Espanha: Todas as hipóteses em cima da mesa

A questão catalã condiciona toda a agenda política. Pode não decidir estas eleições mas permanece, cada vez mais agudamente, como a questão central da Espanha.

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1. As eleições em Espanha podem ser resumidas em jargão diplomático: “Estão todas as hipóteses em cima da mesa.” As sondagens pré-eleitorais apresentam cenários ainda muito abertos. O que conta não é “quem vai ganhar”, no sentido do partido mais votado, mas quem reunirá uma maioria parlamentar que viabilize a formação de um Governo. Uma coisa é vencer, outra é governar.

O PSOE, de Pedro Sánchez, tem muitas probabilidades de ser o mais votado mas pode acabar a ser relegado para a oposição. Do mesmo modo, a ideia de que há uma irresistível “vaga de fundo” da direita, traduzida numa maioria do chamado “tripartido” — PP, Cidadãos e Vox —, é tudo menos segura. A curto prazo, o factor Vox pode até favorecer o PSOE.

Com a derrocada do bipartidarismo — a emergência do Podemos e do Cidadãos — nasceu um quadro de bloqueio político, em que é muito difícil formar maiorias estáveis. Com o Vox, o sistema torna-se “pentapartidário”, o que no caso espanhol agrava o risco de ingovernabilidade. Outro factor de instabilidade tem a ver com os partidos nacionalistas quando estes se tornam árbitros das maiorias parlamentares. Este factor já existia no modelo bipartidário, mas pesa mais quando o espectro dos partidos nacionais se estilhaça. A censura ao governo de Rajoy deveu-se à perda do apoio do Partido Nacionalista Basco. O Orçamento foi agora chumbado pelos independentistas catalães que, em Maio passado, tinham viabilizado a insólita investidura de Sánchez.

2. Mudaram as antigas regras do jogo. O confronto principal não se travará entre o PSOE e o PP, mas entre Pedro Sánchez e Albert Rivera, que disputam o eleitorado do centro. A pergunta é: quem dominará o centro? Foi a questão catalã que levou à colagem do Cidadãos à direita. A famosa fotografia da concentração de domingo, em Madrid, onde se vêem Pablo Casado, Albert Rivera e Santiago Abascal, líder do Vox, fornece a Sánchez um bom tema eleitoral: a exploração do “perigo da direita” e da radicalização nacionalista.

À esquerda, não se prevê confronto entre o PSOE e o Unidos Podemos. Uma das novas regras é a prudência na disputa de votos dos aliados. Os socialistas já não são ameaçados por Pablo Iglesias. Pelo contrário, uma derrocada do Unidos Podemos seria catastrófica para Sánchez. O PSOE ficaria “sem muleta nem oxigénio alternativo”, anota o El País.

À direita o quadro é diferente. O Cidadãos disputa ao PP a liderança do centro-direita. Rivera admite uma futura aliança com os socialistas mas não com o PSOE de Sánchez, devido à sua política catalã. Propõe-se governar com o PP mas previne: “O que os espanhóis têm de decidir é quem preside a esse governo, quem o encabeça.”

A ideia de que o novo “tripartido” — do centro à extrema-direita — repetiria o precedente da Andaluzia, em que as três forças se uniram para afastar os socialistas do governo regional, pode ser ilusória. O crescimento da direita radical enfraquece o PP e, por isso, pode ser uma boa notícia para os socialistas: por um lado, força o PP a radicalizar o seu discurso, o que facilita a sua assimilação à extrema-direita e dá crédito ao argumento do perigo extremista. Por outro lado, não se sabe se os votos do Vox reforçarão ou debilitarão a direita, se serão votos acrescentados ou votos perdidos. “A divisão da direita subtrai, não soma”, resume o politólogo Juan Rodriguez Teruel.

O Vox cria também problemas — políticos e de imagem — ao Cidadãos, mas Rivera não quer perder para Abascal a “bandeira” de líder da resistência aos nacionalismos independentistas. Diga-se, de passagem, que nenhum dos partidos da oposição desejava realmente eleições imediatas, designadamente o Vox, que tencionava lançar-se nas europeias de Maio.

3. A questão catalã condiciona toda a agenda política. Pode não decidir estas eleições mas permanece, cada vez mais agudamente, como a questão central da Espanha. Não a analisarei aqui, pois necessita de uma abordagem própria, na medida em que não se limita a espelhar a pulsão nacionalista mas também uma implacável luta pela hegemonia política na Catalunha.

Limito-me a citar o polítólogo Fernando Vallespín a propósito do novo cenário político. “A única coisa clara é a ruptura do bloco constitucionalista. O PP — e o Cidadãos? — sentem-se mais cómodos com um partido neofranquista do que com os socialistas. E o próprio PSOE parece decidido a deixar-se acompanhar nesta nova viagem pelo Podemos, partido explicitamente antimonárquico e favorável à autodeterminação das nações peninsulares. O consenso constitucional está estilhaçado.”

Outro cientista político, Jorge Galindo, sublinha o impasse da esquerda. “Continuamos no mesmo mundo que emergiu [nas eleições de] Dezembro de 2015: hoje, para governar, a esquerda tem de escolher entre ceder na negociação da soberania para manter a pureza ideológica, ou fazê-lo no plano ideológico para conservar a unidade territorial. Ou independentistas ou constitucionalistas de centro e direita. Não há mais.” A Catalunha dilacera especialmente a esquerda. Os liberais do Cidadãos ou os conservadores do PP têm posições mais fáceis de articular na questão territorial.

Em suma, a campanha eleitoral envolve demasiadas variáveis que desafiam a inteligência e a coragem dos protagonistas.

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