Monumentos: conservar e usufruir
Património e economia são temas indissociáveis. O Mosteiro de Alcobaça é uma peça fundamental para a recuperação da vida económica no centro histórico
A Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) tem a seu cargo a gestão direta de 23 monumentos e museus em Portugal, onde se incluem 5 monumentos inscritos na lista do património mundial da UNESCO. Um deles é o Mosteiro de Alcobaça. Um lugar fortemente ligado à origem de Portugal, uma vez que, conquistadas as cidades de Santarém e de Lisboa, em 1147, concretizou-se então a fundação da Abadia Cisterciense de Santa Maria de Alcobaça e a Carta de Doação dos Coutos de Alcobaça conferida por D. Afonso Henriques e sua mulher D. Mafalda tem a data de 8 de abril de 1153 (… Eu El-Rei D. Afonso e minha mulher D. Mafalda confirmamos com grande firmeza e assinamos de nossas mãos a presente carta …).
No passado dia 31 de janeiro, no Mosteiro de Alcobaça, a DGPC e a secção portuguesa da Transparency International (TI-PT) levaram a cabo uma sessão de apresentação do Pacto de Integridade que já tinha sido assinado entre as duas organizações no mês de dezembro. Segundo foi explicado, e passo a citar, o Pacto de Integridade é um instrumento de monitorização cívica criado nos anos 90 pela Transparency International que visa promover a transparência, a integridade e a responsabilidade nos gastos públicos através do envolvimento de organizações da sociedade civil, que atuam como monitores em todas as fases do processo de contratação pública: 1) Avaliação de Necessidades, 2) Escolha e Preparação do Procedimento, 3) Adjudicação do Contrato, 4) Execução do Contrato e 5) Contabilidade Final, Pagamento e Sanções. Tal como foi divulgado, a iniciativa inscreve-se num projeto apoiado pela Comissão Europeia envolvendo 11 países europeus e o acompanhamento de 17 processos de contratação pública suportados por fundos comunitários, como é o caso das obras em Alcobaça, no valor de cerca de 1 milhão de euros, que são cofinanciadas pela União Europeia.
Saudamos esta iniciativa. Trata-se do primeiro Pacto de Integridade assinado em Portugal. E, como diriam os mais antigos, candeia que vai à frente alumia duas vezes. De facto, o espírito de iniciativa de alguns pode vir a ajudar mais tarde na resolução do grave problema de desertificação com que se debate a zona urbana que envolve as enormes instalações do Mosteiro de Alcobaça.
Património e economia são temas indissociáveis. E bem articulados podem ajudar a combater a desertificação dos centros históricos, nomeadamente atraindo novos residentes, e ajudando a baixar o índice de envelhecimento das populações. O Mosteiro de Alcobaça é uma peça fundamental para a recuperação da vida económica no centro histórico desta pequena cidade da região Oeste, próxima de outras cidades e vilas também elas ricas em património. A grandiosidade das instalações geridas em Alcobaça pela DGPC confere a este monumento um papel crucial para o desenvolvimento harmonioso da pequena cidade onde se insere. Cada monumento tem o seu locus. Basta comparar, por exemplo, com o Mosteiro dos Jerónimos ou com a Torre de Belém.
Devido à sua localização e especificidades próprias, o Mosteiro não está para Alcobaça exatamente como, por exemplo, o Convento de Cristo está para a cidade de Tomar. Há diferenças, e há que compreendê-las. Cada monumento insere-se num dado contexto e o seu impacto deve ser avaliado por critérios adaptados às suas circunstâncias. Já o escrevemos anteriormente, mas agora repetimo-lo aqui: espetáculos, visitas culturais, encontros temáticos, workshops, atos religiosos, tudo é importante para dar vida à pequena cidade de Alcobaça, conferindo-lhe um sentido de zona com características urbanas, em oposição às características de um centro histórico quase desabitado e de utilização sazonal.
O Mosteiro de Alcobaça possui uma área equivalente à do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Mas só na freguesia de Belém, que tem cerca de 10,4 quilómetros quadrados, residem certa de 16.500 pessoas; enquanto que na zona que inclui a cidade de Alcobaça, numa área semelhante, com cerca de 9,8 quilómetros quadrados, vivem aproximadamente 7000 habitantes. Após o desmantelamento do antigo Lar Residencial de Alcobaça em 2002, o Mosteiro deixou de ter pessoas a residir nas suas instalações; e o centro histórico da cidade iniciou a sua desertificação. Com a saída do Lar que antes da revolução de 25 de Abril se chamava Asilo de Mendicidade de Lisboa (secção de Alcobaça) seria lógico e justo que o poder central ressarcisse a cidade de Alcobaça do facto de ter perdido uma atividade que ocupava muita gente e dava uma importante função a uma parte bastante significativa do Mosteiro. Em termos práticos, ressarcir Alcobaça da saída do Lar Residencial das instalações que tinha no Mosteiro, significa colocar no Mosteiro outra atividade (ou atividades) em substituição da que foi retirada. Sem atividade(s) com impacto económico proporcional à área edificada no centro da cidade de Alcobaça, o Mosteiro passou a ter um carácter passivo no centro da cidade, pois os visitantes se bem que em elevado número, entram e saem apenas nas horas de abertura ao público da parte visitável das instalações. Nas restantes horas, o monumento não acolhe atividades regulares e em nada contribui, antes pelo contrário, para combater a desertificação da zona envolvente.
Na nossa opinião, as possíveis alterações dos circuitos de visitação e do sistema de bilhética para venda dos ingressos no Mosteiro constituem uma oportunidade que não deve ser perdida para se avaliar as necessidades melhorando a relação mosteiro-cidade, pensando as visitas ao monumento numa lógica de desenvolvimento económico que é necessário induzir na zona urbana que o rodeia. No Mosteiro de Alcobaça, a nave central e as capelas adjacentes constituem também locais essenciais para o funcionamento das atividades religiosas. Atrevemo-nos a dizer que, crentes ou não-crentes, todos reconhecem que um lugar de culto constitui um espaço motivador para a reflexão, um exemplo vivo de história e cultura, e também pode ser inspirador de atitudes de tolerância. Para isso, não devem ser criadas dificuldades no acesso aos espaços de atividade religiosa normal, e a igreja deve estar aberta a todos em períodos alargados. A paróquia de Alcobaça deve ser considerada elemento fundamental para o correto usufruto do Mosteiro nas áreas que estejam acordadas com a DGPC.
Envolver a autarquia e os cidadãos na salvaguarda e fruição do património é algo possível de ser feito, se for essa a vontade dos detentores da guarda: neste caso, a DGPC. Para Alcobaça, o que se passa dentro do perímetro gerido pela administração/direção do monumento é tão importante como o que se passa fora dele. É verdade que Alcobaça está ainda longe de conseguir o que Mafra já conseguiu: uma forte ligação institucional com a tutela do seu Palácio Nacional, formado por um Paço Real, uma Basílica e um Convento. O forte empenho e dinamismo de Mafra levou a que recentemente a ministra da Cultura tenha anunciado que o Museu Nacional da Música vai ser instalado por inteiro no Palácio Nacional de Mafra devendo abrir ao público em 2021. Parabéns a Mafra.
Regressando à análise da situação atual no centro histórico de Alcobaça, não vamos aqui voltar a referir a importância da coleção Vieira Natividade nem recordar outras situações e episódios que o tempo engoliu. Falemos do presente. Estão atualmente em marcha as obras para a instalação de uma unidade hoteleira no lado nascente do Mosteiro (vulgo, traseiras do Mosteiro, onde até 2002 funcionou o Lar Residencial de Alcobaça). Concorde-se ou não, factos são factos e o contrato foi assinado e implica um investimento a rondar os 15 milhões de euros feito pelo grupo Visabeira, que vai permitir a reabilitação do Claustro do Rachadouro (ou da Biblioteca), sendo instalada uma pousada de luxo, que se distribuirá por “três pisos, 80 quartos, incluindo 9 suites, piscina interior e spa, ginásio, e espaços para organização de congressos e eventos”.
Cabe aos órgãos autárquicos de Alcobaça, aos alcobacenses e aos amigos de Alcobaça, exercerem forte pressão para que se concretizem as relações de cogestão no Mosteiro, recorrendo-se a parcerias com entidades públicas ou privadas consoante a finalidade que se pretenda para cada uma das zonas do grande Mosteiro. São francamente possíveis de integrar neste imenso espaço outras iniciativas, nomeadamente de carácter museológico e educativo; afinal foi em Alcobaça que se realizaram as primeiras aulas públicas em Portugal, no ano de 1269. A fruição do Património por residentes e por turistas terá de constituir o objetivo principal, na lógica de transferência das competências que localmente existem ou se podem facilmente criar.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico