empresas com mais de 200 trabalhadoras.

O Sindicato de Todos os Professores critica igualmente a “exploração laboral” (horas extraordinárias, não remuneradas) que as trabalhadoras sofrem bem como as situações de assédio moral de que são alvo. O sindicato alerta ainda para os problemas causados pela sobrecarga de trabalho, como doenças músculo-esqueléticas e o burnout que “as profissionais da educação sentem na pele", sublinha o comunicado. 

É possível fazer greve numa área cujo sindicato não esteja envolvido?

A greve, segundo a Constituição da República Portuguesa, é um direito de todos os trabalhadores, independentemente da natureza do vínculo laboral que detenham, do sector de actividade a que pertençam e do facto de serem ou não sindicalizados. Contudo, se o sindicato não realizar o pré-aviso, os trabalhadores não estão legalmente protegidos para fazer greve.

Que partidos políticos estão associados na greve feminista?

A Rede 8 de Março diz que vários representantes de partidos políticos têm estado presentes nos eventos, mas os únicos partidos que estão a participar efectivamente na greve é o Movimento Alternativa Socialista (MAS) e o Bloco de Esquerda (BE).

Porquê uma greve feminista agora?

A primeira greve feminista convocada em Portugal acontece este ano mas surge alinhada com um conjunto de acontecimentos que têm marcado a agenda internacional. Em 2017, um grupo de activistas norte-americanas convocou para o dia 8 de Março uma greve internacional “contra a violência masculina e pela defesa dos direitos reprodutivos", depois da forte adesão à Marcha das Mulheres, que ocupou ruas por todo o mundo, ainda que a marcha principal tenha acontecido na capital norte-americana, em Washington D.C, reunindo meio milhão de pessoas

Portugal foi um dos 30 países que responderam ao apelo, mas, apesar das greves que decorreram noutros países, a Rede 8 de Março preferiu organizar uma iniciativa simbólica e convidar as mulheres a saírem mais cedo do trabalho ou abandonar as tarefas de casa. Na capital, a concentração, convocada pela Assembleia Feminista de Lisboa, reuniu cerca de 400 pessoas, segundo os dados da Assembleia Feminista. 

Em 2018, não foi convocada uma greve feminista, mas as manifestações repetiram-se. Na semana do Dia da Mulher, houve ainda quatro greves, convocadas pela CGTP, principalmente de sectores feminizados: greve de educadoras de infância (Fenprof) e trabalhadoras com vínculo precário nas lojas da EDP (SEISI) no dia 5 de Março e das trabalhadoras das Misericórdias (Cesp) e trabalhadoras na Nobre – Alimentação (Sintab) no dia 8 de Março. 

Nos dias 10 e 11 de Março, o Festival Feminista do Porto acolheu o Encontro de Mulheres, onde 200 mulheres partilharam, na primeira pessoa, as discriminações que vivem no quotidiano. Apesar de, neste encontro, já se falar sobre a organização de uma greve feminista, é em Dezembro que a Rede 8 de Março apresenta, também no Porto, o manifesto da primeira greve feminista nacional convocada para o Dia Internacional da Mulher em 2019. 

Onde vão acontecer as manifestações?

No norte do país, há protestos marcados no Porto — 18h30 na Praça dos Poveiros — , em Amarante —  no Largo S. Gonçalo, às 17h —  em Braga — 18h na Avenida Central —, em Vila Real — 17h30 em frente ao tribunal judicial —, em Chaves — às 19h na Ponte Romana. No centro, as manifestações começam às 18h na Praça do Dr. Joaquim de Melo Freitas, em Aveiro, às 18h no Rossio, em Viseu, às 17h30 na Praça da República, em Coimbra e às 17h no jardim público da Convilhã. 

As manifestações vão ocupar também a Praça do Comércio a partir das 17h30, em Lisboa, e a Praça dos Pescadores, às 18h, em Albufeira. No Fundão a concentração começa às 10h15 na Praça do Município e em São Miguel, nos Açores, a manifestação será nas Portas da Cidade de Ponta Delgada, às 16h30. 

Já houve greves feministas noutros países?

No ano passado, entre os vários países que se juntaram à paralisação internacional no Dia da Mulher, as mulheres espanholas fizeram uma greve feminista inédita com a adesão de 10 sindicatos, mais de 120 manifestações por todo o país e uma participação de 5,3 milhões de trabalhadoras. A greve teve efeitos nos meios de comunicação social (com páginas em branco onde deveriam estar artigos das jornalistas que aderiram ao protesto), nas escolas, hospitais e nos meios de transporte.

Esta paralisação internacional de mulheres inspirou-se, por sua vez, nas greves nacionais feministas que têm marcado os últimos anos, como o movimento argentino Ni Una Menos, que levou, a 19 de Outubro de 2016, as mulheres a ocuparem as ruas em protesto contra a exploração económica e os femicídios, após a morte de forma brutal de uma jovem. A manifestação, que teve eco em vários países da América Latina, aconteceu poucas semanas depois de uma greve de mulheres que parou a Polónia, uma “segunda-feira negra” contra uma proposta de criminalização do aborto que tinha sido entregue ao Parlamento polaco.

O exemplo histórico mais conhecido de paralisação de mulheres aconteceu na Islândia, em 1975, para dar visibilidade ao trabalho feito pelas mulheres, em particular as tarefas domésticas.

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