É necessária mais atenção à dívida externa
Se o Governo continuar a ignorar esta dimensão da dívida externa pode contar, mais tarde ou mais cedo, com nova crise económica e com um regresso dos défices públicos elevados.
O saldo da balança corrente e de capital do país será positivo em 2018 pelo quinto ano consecutivo o que é notável para um país que, durante décadas, apresentou recorrentemente défices nesta balança. Ou seja, o país, nestes últimos anos, tem vindo a acumular poupança externa o que tenderia a permitir, em teoria, uma redução do nível de dívida externa líquida e uma melhoria da sua posição de investimento internacional líquida.
Mas não é isso que acontece. Os níveis da dívida externa líquida do país e a posição de investimento internacional, ainda que praticamente estabilizados em níveis absolutos, têm vindo a aumentar desde 2016.
Em 2017, por exemplo, a posição de investimento internacional do país deteriorou-se em 7,3 mil milhões de euros, não obstante um excedente da balança corrente e de capital de 3 mil milhões de euros. Este facto resulta de efeitos cambiais adversos (- 2,1 mil milhões de euros) mas sobretudo de efeitos adversos no preço de mercado dos passivos do país detidos por residentes no exterior (-9,4 mil milhões de euros) muito superiores aos efeitos favoráveis no preço dos activos no exterior detidos por residentes do país (+1,8 mil milhões de euros).
Ou seja, a dimensão dos activos e passivos do país é tal, que efeitos financeiros têm um maior impacto na posição de investimento internacional e na dívida externa do país do que os fluxos reais anuais, nomeadamente, o excedente da balança comercial.
Este “efeito preço” traduz mais-valias, realizadas ou não, do preço em euros dos activos financeiros. Contudo, as estatísticas disponíveis não caracterizam este “efeito preço” com suficiente detalhe. Por exemplo, se a taxa de juro da dívida pública diminui – sem dúvida um desenvolvimento benigno para as contas públicas e externas do país – o valor de mercado dos títulos de dívida pública detidos por não residentes aumenta. Desse facto, decorre uma deterioração da posição de investimento internacional e da dívida externa líquida do país, mas sem outras implicações porque o valor nominal da dívida em euros não aumenta. É um efeito meramente estatístico porque, por convenção, os passivos e activos são contabilizados ao seu preço de mercado.
Mas outra parte do “efeito preço” pode ter consequências negativas. Por exemplo, quando um activo financeiro é alienado a não residentes abaixo do seu preço de mercado o que conduz, posteriormente, à sua reavaliação em alta.
É necessário um milagre
A redução do nível de dívida externa líquida continua a constituir o principal desafio macroeconómico do país. O nível de endividamento externo é tão elevado que a dívida externa do país não poderá ser integralmente paga. Mais tarde ou mais cedo terá de ocorrer uma reestruturação de dívida.
Mas, como argumenta Alexandre Abreu num texto recente, a estratégia dos credores europeus é adiar o inadiável até ao limite do impossível e, nessa altura, fazer as concessões mínimas possíveis, mantendo a actual estratégia até que um erro de cálculo dos decisores políticos resulte numa ruptura.
Como os decisores nacionais preferem ignorar o elefante na sala a enfrentar os credores, o país deve continuar com níveis obscenos e insustentáveis de dívida externa durante anos senão décadas. Assim, parece não haver alternativa a: por um lado, continuar com a política orçamental num colete-de-forças permanente sem conseguir evitar crises de balança de pagamentos periódicas e, por outro lado, assistir a um definhar do país e das suas perspectivas de desenvolvimento no médio e longo prazo.
Somente coelhos da cartola quase mágicos poderão alterar este estado de coisas: um novo e enorme programa de expansão quantitativa do BCE; descoberta de reservas de petróleo ou gás natural; o preço de um minério qualquer extraído em Portugal dispara; ou, mais improvável de todos, um reforço das transferências orçamentais entre estados membros ricos e pobres da Zona Euro.
Enquanto espera o milagre, o Governo pode agir um pouco
As políticas públicas devem dar prioridade à redução da dívida externa e ao desenvolvimento económico do país, nomeadamente ao crescimento económico. Se tal for feito, o esforço de redução do défice público e da dívida pública torna-se um pouco menos insustentável. Não se pode é continuar obcecado com estas duas últimas variáveis – mais sintomas do que causas dos desequilíbrios macroeconómicos do país – enquanto são ignoradas variáveis muito mais importantes.
Uma das variáveis macroeconómicas que merece muito mais atenção das políticas públicas é precisamente o acima citado “efeito preço” nos passivos financeiros do país. Em 2017, o Banco de Portugal estima que não residentes registaram mais-valias de 9,4 mil milhões euros (4,8% do PIB) com activos financeiros portugueses. Não está em causa que investidores não residentes registem mais-valias nos activos financeiros que detêm em Portugal. O que está em causa é que, com frequência, parte dessas mais-valias resultam de menos valias do Estado em transacções com activos financeiros públicos.
Por exemplo, se o Estado vende a não residentes os seus activos financeiros públicos, como por exemplo, 75% da posição de 100% que detinha no Novo Banco, muito abaixo do seu valor contabilístico, tal conduz, a prazo, a uma deterioração da posição internacional de investimento do país. Privatizações e vendas de bancos ou benefícios fiscais para bancos são exemplos de políticas públicas que resultam numa deterioração da posição de investimento internacional do país, pelo “efeito preço” referido acima.
Estas decisões públicas, face à grande dimensão da dívida externa, causam efeitos que anulam os resultados obtidos na “frente” real. O excedente de 3,5 mil milhões de euros da balança comercial em 2017 representa apenas 37% das mais-valias obtidas, por efeito preço, por não residentes com activos financeiros em Portugal.
E, como os passivos externos do país pagam juros e dividendos a não-residentes, o crescimento mais acentuado das mais-valias de não-residentes com activos financeiros detidos em Portugal, tornam a dívida externa do país menos sustentável do que já é.
Se o Governo continuar a ignorar esta dimensão da dívida externa pode contar, mais tarde ou mais cedo, com nova crise económica e com um regresso dos défices públicos elevados. É que com este tipo de políticas públicas, não há “apertar do cinto” que nos valha!