Fim da unanimidade nas decisões sobre política fiscal? As respostas de sete eurodeputados

José Manuel Fernandes (PSD), José Inácio Faria (MPT), Ana Gomes (PS), Marinho e Pinto (PDR), Marisa Matias (BE), Miguel Viegas (PCP) e Nuno Melo (CDS) dizem o que pensam sobre a proposta da Comissão Europeia. Três defendem-na, quatro opõem-se

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Nelson Garrido, Rui Gaudêncio, Miguel Manso, Nuno Ferreira Santos, Bruno Simões Ca

A Comissão pretende alterar o processo de decisão em matérias de política fiscal, defendendo a substituição do actual modelo de unanimidade por outro em que se exige apenas uma votação por maioria qualificada. O PÚBLICO pediu a opinião de sete eurodeputados o que pensam sobre o assunto.

1. Concorda? O fim da regra da unanimidade é vantajoso ou desvantajoso para Portugal e porquê? 

2. A saída da União Europeia do Reino Unido, conhecido por ser um centro financeiro relevante, torna mais premente a necessidade de concertação a nível fiscal entre os Estados-membros? 

"A unanimidade só aproveita à criminalidade"​

Ana Gomes, Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, PS​

1. Concordo em absoluto. A unanimidade no Conselho em matéria fiscal tem bloqueado cruciais iniciativas para o combate à fraude e à evasão fiscal, que têm apoio do Parlamento Europeu (PE) e da Comissão Europeia (CE). A unanimidade só aproveita à criminalidade.

É preciso reconhecer que a criminalidade fiscal tira partido da fragmentação ao nível europeu, num mercado único sem fronteiras. De facto, no Mercado Interno não temos concorrência leal, se continuamos a admitir que os Estados 

É preciso reconhecer que a criminalidade fiscal tira partido da fragmentação ao nível europeu, num mercado único sem fronteiras. De facto, no Mercado Interno não temos concorrência leal, se continuamos a admitir que os Estados Membros rivalizem entre si, numa corrida para o fundo, no “dumping fiscal” (e assim se explica como Holanda e Luxemburgo, por exemplo, funcionam como verdadeiros “paraísos fiscais” para grandes grupos portugueses...).

Como exemplo das iniciativas bloqueadas pela unanimidade no Conselho, cito o denominado Imposto GAFA, o imposto sobre as gigantes tecnológicas (Google, Apple, Facebook e Amazon). Que jogam com a fragmentação fiscal entre países europeus e fazem lucros faraónicos à conta de quase não pagar impostos na UE. Enquanto as nossas PMEs e os contribuintes individuais são brutalmente sobrecarregados de impostos! O imposto GAFA foi proposto, como medida temporária, pela Comissão e com uma taxa mínima (3%), mas nem assim passou no Conselho (e por isso alguns países, como a França e a Espanha, já indicaram avançar, cada um por si - as diferenças de regime e de taxas vão obviamente ser aproveitadas pela “indústria” da “optimização fiscal”).
Ainda menos passou no Conselho a “mãe de todas as medidas de harmonização fiscal” que a Comissão, instigada e respaldada pelo Parlamento Europeu, propõe: o MCCCIS (CCCTB em inglês), ou seja, a definição de uma base comum consolidada para o imposto sobre sociedades, que é vital na luta contra a transferência artificial de lucros das empresas para jurisdições de tributações reduzidas.
Outro exemplo de medida bloqueada no Conselho pela regra da unanimidade, é a reforma do IVA, proposta pela Comissão, para combater a chamada fraude “carrocel”. Um tipo de fraude que, por ano, rende mais de 50 mil milhões de euros à máfia e outras redes de criminalidade organizada, incluindo grupos terroristas como a Al Qaeda e o ISIS (elementos confirmados pela CE). Está parada, basta um Estado Membro para a bloquear: é chocante e revoltante, pois a segurança dos cidadãos está aqui também, claramente, em causa!
Portugal é certamente dos países mais prejudicados pela criminalidade organizada que hoje se dedica a rentabilizar a “optimização fiscal” na UE. A mudança da regra de unanimidade para a maioria qualificada (VMQ) beneficiaria certamente os Estados como o nosso, que poderiam assim criar alianças, tornar o seu peso relativo mais importante no seio do Conselho, criar condições de equilíbrio efectivo entre todos. Com uma progressiva harmonização fiscal na UE, Portugal poderia competir em pé de igualdade com centros que hoje funcionam como verdadeiros “paraísos fiscais” na UE, como a cidade de Londres no Reino Unido, Países Baixos, Luxemburgo, Malta, Chipre, etc...

É estapafúrdia mistificadora, anti-europeia e anti-nacional a conversa de agentes políticos do CDS que invocam o papão da CE poder lançar um imposto sobre ...”o nosso mar”. Não é nada disso que está em causa (e se estivesse com a VMQ, Portugal poderia e saberia defender-se!). O que está em causa é proteger o nosso mar, a nossa terra e as nossas gentes dos “apagões fiscais” e dos “offshores” que tanto jeito dão aos evasores fiscais, branqueadores de capitais e outra criminalidade organizada...

2. Sem dúvida. Um dos grandes receios com o Brexit é o de que o Reino Unido embarque numa corrida para o fundo em termos fiscais, tentando tirar partido da sua posição como placa financeira mundial e compensar a falta do Mercado Interno Europeu com uma política agressiva de baixos impostos, ou nenhuns para não-residentes. O Secretário de Estado Jeremy Hunt já veio erigir Singapura, um paraíso fiscal, como modelo para o Reino Unido. Só poderemos combater uma tal ofensiva com uma política fiscal harmonizada na UE. Até porque, sem ela, continuaremos a ver florescer os populismos, que se alimentam do ressentimento contra as desigualdades e que põem em causa a democracia na Europa.

"António Costa, se defender o fim da unanimidade, viola o acordo assinado com o PSD"

José Manuel Fernandes, Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas -Cristãos), PSD

1. A regra da unanimidade nas questões fiscais vai manter-se. Convém lembrar que seria necessário que os Estados-Membros deliberassem por unanimidade para se poder acabar com ela! 

António Costa, se defender o fim da unanimidade nas questões fiscais, viola o acordo assinado com o PSD, sobre o próximo Quadro Financeiro Plurianual, onde se afirma: “Acentuando a reserva da soberania dos Estados-Membros na criação de impostos, é essencial reforçar a receita do orçamento europeu sem penalizar os contribuintes“. 

Portugal, com a regra da unanimidade, está em posição de igualdade com os outros Estados-Membros e, justamente por isso, o seu fim seria negativo. Foi por esta precisa razão que o PSD, já em Abril de 2018 (e não em vésperas de eleições), impôs aquela cláusula de reserva de soberania no acordo. 

2. Há todo o interesse na cooperação, coordenação e harmonização nas questões fiscais. Na UE perdem-se anualmente em fraude, evasão e elisão fiscal, cerca de mil milhões de euros, o equivalente a sete orçamentos anuais! Esta fraude combate-se com medidas integradas, comuns, que permitiriam aumentar a receita sem penalizar os contribuintes. Também seria importante que todos os parlamentos nacionais chegassem a acordo para uma taxa sobre as transacções financeiras e a taxação das grandes plataformas digitais como a Google e o Facebook. Tínhamos aumento de receita sem atingir os contribuintes. Isso iria beneficiar os portugueses, que assim não teriam de transferir tantas verbas para a UE. A defesa dos contribuintes nacionais passa pela adopção daquelas receitas (que ajudam a compensar a saída do Reino Unido).

O fim da regra de unanimidade será trágico para Portugal

Nuno Melo, Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos), CDS-PP

1. Não só discordo, como o CDS foi o primeiro partido a denunciar a forma à socapa e nas costas do Parlamento, com que o primeiro-ministro António Costa acedeu à vontade do comissário igualmente socialista Pierre Moscovici para acabar com a unanimidade no Conselho, em relação ao lançamento de impostos pela UE. 

O fim da regra de unanimidade será trágico para Portugal. No Conselho, a regra é a da maioria qualificada. Apenas em áreas muito residuais é que se impõe a unanimidade, caso da fiscalidade. No Conselho, Portugal já dispõe de menos votos, ao contrário de outros países, quando se trata da maioria qualificada. Acabar com a unanimidade em matéria fiscal significaria que se 16 países apenas quisessem que uma futura máquina tributária a criar em Bruxelas lançasse impostos sobre as actividades no mar português - sendo que muitos dos países da UE nem sequer têm mar -, ou sobre a indústria têxtil nacional, ou sobre o que fosse, Portugal não o poderá impedir. 

Portugal é uma nação soberana, não é uma região da UE. Lançar e cobrar impostos é uma prerrogativa dos Estados, que o CDS não está disposto a vender a Bruxelas a preço de saldo, como o PS quer. 

Acresce que os países não têm a mesma carga fiscal nacional e possuem diferentes dificuldades de contexto, exemplos da dívida, défice ou da capacidade de captar investimento externo.

Como é evidente, o mesmo imposto não teria o mesmo impacto nos diferentes povos e empresas, entre os 28 países da UE. Portugal, com uma altíssima carga fiscal, seria fortemente penalizado.

O PS e o PSD celebraram um acordo para o lançamento de novos impostos sobre as empresas, que querem que constituam recursos próprios da UE. O PS, por seu lado, tenta acabar com a unanimidade no Conselho, para que estes impostos possam ser decididos por apenas 16 países, mesmo que sejam dramáticos para a economia portuguesa.

Já o CDS é claro. Não queremos novos impostos nacionais, nem europeus. Os portugueses já atingiram a maior carga fiscal dos últimos 22 anos. Não acompanhamos o PS e o PSD na vontade de criarem novos impostos. Do mesmo modo somos contra o fim da unanimidade do Conselho.

O CDS é profundamente europeísta, mas não é federalista.

2. A saída do Reino Unido é a maior das falácias usada pela macrocefalia de Bruxelas - maioritariamente controlada pela França e Alemanha - para tentar impor, passo a passo, a transformação da UE numa federação. É neste contexto que surge a ideia da criação de uma máquina tributária e do lançamento de impostos. São uma afirmação de federalismo insensato, para além do mais a 4 meses de eleições europeias e nas costas dos parlamentos nacionais. São atitudes assim que justificam, como poucas, a ascensão dos extremismo e nacionalismo em muitos países da UE.

"Política fiscal deve continuar a ser uma competência nacional" 

Miguel Viegas, Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde, PCP

1. Não. A política fiscal é e deve continuar a ser uma competência nacional, nomeadamente de Portugal, e ser adequada à sua realidade concreta específica. O fim da regra da unanimidade e a consequente 'transferência' para a União Europeia de uma competência que está no âmago da soberania dos Estados significaria – à semelhança do que se verifica negativamente com outras políticas –, colocá-la ao serviço dos interesses das grandes potências da UE e dos seus grupos económicos e financeiros. O PCP é contrário ao desenvolvimento de uma dita 'política fiscal' da UE.

2. Não. Essa saída está a ser usada como pretexto para abrir espaço a uma 'política fiscal europeia', a que nos opomos. Para lá de intenções vãs, não se conhece nenhuma vontade ou determinação por parte da União Europeia de dar combate efectivo aos paraísos fiscais. Faço também notar que o combate à fraude fiscal e ao branqueamento de capitais passa hoje sobretudo pelo reforço das autoridades tributárias, pelo combate ao mecanismo de preços de transferência e pela criação de uma lista de paraísos fiscais credível que ainda não existe apesar das promessas. 

"A maioria qualificada poderá desbloquear propostas fundamentais"

José Inácio Faria, Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos), Movimento Partido da Terra

1. Enquanto federalista, concordo com a proposta da Comissão, uma vez que só passando da regra da unanimidade para a da votação por maioria qualificada poderemos desbloquear propostas fundamentais para a competitividade e equidade fiscal no mercado único e tornarmos economias mais frágeis, como a portuguesa, em mais resilientes aos efeitos de contágio de futuras crises económico-financeiras.

Só com a celeridade nos compromissos proporcionada pela votação por maioria qualificada poderemos harmonizar regras fiscais e aprovar um orçamento comum de maior dimensão (é inconcebível que o actual represente apenas 1% do PIB da União e que a Comissão esteja a negociar a programação financeira para o 2021-2027 sem um acordo político prévio entre os Estados-Membros sobre os objectivos estratégicos da UE para esse período!), financiado com recursos próprios.

O caso recente do reconhecimento de Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela, mostra que a cláusula passarela deve ser também usada na política externa da UE pois, à falta de uma resposta comum, não só enfraqueceu o nosso apoio como bloco à democratização daquele país, como aumentou a vulnerabilidade dos milhares de europeus, incluindo portugueses, aí emigrados.

2. Quer a inclusão do Fundo Europeu de Desenvolvimento no Orçamento da União Europeia, quer a saída do Reino Unido (de forma “dura” ou “soft”, o bloco europeu perderá um dos seus maiores contribuidores de fundos), tornam urgente a aprovação da proposta da Comissão de aumentar os limites máximos dos recursos próprios, o que implica necessariamente uma maior concertação fiscal entre os Estados-membros. E isso passa, numa área que me é especialmente cara, pela taxação verde que reveste assim uma dupla função: responder às novas necessidades orçamentais da União e aproximar-nos das metas do Acordo de Paris (que estamos longe de alcançar).

"Fim da regra da unanimidade só beneficia os grandes países"

Marisa Matias, Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde, Bloco de Esquerda

1. Não concordo. O fim da regra da unanimidade só beneficia os grandes países e sobretudo o eixo franco-alemão, porque, em termos de votos, os países não valem todos o mesmo, e nessa contagem os mais prejudicados são os pequenos países como Portugal. Só a manutenção da regra da unanimidade permitirá a Portugal ter uma palavra a dizer sobre estas matérias. E estas são seguramente matérias em que queremos ter uma palavra a dizer.

2. A concertação a nível fiscal é necessária para impor mínimos de tributação, não o contrário. A saída do Reino Unido tem pouca relevância a esse nível. Mais importante é lidar com o problema dos Estados-membros que são autênticos offshores, como a Holanda, a Irlanda ou o Luxemburgo, por exemplo.

"A democracia assenta na maioria e não na unanimidade"

António Marinho e Pinto, Grupo da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa, Partido Democrático Republicano

1. Concordo com o fim da regra da unanimidade. Considero que há vantagens e desvantagens consoante os assuntos que estiverem em causa. É óbvio que haverá questões em que a regra da unanimidade será benéfica para Portugal e prejudicial para outros países. Outras haverá, contudo, em que a unanimidade prejudicará Portugal e beneficiará outros estados-membros. Uma coisa, porém, é certa: nenhum órgão colegial será eficaz ou funcionará convenientemente se cada um dos seus membros tiver direito de veto em relação a cada uma das deliberações desse órgão. A democracia assenta na maioria e não na unanimidade. O culto da unanimidade é, até, perigoso para a saúde da ideia democrática.

2. Uma coisa não tem a ver com a outra. A saída do Reino Unido consubstancia o primeiro grande choque da UE. O Brexit é a primeira grande ferida narcísica da UE. Até aí proclamava-se, mesmo com alguma arrogância, que todos queriam entrar na UE e ninguém queria sair e, de repente, uma das pedras basilares da União diz que que quer sair – e vai sair mesmo.

A harmonização fiscal é uma exigência do próprio processo de integração europeia e um factor determinante da sua coesão política, económica e social. A harmonização fiscal deveria ter sido concretizada com a própria criação do euro. Não se compreende a adopção de uma moeda única sem harmonização das políticas fiscais, sobretudo, entre os membros da União Económica e Monetária, ou seja, dos países que adoptaram a moeda única.

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