Desisti do Facebook
É circular e absurdo, sim. Essa é a ideia. Em três dias, saí e entrei três vezes do Facebook.
Fartei-me do Facebook e saí. Ao fazê-lo, tropecei em duas evidências. 1: é mais fácil entrar do que sair. 2: o Facebook é inútil.
Queria sair à francesa, sem indignação, sem sombra de gesto político, sem aviso. Mas descobri que os mecanismos da saída do Facebook estão ao nível do Brexit e acabei por me sentar a escrever sobre a máquina inventada pelo Sr. Mark Zuckergerg.
Vivi as três vidas que se vivem no Facebook: comecei por o usar como ligação aos amigos que vivem longe (éramos 50), passei a usá-lo como plataforma de distribuição (passámos a 5000) e agora cansei-me.
Noventa e cinco por cento do tempo que passava no Facebook era gasto a limpar lixo, a rejeitar pedidos de amizade de vendedores de imobiliário, a expulsar tarados de todo o tipo, homens escondidos atrás de murais de mulheres, mulheres escondidas atrás de murais de casas de empréstimos, marines norte-americanos sempre parecidos com o Tom Cruise e desconhecidos com propostas à la Dona Branca, para não falar de press releases de tudo e mais alguma coisa e das pessoas que nos trata por “tu” como se fossem nossas íntimas. Os restantes 5% de tempo eram divididos em dois: 4% a ler coisas saídas de um manicómio e 1% a ler coisas interessantes.
Mesmo que tudo isto aconteça dentro de 20 minutos diários, há formas mais úteis de usar o tempo.
Pensei sair do Facebook quando recebi o primeiro telefonema de um desconhecido. Estava a jantar, o telefone tocou, fui ver e era um “amigo” do Facebook, uma pessoa (ou se calhar nem isso) que não conheço, nem sei quem é. Na altura, não sabia que qualquer “amigo” do Facebook podia ligar a outro “amigo” do Facebook através da app Messenger (que pertence ao Facebook), sem que para isso precisasse de ter o nosso número de telefone. Isso foi em 2016.
A seguir, pensei sair em 2017, quando o Facebook admitiu que, nos dois anos anteriores, 126 milhões de norte-americanos terão visto posts publicados pelo Governo da Rússia com identidades falsas, fazendo de conta que eram cidadãos a partilhar uma informação ou opinião e escondendo, assim, que era propaganda política.
Pensei sair em 2018, quando se soube que os dados de 90 milhões de utilizadores do Facebook tinham sido partilhados com a Cambridge Analytica, para usos obscuros, sem autorização e contra as expectativas dos utentes. Pensei sair duas semanas depois de o escândalo ter rebentado quando li a carta de Mike Schroepfer, Chief Technology Officer do Facebook, na qual ele anuncia solenemente que, perante a descoberta de devassa da privacidade, o Facebook ia alterar a sua “política dos API”, sem se dar ao trabalho de nos dizer o que isso é, como se API fosse uma sigla comparável a ONU, aos OVNI ou à CNN (já agora, API é “Application Programming Interface” e é um mecanismo que permite a programadores informáticos interagirem com o Facebook). Nessa carta, Schroepfer parecia espantado com o “abuso de actores maliciosos” na plataforma (a expressão é sua), uma ingenuidade difícil de engolir. Tudo isto são banalidades conhecidas.
O que me fez escrever sobre o Facebook foram os truques inventados para não me deixar sair. Ao tentar cancelar a minha conta, percebi que o senhor Zuckerberg escondeu a palavra “cancelar conta” numa gaveta dos fundos: para se chegar lá, temos de adivinhar que a opção “editar a conta” é a que nos dá acesso ao botão “desactivar conta”.
Mas a seguir, percebi que o Facebook só me deixa eliminar a conta se eu continuar a usar o Messenger, coisa que mal uso. O Messenger é um depósito de mãozinhas amarelas que me acenam. Como nunca percebi a ideia e porque tinha mãozinhas a dizerem-me adeus de manhã à noite, anulei as notificações há anos. Mas agora, para sair do Facebook, precisava de voltar a ter Messenger? À quinta tentativa, acabei por aceitar a regra. A seguir fui ao Messenger, verificar se já não existia, mas isso levou-me de regresso ao Facebook, o que anulou o meu pedido para sair. É circular e absurdo, sim. Essa é a ideia. Em três dias, saí e entrei três vezes do Facebook. Talvez vá sentir falta do 1% de coisas úteis que ali descobri. Mas como já não há nem jovens nem ideias novas, sair do Facebook é uma cirurgia plástica digital. Não ficamos mais novos, mas parecemos.